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Terapia Intensiva20 agosto 2024

Qual suspender primeiro após o choque séptico: noradrenalina ou vasopressina?

O paciente com choque séptico precisa da infusão com aminas vasopressoras para manter mínima perfusão para coração, cérebro e rins.
Por André Japiassú

A conduta mais comum é iniciar noradrenalina em infusão contínua, e se a dose ultrapassar certo limite, acrescentar outro vasopressor. Atualmente este segundo vasopressor é geralmente a vasopressina. A associação destes dois medicamentos parece sinérgica, já que seus mecanismos de ação são diferentes. Não há dose fixa de noradrenalina na qual se alcança um limite para se iniciar a vasopressina: as definições de choque refratário são heterogêneas. Mas em boa parte dos lugares, a conduta é iniciar vasopressina quando a dose de noradrenalina ultrapassa 0,5 a 1,0 mcg/kg/minuto. Doses fixas de vasopressina entre 0,01 a 0,04 unidades por minuto são preconizadas.  

Mas se essa conduta de incremento de vasopressores é mais conhecida e comentada, a sua retirada é mais nebulosa, quando o paciente melhora a disfunção hemodinâmica. A retirada de uma ou outra droga tem prós e contras, e encontra defensores divergentes nas condutas. A noradrenalina tem meia vida menor (1-5 minutos) e sua variação é rapidamente avaliada; ela é titulada em doses com janela terapêutica maior, variando no seu mínimo de 0,03 a 0,05 mcg/kg/min; sua retirada pode ser bem gradual; mas pode haver um “down-regulation” de receptores adrenérgicos pelo tempo de uso, que pode limitar sua eficácia; e seu uso prolongado pode levar a isquemia de extremidades. A vasopressina tem meia vida maior (10-20 minutos), com janela terapêutica curta; entre seus efeitos colaterais estão plaquetopenia, isquemia esplâncnica e coronariana. 

Qual suspender primeiro após o choque séptico: noradrenalina ou vasopressina?

Análise recente

Neste estudo, os autores realizaram uma meta-análise com estudos entre 2010 e 2018, selecionando 8 trabalhos: 5 estudos retrospectivos, 2 resumos de congressos, e 1 estudo clínico prospectivo. Os dois resumos de congressos mesmo sabendo que poderiam ter dados incompletos e não tinham sido submetidos a revisão por pares. De um total de 1.164 pacientes, a descontinuação de vasopressina levou a maior ocorrência de hipotensão. Não houve diferença de mortalidade entre os grupos. A heterogeneidade foi grande entre os estudos.  

Resultados divergentes

O grande problema é que o único estudo prospectivo teve resultado oposto aos estudos retrospectivos: o estudo DOVSS, de Jeon et al de 2018 mostrou que a descontinuação de noradrenalina levou a maior incidência de hipotensão, enquanto os outros estudos disseram que suspender vasopressina primeiramente foi pior. Isto torna a interpretação da meta-análise mais confusa. 

Talvez a chave deste problema seja o uso ou não de corticoide nos estudos. O uso de vasopressina é tão mais eficaz quanto mais frequente o uso de hidrocortisona ou similar. Um subestudo do VASST de 2008 já tinha demonstrado que o subgrupo de pacientes que usavam vasopressina e hidrocortisona tinham maior chance de reverter o choque. Portanto, no estudo prospectivo e mais 2 estudos retrospectivos, houve alta taxa de uso de corticoide, enquanto esta taxa foi baixa em outros 4 estudos. Mas mesmo assim, o estudo prospectivo mostrou resultados conflitantes com o restante dos estudos.  

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Uma interessante observação da meta-análise foi que médicos preferem aumentar a dose de noradrenalina do que reiniciar vasopressina, quando a descontinuação inicial é desta última. Porém, quando a noradrenalina é suspensa primeiramente, ela é reinfundida logo se ocorrer hipotensão. Este comportamento foi comum em todos estudos e pode ser influenciado pelas diretrizes de sepse, que dizem que a vasopressina é de segunda escolha, depois da noradrenalina. O preço da vasopressina é superior também ao da noradrenalina, e pode influenciar nessa escolha.  

Conclusão

Os autores apontam que a descontinuação de vasopressina pode levar a maior incidência de hipotensão, mas que isso pode ser minimizado se houver terapia com corticoides concomitante. Como os estudos foram todos de único centro, e a maioria foi retrospectiva, as conclusões são limitadas. Seria necessário estudo multicêntrico com objetivo de testar a ordem de suspensão de vasopressores, com mais de 11 mil pacientes, para demonstrar algum efeito significativo em desfechos importantes, como mortalidade. Portanto, teoricamente a ordem de retirada de vasopressores não deve impactar o prognóstico tão significativamente: o importante é respeitar os efeitos farmacológicos tanto da noradrenalina quanto da vasopressina, com atenção para minimizar a ocorrência de hipotensão. 

Autoria

Foto de André Japiassú

André Japiassú

Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.

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