RCT: Quetiapina x Haloperidol no delirium hiperativo
O delirium é uma disfunção neurológica aguda comum em pacientes criticamente enfermos, especialmente em unidades de terapia intensiva (UTI), com prevalência variando de 20% a 80% entre aqueles submetidos à ventilação mecânica.
O delirium hiperativo, marcado por agitação psicomotora e inquietação, é um dos subtipos menos comuns, mas traz impactos sobre a mortalidade, prolongamento do tempo de internação e deterioração cognitiva.
Antipsicóticos, como o haloperidol, são frequentemente utilizados no manejo do delirium. No entanto, associam-se a eventos adversos graves, como prolongamento do intervalo QT e sintomas extrapiramidais, o que motiva a busca por alternativas mais seguras. A quetiapina, um antipsicótico atípico, desponta como uma opção com menor propensão aos eventos adversos.
Veja também: Síndrome de abstinência e delirium em UTIP
O ensaio clínico randomizado (RCT) “Quetiapine Versus Haloperidol in the Management of Hyperactive Delirium” publicado em 2024 no Neurocritical Care, se propôs a comparar a eficácia e a segurança da quetiapina com o haloperidol em pacientes críticos.
Foram analisados 100 pacientes de UTI diagnosticados com delirium hiperativo e divididos em dois grupos:
- Grupo quetiapina (50 mg de 12/12 horas);
- Grupo haloperidol (2 mg de 8/8 horas).
Ambos os grupos receberam as medicações por via oral ou por sonda nasogástrica. A avaliação dos desfechos foi realizada no 7º dia de tratamento, com monitoramento dos sintomas de delirium usando a Delirium Rating Scale-Revised-98 (DRS), tempo de sono e eventos adversos.
Tabela 1. Resumo da Delirium Rating Scale-Revised-98
Sintoma |
0 |
1 |
2 |
3 |
Distúrbio do sono (observação externa) |
Ausente |
Distúrbio leve pela noite com fadiga durante o dia |
Distúrbio moderado que afeta cognição |
Distúbio grave |
Distorção perceptiva e alucinações (observação externa) | Ausente |
Distúrbios moderados como despersonalização |
Ilusões |
Alucinações |
Delírios | Ausente |
Hipervigilância |
Ideações |
Delírios |
Labilidade afetiva
| Ausente |
Afetos levemente alterados com oscilações de horas |
Afetos alterados com oscilações de minutos |
Desinibição de emoções |
Linguagem | Normal |
Dificuldade leve, principalmente nomeação e fluência |
Moderada, com dificuldade de compreensão e contexto |
Grave, pode ter quadro de mutismo e palavras sem sentido |
Pensamento (pode-se utilizar fala ou escrita) | Normal |
Tangencial ou circunstancial |
Diminuição de associações, mas compreensível |
Sem associações e compreensão |
Agitação motora | Ausente |
Leve |
Moderada, compromete extremidades |
Grave com necessidade de restrição ao leito |
Lentificação motora | Ausente |
Leve |
Moderada, interferindo em atividades e cuidados de saúde |
Grave, poucos movimentos espontâneos |
Orientação | Orientado |
Desorientação temporal |
Desorientação espacial e temporal |
Não reconhece pessoas |
Atenção | Alerta |
Leve distração ou dificuldade de sustentar atenção, capaz de retomar o foco |
Moderado disfunção do foco e de manutenção. |
Grave desatenção e manutenção do foco, respostas incompletas e distração com ambiente |
Memória de curto prazo (utilizar questionário) | Preservada |
Lembra 2 / 3 itens |
Lembra 1 / 3 itens |
Sem lembranças |
Memória de longo prazo (utilizar questionário) | Preservada | Lembra 2 / 3 itens ou tem pequena dificuldade de lembrar informações distantes | Lembra 1 / 3 itens ou tem moderada dificuldade de lembrar informações distantes
| Sem lembranças ou tem grande dificuldade de lembrar informações distantes
|
Orientação espacial (utilizar desenhos, quebra cabeça, mapas) | Preservada | Pequena desorientação | Moderada desorientação (ex: fica perdido) | Grande desorientação |
Referência: Trzepacz PT, et al. Validation of the Delirium Rating Scale – Revised-98: comparison with the delirium rating scale and the cognitive test for delirium. J Neuropsychiatry Clin Neurosci 2001; 13 (2): 229-42.
Leia mais: Delirium: quadro clínico e principais diagnósticos diferenciais
Gravidade do Delirium
No 7º dia de tratamento, o grupo tratado com quetiapina apresentou uma redução significativa na gravidade do delirium em comparação ao grupo haloperidol. A pontuação mediana na escala DRS foi de 5 no grupo quetiapina e 9 no grupo haloperidol (p < 0,001). Aproximadamente 70% dos pacientes tratados com quetiapina apresentaram melhora significativa, enquanto 60% no grupo haloperidol demonstraram redução na pontuação do delirium.
Tempo de Sono
O tempo de sono foi um dos desfechos mais destacados no grupo quetiapina, com uma média de 6 horas de sono por noite ao final do estudo, em comparação com 3,5 horas no grupo haloperidol (p < 0,001). A quetiapina aumentou o tempo de sono em 71%, sugerindo uma melhora na qualidade de descanso dos pacientes, apesar do resultado nos 2 primeiros dias ter sido inferior ao do haloperidol.
Duração da Internação
A duração da internação na UTI foi menor no grupo quetiapina (10,1 ± 2,0 dias), em comparação ao grupo haloperidol (11,7 ± 2,6 dias), uma redução significativa de 13% (p = 0,018). Entretanto, em relação a duração total da internação, não houve diferença significativa entre os grupos.
Efeitos Adversos
A incidência de eventos adversos foi menor no grupo quetiapina. No grupo haloperidol, 10% dos pacientes apresentaram prolongamento do intervalo QT, em comparação a 6% no grupo quetiapina. Além disso, 8% dos pacientes tratados com haloperidol desenvolveram sintomas extrapiramidais, enquanto o grupo quetiapina não apresentou tais sintomas. A ocorrência geral de eventos adversos foi 12% menor no grupo tratado com quetiapina.
Discussão
Os achados indicam que a quetiapina pode ser uma opção terapêutica no tratamento do delirium hiperativo em pacientes críticos, devido à sua eficácia semelhante ao haloperidol, mas com um perfil de segurança superior.
Os benefícios da quetiapina, como a redução da gravidade do delirium e o aumento do tempo de sono, associados a uma menor taxa de eventos adversos, reforçam sua utilização no ambiente de UTI. Além disso, a redução da duração da internação na UTI no grupo quetiapina é um dado importante que pode impactar na gestão de recursos hospitalares e na recuperação dos pacientes.
Em relação a desfechos de mortalidade, o estudo não conseguiu observar redução significativa entre os dois grupos, podendo ser considerada ambas as medicações.
Mensagens para Casa
- A quetiapina, um antipsicótico atípico, demonstrou-se uma opção mais eficaz na redução da gravidade do delirium e no aumento do tempo de sono em comparação ao haloperidol, sem trazer impactos sobre a mortalidade.
- O perfil de segurança da quetiapina foi superior, com menor incidência de eventos adversos, como prolongamento do intervalo QT e sintomas extrapiramidais.
- Ensaios clínicos adicionais são esperados, tendo em vista que a heterogeneidade da literatura impede uma conclusão definitiva dos benefícios e hierarquia dos antipsócitos no tratamento do delirium.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.