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Terapia Intensiva28 junho 2025

Extubação paliativa: qual é o momento de decidir? 

A extubação paliativa vem sendo cada vez mais estudada, regulamentada e, acima de tudo, aplicada com rigor técnico e empatia ética.   

A extubação paliativa é uma decisão complexa que envolve a retirada planejada e ética do suporte ventilatório invasivo em pacientes com doença irreversível e sem possibilidade de recuperação, com o objetivo exclusivo de proporcionar conforto e dignidade no processo de morrer. Mais do que uma conduta clínica, trata-se de um marco na assistência em cuidados paliativos.  

Com o crescimento das práticas paliativas e a implementação de políticas institucionais voltadas à limitação de medidas desproporcionais, a extubação paliativa vem sendo cada vez mais estudada, regulamentada e, acima de tudo, aplicada com rigor técnico e empatia ética  

A dependência ventilatória em doenças avançadas 

Em pacientes com doenças avançadas ou terminais (como neoplasias metastáticas, doenças neurodegenerativas ou falência multiorgânica), a dependência do suporte ventilatório não é resultado apenas de falência respiratória aguda, mas de um estado sistêmico de falência fisiológica.  

A ventilação mecânica (VM) nestes contextos:  

  • Não promove reversão da doença de base; 
  • Prolonga artificialmente o tempo de morte biológica; 
  • Pode aumentar o sofrimento.

Nos pacientes com limitação de suporte, a ventilação invasiva pode ser uma transgressão ao princípio da não maleficência. A extubação paliativa se apresenta, então, como uma decisão terapêutica que alinha assistência com valores, dignidade e qualidade de morte. 

Quando indicar?

A indicação deve ser compartilhada e fundamentada em:  

  1. Irreversibilidade clínica;
  2. Decisão da equipe médica de que o suporte ventilatório não traz benefício clínico significativo;
  3. Consentimento informado da família ou representantes legais e/ou desejo expresso do paciente (testamento vital, diretiva antecipada de vontade [DAV]);
  4. Presença de sofrimento físico e/ou emocional refratário associado à intubação.

Segundo a Diretriz Brasileira de Limitação Terapêutica da Associação de Medicina Intensiva Brasileira – AMIB (2023), a extubação paliativa deve ser considerada em todo paciente sob ventilação mecânica com prognóstico de morte iminente e ausência de benefícios proporcionais à manutenção da VM. 

Protocolo clínico para extubação paliativa 

O tratamento deve ser voltado exclusivamente para controle de sintomas, com destaque para dispneia, dor, ansiedade, secreções respiratórias e delirium. O protocolo clínico varia conforme a estabilidade hemodinâmica do paciente, mas a abordagem farmacológica é o pilar.  

Etapas:  

  1. Revisão do plano terapêutico com a equipe multidisciplinar e família;
  2. Suspensão de intervenções desproporcionais (inotrópicos, antibióticos, nutrição parenteral);
  3. Início do controle sintomático 30-60 minutos antes da extubação;
  4. Posicionamento adequado, com a presença da família se desejado;
  5. Extubação em ambiente controlado, com monitoramento apenas de conforto (sem monitorização hemodinâmica contínua).             

Em 75% dos protocolos revisados, o uso de sedação proporcional é indicado antes da extubação, especialmente quando há dispneia refratária ou sinais de desconforto respiratório. 

Extubação paliativa: qual é o momento de decidir? 

Passo a passo para realizar a extubação paliativa

  1. Definição e validação da indicação: 
  • Confirmar que o paciente apresenta doença irreversível e em fase final de vida, sem expectativa de reversão do quadro clínico. 
  • Garantir que a decisão de retirada da ventilação esteja alinhada com os princípios da bioética médica (autonomia, beneficência, não maleficência, justiça). 
  • Revisar se há documentação de DAV ou se a família consente, com termo documentado. 
  • Envolver a equipe de cuidados paliativos e/ou comitê de ética hospitalar, quando necessário.
  1. Comunicação com a família 
  • Conduzir reunião presencial com familiares e equipe multidisciplinar. 
  • Utilizar linguagem clara, sem termos técnicos, explicando: 
    • Que o objetivo é evitar sofrimento; 
    • Que não se trata de “acelerar a morte”, mas de permitir um processo de conforto no momento final de vida do paciente; 
    • Que a morte pode ocorrer minutos ou horas após a extubação; 
    • Que a equipe permanecerá presente todo o tempo. 
  • Solicitar autorização formal e registrar no prontuário.
  1. Planejamento e preparo da equipe 
  • Definir horário ideal (em geral, manhã ou tarde, com equipe disponível e sem urgências no setor). 
  • Organizar o ambiente: 
    • Retirar monitores cardíacos e alarmes sonoros; 
    • Garantir iluminação confortável e ambiente silencioso; 
    • Permitir a entrada de familiares ou acompanhantes, se desejado. 
  • Designar as funções específicas.
  1. Controle de sintomas pré-extubação (30-60 minutos antes do processo) 

