Logotipo Afya
Anúncio
Terapia Intensiva19 junho 2024

Terapia nutricional após trauma e cirurgia de emergência

A avaliação nutricional dos pacientes internados em terapia intensiva deve ser realizada assim que são admitidos.
Por Julia Vargas

Pacientes críticos pós-trauma ou cirurgias de urgência não possuem a possibilidade de serem preparados no pré-operatório como aqueles submetidos a cirurgias eletivas. E, frequentemente, sofrem períodos prolongados de internação hospitalar, desfechos para outras unidades de internação, em vez de alta domiciliar e maiores taxas de infecção e mortalidade. 

Apesar disso, é importante saber que a otimização da terapia nutricional nesse paciente crítico agudo não se resume apenas a “alimentar mais e mais cedo”. De fato, existe tanto risco na oferta exagerada e agressiva de calorias, quanto na baixa oferta ou no início atrasado de alimentação.

Veja também: Deficiência e reposição de vitamina A: o que é importante saber?

Paciente internada recebendo terapia nutricional

Avaliação nutricional 

A avaliação nutricional dos pacientes internados em terapia intensiva deve ser realizada assim que são admitidos. A identificação dos pacientes que irão se beneficiar da terapia nutricional é um processo decisório que deve considerar não só as variáveis individuais, mas também as interações entre essas variáveis. 

Pacientes que apresentam IMC< 19kg/m2, história de baixa ingesta oral, perda de peso não intencional > 10% a 15% do valor basal e história de neoplasia com caquexia devem ser considerados como alto risco nutricional. Existem alguns scores objetivos para avaliação do risco nutricional, sendo o NRS-2002 e o NUTRIC score os mais comumente utilizados.

Pacientes que pontuem de 6 a 10 no NUTRIC score são considerados de alto risco nutricional; porém, vale lembrar que esse score leva em consideração valores de IL-6, frequentemente não disponíveis em muitos locais. Podem ser omitidos no cálculo, sendo, portanto, considerados de alto risco aqueles pacientes que pontuem > 5 nessa situação.   

Importante recordar, ainda, que a albumina sérica e a pré-albumina não devem servir como marcadores de reserva proteica corporal ou massa muscular total. E não devem ser usados como indicadores nutricionais, uma vez que ambas são reagentes de fase aguda e não são confiáveis no paciente crítico. No entanto, pode haver alguma utilidade na medição seriada de pré-albumina na avaliação de resposta à terapia nutricional e recuperação da fase aguda/hipercatabólica.  

Necessidades Nutricionais 

A prioridade para pacientes críticos deve ser a ressuscitação volêmica adequada, correção de alterações metabólicas, controle de hemorragias e reversão do choque. Uma vez que essas metas foram alcançadas, a atenção passa a ser a oferta calórica e proteica adequada para que o paciente atravesse o insulto agudo. 

Pacientes de baixo ou moderado risco nutricional (NRS ou NUTRIC≤5) devem ter a nutrição iniciada com a meta de atingir 70% das necessidades calóricas ou 15 a 20 Kcal/kg por dia nos primeiros 4 dias. Esses pacientes necessitam de 1.2 a 1.3g/kg por dia de proteína. 

Já para os pacientes de alto risco (NRS e NUTRIC> 5) devem ter metas calóricas e proteicas mais agressivas e mais precoces. Usando o peso atual naqueles com IMC≤ 30 kg/m2 ou substituindo por um IMC=25kg/m2 naqueles com IMC real > 30kg/m2, é recomendado que pacientes de alto risco alcancem um mínimo de 1.5g/kg/dia de proteína, aumentando para 2g/kg/dia, conforme a gravidade da doença. As recomendações tradicionais de oferta calórica são de 25 a 30 kcal/kg/dia, apesar de evidências questionarem o impacto e o benefício dessas metas calóricas precoces na fase aguda do insulto. 

Atenção especial deve ser dada, na população de alto risco, ao risco de “overfeeding” e síndrome de realimentação. Monitorar as alterações eletrolíticas, particularmente a hipofosfatemia é crucial nessa população. Estudos já mostraram que a sobrevida é maior naqueles em que foram mantidas baixas ofertas calóricas nos primeiros quatro dias, com posterior aumento gradual nas fases menos agudas da doença.  

Quando iniciar? 

Após as metas de ressuscitação serem atingidas, a nutrição enteral (NE) ou parenteral (NP) deve ser iniciada de 24 a 48h após a admissão. A NE é rotineiramente preferida à NP, já que costuma ser mais bem tolerada; pode ser iniciada sem acesso central e apresenta melhores resultados, em parte pela manutenção das microvilosidades intestinais. A NE pode ser iniciada via nasogástrica ou nasojejunal.  

É mais importante obter algum volume de nutrição enteral entregue de forma precoce do que alcançar rapidamente a meta calórica total. A sociedade americana de nutrição enteral e parenteral (ASPEN) recomenda que pacientes de baixo risco nutricional não necessitam ter NP iniciada nos primeiros 5 a 7 dias de internação.

Por outro lado, para aqueles pacientes de alto risco, a NP precoce pode ser indicada nos primeiros 2 dias da admissão. Para pacientes com programação de abordagem cirúrgica e com evidências de má nutrição, uma suplementação com NE (ou NP, no caso de contraindicação ou baixa tolerância do uso da via enteral) pode ser realizada, no mínimo, por 5 a 7 dias, se possível.  

Situações especiais 

Existem menos contraindicações à NE do que um dia se acreditou. Já se provou ser seguro iniciá-la em pacientes submetidos à peritoneostomia após uma cirurgia de controle de danos, em ostomias recentes, naqueles em posição prona e bloqueados. Ainda restam algumas controvérsias em relação ao início da NE; entretanto, naqueles pacientes em uso de vasopressores.

Recomenda-se iniciar dieta enteral trófica (10-20ml/h) com progressão lenta para a meta calórica em até 48h, em pacientes com até 0.3µg/kg/min de noradrenalina. Não devemos deixar de monitorar a tolerância gastrointestinal, incluindo a distensão do abdome, êmese, sinais de peritonite, elevação de lactato ou necessidade progressiva de vasopressores. Como dito anteriormente, não devemos iniciar NE ou NP em pacientes instáveis e com choque não resolvido, com hiperlactatemia progressiva ou doses elevadas e em ascensão de drogas vasoativas.  

Saiba mais: O consumo de alimentos ultraprocessados pode impactar na saúde mental? 

Conclusão 

O suporte nutricional para pacientes críticos ou após cirurgia de urgência pode ser um fator que irá influenciar no tempo de internação hospitalar, desfecho e risco de morbidade e mortalidade. A escolha da melhor forma de nutrição, dose, composição e ajustes faz parte de um processo complexo de tomada de decisão, que deve integrar diversos fatores da doença e do paciente. 

Anúncio

Assine nossa newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Ao assinar a newsletter, você está de acordo com a Política de Privacidade.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Referências bibliográficas

Compartilhar artigo