O delirium é definido como uma alteração aguda da atenção, consciência e cognição que se instala em horas ou dias, apresenta curso flutuante e impacta diretamente nos desfechos clínicos de pacientes críticos. Sua prevalência pode variar de 15% a 74% em unidades de terapia intensiva (UTI), sendo maior em idosos e em contextos de maior gravidade clínica. A partir dessa grande variável de prevalência, podemos ainda concluir que o delirium é multifatorial, já que a dependência de múltiplos fatores tanto fisiológicos quanto do ambiente, podem influenciar e aumentar ou diminuir esses eventos.
Além da morbidade imediata, o delirium está associado a maior tempo de internação hospitalar, aumento de custos, risco de complicações secundárias, como úlceras de pressão e infecções, além de predispor ao comprometimento cognitivo de longo prazo e aumento da mortalidade em até seis meses após a alta.
No cenário do manejo do delirium, existe uma busca crescente por alternativas não farmacológicas, já que certas evidências demonstram que as medicações como antipsicóticos podem não ter benefícios no desfecho, além de efeitos adversos relevantes para o contexto do doente crítico. Dessa forma, terapias complementares vêm sendo estudadas para suprir a lacuna da terapêutica do delirium, dentre elas a terapia com exercícios e mobilização precoce.
Nesse artigo, especificamente, avaliaremos uma revisão sistemática publicada neste ano (2025) que analisa quatro ensaios clínicos randomizados e os seus resultados, principalmente o papel da mobilização precoce e terapia com exercícios na UTI em pacientes já identificados com delirium prévio.
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Fisiopatologia do delirium
O delirium é um distúrbio de origem multifatorial. Os principais mecanismos descritos incluem:
- Neuroinflamação com ativação microglial e aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica;
- Desequilíbrio de neurotransmissores, particularmente hipoatividade colinérgica e hiperatividade dopaminérgica;
- Resposta exacerbada ao estresse, com aumento de cortisol e catecolaminas;
- Disfunções de rede neural, com alteração na conectividade entre regiões corticais e subcorticais.
Clinicamente, manifesta-se em três subtipos:
- Hiperativo (<2%): agitação, inquietação e labilidade emocional;
- Hipoativo (43%): lentificação, apatia e sonolência, frequentemente não reconhecido;
- Misto (54%): alternância de sintomas hiperativos e hipoativos.
O diagnóstico do delirium em UTI é complexo devido ao caráter flutuante do quadro. Uma avaliação isolada pode não captar toda a evolução clínica, o que exige monitorização seriada, geralmente a cada 6 horas.
Os instrumentos mais utilizados são:
- Confusion Assessment Method for the ICU (CAM-ICU);
- Intensive Care Delirium Screening Checklist (ICDSC).
Sobre o tratamento com exercícios
A intervenção analisada na revisão Cochrane envolveu programas estruturados de mobilização precoce e exercícios terapêuticos, adaptados conforme a gravidade clínica e tolerância do paciente.
Os recursos utilizados foram:
- Exercícios passivos, ativos-assistidos e ativos no leito;
- Uso de cicloergômetro para movimentação dos membros inferiores;
- Sedestação e ortostatismo supervisionados;
- Transferência para cadeira e deambulação assistida;
- Treinos progressivos de força e resistência até atingir a capacidade de manter-se sentado, em pé ou caminhar.
A intervenção foi sempre precedida por avaliação de segurança respiratória, cardiovascular e neurológica. Ponto importante: não foram relatados eventos adversos em nenhum dos estudos que avaliaram a segurança da terapia com exercícios. Porém, torna-se uma lacuna para questionamento em outros estudos posteriores.
Resultados
A revisão incluiu 4 ensaios clínicos randomizados (2016–2023), conduzidos em China, Alemanha, Reino Unido e Turquia, totalizando 491 pacientes adultos com delirium em UTI.
