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Terapia Intensiva24 setembro 2024

RCT: Quetiapina x Haloperidol no delirium hiperativo

O delirium é uma disfunção neurológica aguda comum em pacientes criticamente enfermos, especialmente em unidades de terapia intensiva (UTI).

O delirium é uma disfunção neurológica aguda comum em pacientes criticamente enfermos, especialmente em unidades de terapia intensiva (UTI), com prevalência variando de 20% a 80% entre aqueles submetidos à ventilação mecânica.  

O delirium hiperativo, marcado por agitação psicomotora e inquietação, é um dos subtipos menos comuns, mas traz impactos sobre a mortalidade, prolongamento do tempo de internação e deterioração cognitiva.  

Antipsicóticos, como o haloperidol, são frequentemente utilizados no manejo do delirium. No entanto, associam-se a eventos adversos graves, como prolongamento do intervalo QT e sintomas extrapiramidais, o que motiva a busca por alternativas mais seguras. A quetiapina, um antipsicótico atípico, desponta como uma opção com menor propensão aos eventos adversos. 

Veja também: Síndrome de abstinência e delirium em UTIP

O ensaio clínico randomizado (RCT) “Quetiapine Versus Haloperidol in the Management of Hyperactive Delirium” publicado em 2024 no Neurocritical Care, se propôs a comparar a eficácia e a segurança da quetiapina com o haloperidol em pacientes críticos. 

Foram analisados 100 pacientes de UTI diagnosticados com delirium hiperativo e divididos em dois grupos:  

  • Grupo quetiapina (50 mg de 12/12 horas); 
  • Grupo haloperidol (2 mg de 8/8 horas). 

Ambos os grupos receberam as medicações por via oral ou por sonda nasogástrica. A avaliação dos desfechos foi realizada no 7º dia de tratamento, com monitoramento dos sintomas de delirium usando a Delirium Rating Scale-Revised-98 (DRS), tempo de sono e eventos adversos. 

Tabela 1. Resumo da Delirium Rating Scale-Revised-98 

 

Sintoma 

0 

1 

2 

3 

Distúrbio do sono (observação externa) 

Ausente 

Distúrbio leve pela noite com fadiga durante o dia 

Distúrbio moderado que afeta cognição   

Distúbio grave 

Distorção perceptiva e alucinações 

(observação externa) 

Ausente 

Distúrbios moderados como despersonalização 

Ilusões 

Alucinações 

Delírios 

Ausente 

Hipervigilância 

Ideações 

Delírios 

Labilidade afetiva 

 

Ausente 

Afetos levemente alterados com oscilações de horas 

Afetos alterados com oscilações de minutos 

Desinibição de emoções 

Linguagem 

Normal 

Dificuldade leve, principalmente nomeação e fluência 

Moderada, com dificuldade de compreensão e contexto 

Grave, pode ter quadro de mutismo e palavras sem sentido 

Pensamento 

(pode-se utilizar fala ou escrita) 

Normal 

Tangencial ou circunstancial 

Diminuição de associações, mas compreensível 

Sem associações e compreensão 

Agitação motora 

Ausente 

Leve 

Moderada, compromete extremidades 

Grave com necessidade de restrição ao leito 

Lentificação motora 

Ausente 

Leve 

Moderada, interferindo em atividades e cuidados de saúde 

Grave, poucos movimentos espontâneos 

Orientação 

 Orientado 

Desorientação temporal 

Desorientação espacial e temporal 

Não reconhece pessoas 

Atenção 

Alerta 

Leve distração ou dificuldade de sustentar atenção, capaz de retomar o foco 

Moderado disfunção do foco e de manutenção.  

