A intubação traqueal é talvez o procedimento mais crítico nas UTIs e apresenta riscos consideráveis. Complicações como instabilidade hemodinâmica, hipoxemia e parada cardiorrespiratória são comuns no período peri-intubação e estão ligadas a maior mortalidade. Pacientes críticos frequentemente possuem uma via aérea “fisiologicamente difícil”, onde instabilidade aguda, oxigenação comprometida e distúrbios metabólicos aumentam o risco de eventos adversos peri-intubação, mesmo sem dificuldades anatômicas. Um estudo internacional revelou que mais de 40% das intubações de emergência resultam em algum evento adverso grave, apesar de uma alta taxa de sucesso na primeira tentativa (quase 80%). É possível que fatores de risco anatômicos, funcionais e de própria habilidade do médico que faz o procedimento influenciem o sucesso do procedimento.
Neste estudo, os autores procuraram as causas potenciais de complicações no manejo da via aérea para melhorar os resultados em pacientes críticos submetidos a intubação de emergência.
Saiba mais: Critério HEAVEN para intubação traqueal
Objetivos e Metodologia:
É um estudo multicêntrico, envolvendo 18 hospitais nos setores de emergência, realizado de forma prospectiva, inteiramente realizado no Brasil.
Todos os pacientes submetidos a intubações traqueais de emergência foram incluídos, exceto em momentos de parada cardiorrespiratória e ocasiões eletivas para procedimentos que não eram urgentes. Todas as características do procedimento, como preparo, material usado e método aplicado, além do período logo após a intubação, foram analisadas.
O desfecho principal foi a mortalidade em 28 dias após a intubação, ou alta/óbito em menos tempo. A observação de eventos adversos mais graves também foi de interesse:
- Hipoxemia grave (saturação de oxigênio < 80%)
- Instabilidade hemodinâmica nova (pressão arterial sistólica < 65 mmHg, prescrição nova ou aumento na dose de vasopressor ou administração de líquido/volume > 15 mL/ kg para manter pressão arterial normal)
- Parada cardiorrespiratória
Secundariamente, tentativas sucessivas, hipotensão persistente e intubação esofageana também foram relatados.
Os autores fizeram análises com modelos sem ajustes, e depois considerando alterações fisiológicas e também características do procedimento (como número de tentativas, via aérea difícil e uso de medicações sedativas e bloqueadores neuromusculares).
Resultados:
No período de 2 anos de inclusão, 3618 pacientes foram avaliados e 2846 foram incluídos. Identificou-se 919 eventos adversos graves (praticamente um terço – 32%). Os eventos mais comuns foram: instabilidade hemodinâmica (n=569), seguida de hipoxemia (n=356), parada cardiorrespiratória (n=100). Destes 100 pacientes, 73 retornaram à circulação espontânea, portanto 27 faleceram neste momento. A razão mais comum para intubação com evento adverso grave foi insuficiência respiratória aguda, sendo mais comum em pacientes intubados sem eventos.
A intubação com sucesso na primeira tentativa ocorreu em 74% dos pacientes. A laringoscopia direta (tradicional) foi realizada em 80% dos pacientes. Intubação difícil (mais de 3 tentativas) ocorreu em 7%; a visualização da traqueia (classificação de Cormark) 3 ou 4 ocorreu em cerca de 6% dos pacientes. As medicações mais usadas foram: fentanil como pré-medicação, e sedação com etomidato, seguida de quetamina. Anestesiologistas tiveram sucesso em quase 100% das tentativas, enquanto residentes só conseguiram na primeira tentativa em ~40% das vezes. Hipotensão ocorreu em 12% dos pacientes e intubação esofágica em 3%.
A mortalidade em 28 dias foi 45%; e foi maior na presença de evento adverso (57%). O hazard ratio, ou seja, o risco associado de mortalidade com o tempo de 28 dias, foi de 1,43. Este risco foi bem maior com parada cardíaca (2,5), seguido de hipoxemia (1,4) e hipotensão (1,3). A associação de hipoxemia mais instabilidade hemodinâmica praticamente dobrou o risco de morte.
O sucesso na primeira tentativa se associa com menos eventos adversos (metade do risco). A cada tentativa, ocorre hipoxemia na razão de 2,5 vezes a mais. Capnografia só foi usada em 20% dos pacientes, o que pode ser considerada uma taxa reduzida de confirmação da intubação. Fatores de risco para eventos foram: maior idade, choque, escore SOFA maior, saturação de oxigênio menor antes do procedimento e insuficiência respiratória aguda. Fazer checklist para o procedimento se associou a menor taxa de eventos. Usar o bougie (instrumento facilitador de acesso à laringe) se associou ao sucesso na primeira tentativa (razão de chances 1,57). O interessante foi que pacientes que usaram etomidato tiveram menor taxa de eventos que quetamina (25% vs. 30%), mas isto não se manteve nas análises multivariadas, implicando que outros fatores podem ter agido na escolha de um ou outro agente sedativo.
Mensagens para o dia a dia:
- 1 em cada 3 pacientes intubados na emergência apresenta evento adverso grave, e tem maior risco de morte até 28 dias no hospital;
- Fatores como sucesso na primeira tentativa, processo cuidadoso (checklist, escolha de sedativo e uso de acessórios para guiar), a presença de insuficiência respiratória e a anatomia do paciente são decisivos no desfecho da intubação traqueal.
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