Interrupção diária da sedação é benéfica para crianças submetidas à VMI?
Pacientes pediátricos graves submetidos à ventilação mecânica invasiva (VMI) necessitam, na imensa maioria das vezes, de medicamentos sedativos para aliviar a ansiedade, proporcionar conforto, permitir a realização de procedimentos invasivos e melhor sincronia com o ventilador, reduzir as demandas metabólicas e facilitar a neuroproteção. No entanto, os objetivos da sedação devem ser individualizados e titulados conforme as condições do paciente e a doença subjacente.
A partir do momento em que o paciente começa a receber medicamentos sedativos em infusão contínua, a titulação de doses para se atingir um nível adequado de sedação pode ser um grande desafio, especialmente no que diz respeito à prevenção de complicações não somente em curto período, mas também em longo prazo.
Uma abordagem muito interessante para reduzir a exposição excessiva à sedação e, consequentemente, seus desfechos adversos, é o uso da interrupção diária da sedação (IDS). Trata-se de uma estratégia de suspensão temporária da sedação, em contraste com a administração contínua. Ensaios clínicos randomizados (ECR) sobre o tema têm, como base, a população de pacientes adultos. Dessa forma, pouco se sabe sobre a eficácia da IDS em crianças e adolescentes com relação à duração da VM, ao desmame dos fármacos sedativos e à incidência de eventos adversos, como extubação acidental.
Diante destes dados, vem a seguinte pergunta: A IDS traz algum tipo de benefício sobre a sedação intravenosa (IV) em infusão contínua em pacientes pediátricos submetidos à VMI em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP)? Uma revisão sistemática com metanálise foi publicada justamente para tentar responder a esta questão.
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Metodologia
Shu Wen Toh e colaboradores conduziram uma busca sistemática por estudos usando palavras-chave predefinidas e Medical Subject Headings em cinco grandes bancos de dados, considerando artigos publicados até 31 de outubro de 2023.
Critérios de inclusão:
- Idade inferior a 18 anos;
- Necessidade de sedação para VMI na UTIP;
- Relato de, pelo menos, 1 dos desfechos primários de duração da VM e/ou tempo de internação na UTIP;
- Revisões sistemáticas, ECR, estudos observacionais (tanto prospectivos quanto retrospectivos) e estudos com uma subpopulação cujo subconjunto de dados pudesse ser extraído;
- Estudos de bancos de dados prospectivos, análises post hoc de ECR ou estudos com um braço prospectivo ou retrospectivo.
Critérios de exclusão:
- Estudos sem um desenho claro;
- Estudos conduzidos exclusivamente em UTI neonatal, UTI de pacientes adultos ou com pacientes que receberam anestesia cirúrgica;
- Resumos de conferências ou revisões narrativas;
- Estudos envolvendo pacientes não ventilados que necessitassem de sedação na UTIP.
Resultados
Na análise final, foram incluídos seis ECR, totalizando 2.810 pacientes pediátricos com média de idade de 26,5 meses (intervalo de confiança de 95% [IC 95%] 15,0-37,9), com os meninos representando 55,8% da amostra (1569 no total). A pontuação média do Pediatric Risk of Mortality (PRISM) foi de 13,68 (IC 95%, 10,75-16,61).
No tocante à comparação entre a IDS e o uso IV contínuo, os pesquisadores observaram que a IDS foi associada a uma diminuição no tempo total de internação na UTIP em cinco estudos (n = 2.770; diferença média [DM], −1,45 [IC 95%, −2,75 a −0,15] dias; P = 0,03).
Não foram observadas diferenças quanto a:
- Duração da VMI: estudos, n = 2.750; DM, −0,93 [IC 95%, −1,89 a 0,04] dias; P = 0,06;
- Doses totais de midazolam: 3 estudos, n = 191; DM, −1,66 [IC 95%, −3,95 a 0,63] mg/kg;
- Doses totais de morfina: 2 estudos, n = 189; DM, −2,63 [IC 95%, −7,01 a 1,75] mg/kg; ou
- Eventos adversos: razão de risco [RR], 1,03 [IC 95%, 0,74-1,42]; P = 0,88;
- Mortalidade entre pacientes expostos ou não à IDS: RR, 0,89 [IC 95%, 0,55-1,46]; P = 0,65.
Resumindo: A IDS foi associada à redução do tempo de internação na UTIP. No entanto, não foram observadas diferenças em relação à sedação IV contínua no que concerne ao tempo de VMI, à dosagem total de sedativos e a eventos adversos.
Conclusão
Os resultados sintetizados acima demonstraram que a IDS foi associada à redução do tempo de internação em UTIP, mas sem aumento de eventos adversos. Contudo, há necessidade de mais pesquisas sobre a temática para checar se esta abordagem tem associação a melhores desfechos de neurodesenvolvimento em longo prazo de pacientes pediátricos após a alta hospitalar.
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Comentário: interrupção diária da sedação (IDS)
Vejo a IDS como, de fato, uma prática promissora em UTIP, considerando sua proposta que é justamente minimizar a exposição excessiva à sedação em infusão contínua e seus potenciais efeitos adversos. Por outro lado, o paciente pediátrico, especialmente quando lactente jovem, está em uma fase de franco desenvolvimento cerebral e sabemos o quanto a sedação prolongada e em altas doses pode culminar em neurotoxicidade, afetando potencialmente o desenvolvimento cognitivo, comportamental e emocional em longo prazo, mesmo após a alta hospitalar da criança. Portanto, considero que realmente são necessárias pesquisas focadas na eficácia e segurança da IDS em crianças para melhor compreensão do equilíbrio entre a necessidade de sedação adequada com a proteção neurológica, garantindo que intervenções em UTIP permitam uma reabilitação menos desgastante e que culminem na sobrevivência com melhor qualidade de vida.
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