Iniciar analgesia e sedação proporcional antes de remover o tubo orotraqueal: 

  • Opioide: 
    •  Morfina: 2-5 mg EV ou SC a cada 2h (ou infusão contínua de 1-5 mg/h); 
    •  Fentanil: 25-50 mcg EV a cada 30 min (ou infusão de 25-100 mcg/h).
  • Benzodiazepínico:
    • Midazolam: 1–2 mg EV a cada 15-30 min ou infusão contínua (0,5-2 mg/h). 
  • Antissecretores (se secreção ruidosa):
    • Escopolamina: 0,4 mg EV a cada 6h;
    • Glicopirrolato: 0,1-0,2 mg SC a cada 6h. 
  • Antipsicóticos:
    • Haloperidol: 0,5-1 mg EV a cada 6-8h.
  1. Extubação propriamente dita 

Após 30 a 60 minutos de sedação eficaz:  

  • Remover o curativo e o fixador do tubo orotraqueal com cuidado; 
  • Aspirar secreções da orofaringe apenas se houver desconforto visível; 
  • Posicionar o paciente com a cabeceira elevada a 30°-45°; 
  • Desinsuflar o cuff do tubo endotraqueal; 
  • Retirar o tubo com suavidade e respeitando o ritmo da respiração do paciente. 
  1. Cuidados pós-extubação 
  • Avaliar sinais de desconforto: 
    • Respiração agitada; 
    • Gemidos, expressões faciais de dor ou agonia; 
    • Secreção abundante com ruído; 
    • Agitação ou sudorese.
  • Intervir de forma proporcional e contínua com analgesia/sedação.
  • Permitir que familiares permaneçam ao lado do paciente e orientá-los sobre o que esperar nos próximos minutos/hora.
  • O foco deve ser exclusivamente no conforto.

Diversos estudos recentes vêm reforçando a segurança, eficácia e humanização da extubação paliativa em pacientes críticos. Três grandes publicações internacionais se destacam nesse contexto. O estudo multicêntrico europeu de Mitchell et al. (2024) evidenciou que a maioria dos pacientes faleceu em menos de uma hora após a extubação (57%), com excelente controle sintomático (93%) e alta satisfação familiar (89%). Já a coorte canadense de Benziger et al. (2023) destacou o amplo uso de morfina (84%) e sedação com midazolam (66%), com 92% das famílias relatando comunicação excelente e eventos adversos graves em menos de 4% dos casos. Por fim, a revisão sistemática de Zier et al. (2022), envolvendo 1.457 pacientes, demonstrou mortalidade de 85% em até 24h, conforto eficaz em 91% e reintubação praticamente inexistente (< 1%). Esses dados reforçam a viabilidade e dignidade do processo de extubação paliativa quando bem conduzido.  

Nessa análise da literatura mais recente, podemos concluir que há um relato de mortalidade em até 24h (85-90% dos pacientes), o uso de morfina para conforto se dá na maior parte dos casos (80-90%) e apenas um pequeno percentual de menos de 4% tem efeitos adversos significativos relacionados ao processo. 

Mensagens finais 

  • A extubação paliativa é uma conduta ética, legal e centrada no conforto. 
  • Estudos recentes demonstram alta eficácia no controle de sintomas e aprovação familiar. 
  • A mortalidade em 24h após extubação chega a 85–90%, reforçando a indicação em contextos de terminalidade. 
  • Protocolos bem definidos devem iniciar antes da extubação. 
  • Comunicação clara, empática e transparente é essencial para o alinhamento de expectativas com a família. 
  • Diretrizes como a da AMIB (2023) fortalecem a segurança jurídica e técnica da prática.

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Referências bibliográficas

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