Os principais achados foram:
Duração do delirium:
- Redução média de 1,07 dias (IC95% −1,75 a −0,39).
- No grupo controle, a duração média foi de 3,1 dias.
- Isso corresponde a uma redução relativa de 34% no tempo com delirium.
Tempo de permanência em UTI:
- Redução média de 2,24 dias (IC95% −3,63 a −0,85).
- No grupo controle, a média foi de 10,27 dias.
- Representa 22% de redução na permanência na UTI.
Eventos adversos:
- Em dois estudos (90 pacientes), nenhum evento adverso foi relatado em ambos os grupos.
Mortalidade em UTI:
- Avaliada em dois estudos (30 pacientes).
- Houve tendência de redução (RR 0,37), mas sem significância estatística (IC95% 0,05–2,95).
Qualidade de vida, cognição e gravidade do delirium
- Nenhum estudo avaliou esses desfechos.
A revisão Cochrane de 2025 mostra resultados consistentes em favor da mobilização precoce e da terapia com exercícios para pacientes críticos com delirium. Ainda que a evidência seja classificada como de baixa a moderada certeza, o efeito observado é clinicamente relevante.
A redução de um dia na duração do delirium pode parecer modesta em números absolutos, mas deve ser interpretada dentro do contexto da evolução clínica desses pacientes. Um quadro de delirium mais curto pode significar menor exposição a riscos secundários, como uso de contenção, quedas, auto extubações, além de possível impacto indireto em complicações infecciosas.
Já a diminuição média de dois dias na permanência em UTI tem enorme repercussão prática e com grande benefício para o paciente.
Outro aspecto relevante é a segurança da intervenção. O fato de não terem sido relatados eventos adversos reforça que a mobilização precoce pode ser implementada sem comprometer a estabilidade clínica dos pacientes. Isso contrasta com o perfil de risco de abordagens farmacológicas, frequentemente associadas a efeitos colaterais cardiovasculares e neurológicos.
Entretanto, a revisão também evidencia importantes limitações:
- O número de pacientes incluídos foi reduzido, especialmente para alguns desfechos como mortalidade.
- Houve alto risco de viés em parte dos estudos, sobretudo devido a dificuldades inerentes de cegar intervenções de fisioterapia e mobilização. Além disso, avaliou os pacientes em contexto heterogêneo e com diferenças de clínica, motivo da internação e evolução da doença, corroborando essa limitação.
- Não há dados sobre desfechos de longo prazo, como função cognitiva e qualidade de vida após a alta.
- Nenhum estudo comparou diretamente a terapia com exercícios a tratamentos farmacológicos.
Essas lacunas fazem com que os autores concluam que a mobilização precoce pode reduzir a duração do delirium e o tempo de internação em UTI, mas são necessários novos estudos, com amostras maiores e homogêneas e avaliação de desfechos em longo prazo, para consolidar essa prática.
Resumo do tema:
- O delirium acomete até 74% dos pacientes críticos em UTI.
- A fisiopatologia envolve neuroinflamação, desequilíbrios de neurotransmissores e alterações em redes neurais.
- O diagnóstico requer aplicação seriada de escalas validadas (CAM-ICU e ICDSC).
- A terapia com exercícios inclui mobilidade no leito, cicloergômetro, sedestação, ortostatismo e deambulação assistida.
- Resultados da revisão Cochrane 2025 (491 pacientes):
- Redução de 34% na duração do delirium (−1,07 dias).
- Redução de 22% no tempo em UTI (−2,24 dias).
- Nenhum evento adverso relatado.
- Mortalidade sem diferença significativa.
A evidência sugere benefício clínico relevante e segurança da intervenção, embora com necessidade de estudos adicionais para confirmação, visto limitações metodológicas e de desfecho apresentadas.
Autoria

Lavínia Barcellos
Graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora • Residente em Clínica Médica no Hospital Central da Polícia Militar do Rio de Janeiro.
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