A extubação paliativa é uma decisão complexa que envolve a retirada planejada e ética do suporte ventilatório invasivo em pacientes com doença irreversível e sem possibilidade de recuperação, com o objetivo exclusivo de proporcionar conforto e dignidade no processo de morrer. Mais do que uma conduta clínica, trata-se de um marco na assistência em cuidados paliativos.
Com o crescimento das práticas paliativas e a implementação de políticas institucionais voltadas à limitação de medidas desproporcionais, a extubação paliativa vem sendo cada vez mais estudada, regulamentada e, acima de tudo, aplicada com rigor técnico e empatia ética.
A dependência ventilatória em doenças avançadas
Em pacientes com doenças avançadas ou terminais (como neoplasias metastáticas, doenças neurodegenerativas ou falência multiorgânica), a dependência do suporte ventilatório não é resultado apenas de falência respiratória aguda, mas de um estado sistêmico de falência fisiológica.
A ventilação mecânica (VM) nestes contextos:
- Não promove reversão da doença de base;
- Prolonga artificialmente o tempo de morte biológica;
- Pode aumentar o sofrimento.
Nos pacientes com limitação de suporte, a ventilação invasiva pode ser uma transgressão ao princípio da não maleficência. A extubação paliativa se apresenta, então, como uma decisão terapêutica que alinha assistência com valores, dignidade e qualidade de morte.
Quando indicar?
A indicação deve ser compartilhada e fundamentada em:
- Irreversibilidade clínica;
- Decisão da equipe médica de que o suporte ventilatório não traz benefício clínico significativo;
- Consentimento informado da família ou representantes legais e/ou desejo expresso do paciente (testamento vital, diretiva antecipada de vontade [DAV]);
- Presença de sofrimento físico e/ou emocional refratário associado à intubação.
Segundo a Diretriz Brasileira de Limitação Terapêutica da Associação de Medicina Intensiva Brasileira – AMIB (2023), a extubação paliativa deve ser considerada em todo paciente sob ventilação mecânica com prognóstico de morte iminente e ausência de benefícios proporcionais à manutenção da VM.
Protocolo clínico para extubação paliativa
O tratamento deve ser voltado exclusivamente para controle de sintomas, com destaque para dispneia, dor, ansiedade, secreções respiratórias e delirium. O protocolo clínico varia conforme a estabilidade hemodinâmica do paciente, mas a abordagem farmacológica é o pilar.
Etapas:
- Revisão do plano terapêutico com a equipe multidisciplinar e família;
- Suspensão de intervenções desproporcionais (inotrópicos, antibióticos, nutrição parenteral);
- Início do controle sintomático 30-60 minutos antes da extubação;
- Posicionamento adequado, com a presença da família se desejado;
- Extubação em ambiente controlado, com monitoramento apenas de conforto (sem monitorização hemodinâmica contínua).
Em 75% dos protocolos revisados, o uso de sedação proporcional é indicado antes da extubação, especialmente quando há dispneia refratária ou sinais de desconforto respiratório.
Passo a passo para realizar a extubação paliativa
- Definição e validação da indicação:
- Confirmar que o paciente apresenta doença irreversível e em fase final de vida, sem expectativa de reversão do quadro clínico.
- Garantir que a decisão de retirada da ventilação esteja alinhada com os princípios da bioética médica (autonomia, beneficência, não maleficência, justiça).
- Revisar se há documentação de DAV ou se a família consente, com termo documentado.
- Envolver a equipe de cuidados paliativos e/ou comitê de ética hospitalar, quando necessário.
- Comunicação com a família
- Conduzir reunião presencial com familiares e equipe multidisciplinar.
- Utilizar linguagem clara, sem termos técnicos, explicando:
- Que o objetivo é evitar sofrimento;
- Que não se trata de “acelerar a morte”, mas de permitir um processo de conforto no momento final de vida do paciente;
- Que a morte pode ocorrer minutos ou horas após a extubação;
- Que a equipe permanecerá presente todo o tempo.