Grave desatenção e manutenção do foco, respostas incompletas e distração com ambiente 

Memória de curto prazo 

(utilizar questionário) 

Preservada 

Lembra 2 / 3 itens 

Lembra 1 / 3 itens 

Sem lembranças 

Memória de longo prazo 

(utilizar questionário) 

Preservada Lembra 2 / 3 itens ou tem pequena dificuldade de lembrar informações distantes Lembra 1 / 3 itens ou tem moderada dificuldade de lembrar informações distantes 

 

Sem lembranças ou tem grande dificuldade de lembrar informações distantes 

 

Orientação espacial 

(utilizar desenhos, quebra cabeça, mapas) 

Preservada Pequena desorientação Moderada desorientação (ex: fica perdido) Grande desorientação 

 Referência: Trzepacz PT, et al. Validation of the Delirium Rating Scale – Revised-98: comparison with the delirium rating scale and the cognitive test for delirium. J Neuropsychiatry Clin Neurosci 2001; 13 (2): 229-42. 

Leia mais: Delirium: quadro clínico e principais diagnósticos diferenciais

delirium

Gravidade do Delirium 

No 7º dia de tratamento, o grupo tratado com quetiapina apresentou uma redução significativa na gravidade do delirium em comparação ao grupo haloperidol. A pontuação mediana na escala DRS foi de 5 no grupo quetiapina e 9 no grupo haloperidol (p < 0,001). Aproximadamente 70% dos pacientes tratados com quetiapina apresentaram melhora significativa, enquanto 60% no grupo haloperidol demonstraram redução na pontuação do delirium. 

Tempo de Sono 

O tempo de sono foi um dos desfechos mais destacados no grupo quetiapina, com uma média de 6 horas de sono por noite ao final do estudo, em comparação com 3,5 horas no grupo haloperidol (p < 0,001). A quetiapina aumentou o tempo de sono em 71%, sugerindo uma melhora na qualidade de descanso dos pacientes, apesar do resultado nos 2 primeiros dias ter sido inferior ao do haloperidol. 

Duração da Internação 

A duração da internação na UTI foi menor no grupo quetiapina (10,1 ± 2,0 dias), em comparação ao grupo haloperidol (11,7 ± 2,6 dias), uma redução significativa de 13% (p = 0,018). Entretanto, em relação a duração total da internação, não houve diferença significativa entre os grupos. 

Efeitos Adversos 

A incidência de eventos adversos foi menor no grupo quetiapina. No grupo haloperidol, 10% dos pacientes apresentaram prolongamento do intervalo QT, em comparação a 6% no grupo quetiapina. Além disso, 8% dos pacientes tratados com haloperidol desenvolveram sintomas extrapiramidais, enquanto o grupo quetiapina não apresentou tais sintomas. A ocorrência geral de eventos adversos foi 12% menor no grupo tratado com quetiapina. 

Discussão  

Os achados indicam que a quetiapina pode ser uma opção terapêutica no tratamento do delirium hiperativo em pacientes críticos, devido à sua eficácia semelhante ao haloperidol, mas com um perfil de segurança superior.  

Os benefícios da quetiapina, como a redução da gravidade do delirium e o aumento do tempo de sono, associados a uma menor taxa de eventos adversos, reforçam sua utilização no ambiente de UTI. Além disso, a redução da duração da internação na UTI no grupo quetiapina é um dado importante que pode impactar na gestão de recursos hospitalares e na recuperação dos pacientes. 

Em relação a desfechos de mortalidade, o estudo não conseguiu observar redução significativa entre os dois grupos, podendo ser considerada ambas as medicações. 

Mensagens para Casa 

  • A quetiapina, um antipsicótico atípico, demonstrou-se uma opção mais eficaz na redução da gravidade do delirium e no aumento do tempo de sono em comparação ao haloperidol, sem trazer impactos sobre a mortalidade. 
  • O perfil de segurança da quetiapina foi superior, com menor incidência de eventos adversos, como prolongamento do intervalo QT e sintomas extrapiramidais. 
  • Ensaios clínicos adicionais são esperados, tendo em vista que a heterogeneidade da literatura impede uma conclusão definitiva dos benefícios e hierarquia dos antipsócitos no tratamento do delirium.  
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Referências bibliográficas

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