- Solicitar autorização formal e registrar no prontuário.
- Planejamento e preparo da equipe
- Definir horário ideal (em geral, manhã ou tarde, com equipe disponível e sem urgências no setor).
- Organizar o ambiente:
- Retirar monitores cardíacos e alarmes sonoros;
- Garantir iluminação confortável e ambiente silencioso;
- Permitir a entrada de familiares ou acompanhantes, se desejado.
- Designar as funções específicas.
- Controle de sintomas pré-extubação (30-60 minutos antes do processo)
Iniciar analgesia e sedação proporcional antes de remover o tubo orotraqueal:
- Opioide:
- Morfina: 2-5 mg EV ou SC a cada 2h (ou infusão contínua de 1-5 mg/h);
- Fentanil: 25-50 mcg EV a cada 30 min (ou infusão de 25-100 mcg/h).
- Benzodiazepínico:
- Midazolam: 1–2 mg EV a cada 15-30 min ou infusão contínua (0,5-2 mg/h).
- Antissecretores (se secreção ruidosa):
- Escopolamina: 0,4 mg EV a cada 6h;
- Glicopirrolato: 0,1-0,2 mg SC a cada 6h.
- Antipsicóticos:
- Haloperidol: 0,5-1 mg EV a cada 6-8h.
- Extubação propriamente dita
Após 30 a 60 minutos de sedação eficaz:
- Remover o curativo e o fixador do tubo orotraqueal com cuidado;
- Aspirar secreções da orofaringe apenas se houver desconforto visível;
- Posicionar o paciente com a cabeceira elevada a 30°-45°;
- Desinsuflar o cuff do tubo endotraqueal;
- Retirar o tubo com suavidade e respeitando o ritmo da respiração do paciente.
- Cuidados pós-extubação
- Avaliar sinais de desconforto:
- Respiração agitada;
- Gemidos, expressões faciais de dor ou agonia;
- Secreção abundante com ruído;
- Agitação ou sudorese.
- Intervir de forma proporcional e contínua com analgesia/sedação.
- Permitir que familiares permaneçam ao lado do paciente e orientá-los sobre o que esperar nos próximos minutos/hora.
- O foco deve ser exclusivamente no conforto.
Diversos estudos recentes vêm reforçando a segurança, eficácia e humanização da extubação paliativa em pacientes críticos. Três grandes publicações internacionais se destacam nesse contexto. O estudo multicêntrico europeu de Mitchell et al. (2024) evidenciou que a maioria dos pacientes faleceu em menos de uma hora após a extubação (57%), com excelente controle sintomático (93%) e alta satisfação familiar (89%). Já a coorte canadense de Benziger et al. (2023) destacou o amplo uso de morfina (84%) e sedação com midazolam (66%), com 92% das famílias relatando comunicação excelente e eventos adversos graves em menos de 4% dos casos. Por fim, a revisão sistemática de Zier et al. (2022), envolvendo 1.457 pacientes, demonstrou mortalidade de 85% em até 24h, conforto eficaz em 91% e reintubação praticamente inexistente (< 1%). Esses dados reforçam a viabilidade e dignidade do processo de extubação paliativa quando bem conduzido.
Nessa análise da literatura mais recente, podemos concluir que há um relato de mortalidade em até 24h (85-90% dos pacientes), o uso de morfina para conforto se dá na maior parte dos casos (80-90%) e apenas um pequeno percentual de menos de 4% tem efeitos adversos significativos relacionados ao processo.
Mensagens finais
- A extubação paliativa é uma conduta ética, legal e centrada no conforto.
- Estudos recentes demonstram alta eficácia no controle de sintomas e aprovação familiar.
- A mortalidade em 24h após extubação chega a 85–90%, reforçando a indicação em contextos de terminalidade.
- Protocolos bem definidos devem iniciar antes da extubação.
- Comunicação clara, empática e transparente é essencial para o alinhamento de expectativas com a família.
- Diretrizes como a da AMIB (2023) fortalecem a segurança jurídica e técnica da prática.
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