A dispneia é uma experiência comum e angustiante em pacientes críticos submetidos à ventilação mecânica invasiva (VMI). Estudos recentes indicam que a prevalência de dispneia nesses pacientes pode chegar a 50%, com intensidade média de 50% em uma escala visual analógica de 0 a 100%. Essa condição frequentemente passa despercebida ou subtratada, aumentando o sofrimento dos pacientes e impactando negativamente os desfechos clínicos. A subestimação pode ser atribuída à dificuldade de comunicação dos pacientes intubados e à falta de ferramentas padronizadas para avaliação da dispneia. Dessa forma, compreender sua fisiopatologia, os desafios diagnósticos e as estratégias terapêuticas é essencial para melhorar o manejo e a recuperação desses indivíduos.
Esse sintoma resulta de um desequilíbrio entre a demanda respiratória e a capacidade do sistema respiratório. O desbalanço pode ser ocasionado por:
- Aumento do drive respiratório (demanda):
– Hipercapnia (retenção de CO₂)
– Hipoxemia (baixa oxigenação)
– Acidose metabólica
– Febre, anemia ou dor
– Fatores emocionais, como ansiedade e medo
- Redução da capacidade do sistema respiratório (suprimento):
– Fraqueza muscular respiratória (atrofia diafragmática induzida pelo ventilador)
– Doenças pulmonares pré-existentes
– Disfunção cardíaca e circulatória
– Configurações inadequadas do ventilador
- Aumento da carga respiratória (impedância):
– Resistência aumentada das vias aéreas (broncoespasmo, secreções, edema)
– Redução da complacência pulmonar (edema pulmonar, atelectasia, obesidade)
– Desajustes no suporte ventilatório (pressão de suporte inadequada, fluxo inspiratório insuficiente)
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Embora a ventilação mecânica seja projetada para aliviar a carga respiratória, configurações inadequadas podem induzir ou piorar a dispneia. Existe uma relação em forma de “U”, onde tanto a assistência ventilatória excessiva quanto a insuficiente podem levar ao aumento da dispneia.
É importante lembrar que a dispneia também pode ser utilizada como prognóstico, como demonstrado em estudos, como por exemplo relação de taxas de reintubação e presença de dispneia dentro de duas horas após extubação. Além disso, dentre os pacientes dispneicos, é observado aumento de mortalidade em condições como infarto agudo do miocárdio e falha de resposta sintomática na ventilação mecânica não invasiva.
Fatores de Risco Associados à Dispneia
Dentre os principais fatores de risco para a dispneia em pacientes sob VMI, destacam-se:
– Ajustes inadequados do ventilador: Configurações inadequadas dos parâmetros ventilatórios podem levar ao desconforto respiratório significativo.
– Doenças pulmonares subjacentes: Condições como Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) e doenças neuromusculares afetam a capacidade ventilatória.
– Alterações psicológicas: Ansiedade, medo e experiências traumáticas anteriores podem intensificar a percepção da dispneia.
Consequências da Dispneia Não Tratada
A dispneia não controlada pode levar a várias complicações, como:
– Estresse psicológico severo: Pacientes que experimentam dispneia intensa durante a ventilação mecânica têm uma incidência três vezes maior de ansiedade em comparação com aqueles que não apresentam o sintoma.
– Prolongamento do desmame ventilatório: A dispneia está associada à falha no desmame ventilatório. Pacientes com dispneia moderada a severa podem apresentar taxas de falha de extubação superiores a 45%.
– Desenvolvimento de insuficiência respiratória persistente: A persistência da dispneia após a extubação está relacionada com a necessidade de reintubação em até 37% dos casos, além de aumento significativo na mortalidade hospitalar.
– Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT): Aproximadamente 29% dos pacientes que relatam dispneia intensa durante a VMI desenvolveram TEPT após a alta hospitalar, em comparação com 13% daqueles sem sintomas significativos de dispneia.
Avaliação Diagnóstica da Dispneia
A partir da avaliação com múltiplas ferramentas, podemos não somente tratar a dispneia, mas também diminuir os desfechos desfavoráveis relacionados à essa condição. Assim, podem ser utilizadas escalas subjetivas e dados clínicos a fim de melhorar o suporte:
Escalas subjetivas para pacientes conscientes:
– Escala Visual Analógica (EVA): Consiste em uma linha reta de 10 cm onde o paciente marca a intensidade da dispneia, sendo 0 a ausência e 10 o pior desconforto respiratório possível.
– Escala de Borg: Avaliação categórica de intensidade da dispneia variando de 0 (nenhuma) a 10 (dispneia máxima e incapacitante) [1].
– Escala de Likert: Perguntas estruturadas que avaliam a frequência e intensidade da dispneia.
Escalas observacionais para pacientes não comunicativos:
– Mechanical Ventilation – Respiratory Distress Observation Scale (MV-RDOS): Avalia sinais clínicos de desconforto respiratório, como frequência respiratória, uso de musculatura acessória, expressão facial e resposta autonômica, atribuindo uma pontuação total. Valores ≥3 indicam sofrimento respiratório significativo.
Monitorização:
– Frequência respiratória e padrão ventilatório: Taxas acima de 30 incursões por minuto associadas ao uso de musculatura acessória indicam esforço respiratório aumentado.
– Variação da frequência cardíaca: Alterações podem refletir resposta autonômica ao desconforto respiratório.
– Saturação de oxigênio e capnografia: Permitem avaliação objetiva da troca gasosa e adequação ventilatória.
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Tratamento da Dispneia
Intervenções Não Farmacológicas
- Ajustes no ventilador:
– Otimizar o fluxo inspiratório e os tempos de ciclagem.
– Aplicação adequada de PEEP para reduzir o esforço respiratório.
- Terapias complementares:
– Uso de ventilação não invasiva para transição do desmame.
– Técnicas de relaxamento e suporte psicológico para redução da ansiedade.
Intervenções Farmacológicas
- Opioides:
– Morfina: Reduz a sensação de dispneia; dose inicial de 2-5 mg IV a cada 4 horas, conforme necessário.
– Fentanil: Opção para alívio rápido; dose de 25-100 mcg IV a cada 30-60 minutos, conforme necessário.
- Ansiolíticos e sedativos:
– Midazolam: Útil para controle da ansiedade em pacientes que não toleram bem a ventilação mecânica; dose de 1-5 mg IV intermitente ou infusão contínua conforme necessidade.
– Dexmedetomidina: Reduz o desconforto respiratório sem causar depressão respiratória significativa; dose inicial de 0,2-0,7 mcg/kg/h IV.
- Broncodilatadores e corticosteroides:
– Salbutamol: Indicado para broncoespasmo; nebulização de 2,5 mg a cada 4-6 horas.
– Ipratrópio: Uso combinado com salbutamol pode melhorar a mecânica ventilatória.
– Metilprednisolona: Indicado em inflamação pulmonar severa; dose de 40-125 mg IV a cada 6 horas.
Mensagens para Casa
– Identificação precoce da dispneia: Implementação de escalas padronizadas e monitoramento rigoroso.
– Ajuste ventilatório personalizado: Evitar assincronias e otimizar a mecânica respiratória do paciente.
– Abordagem multidisciplinar: Envolver médicos, fisioterapeutas e enfermeiros na gestão do desconforto respiratório.
– Uso racional de fármacos: Equilibrar os benefícios de opioides, ansiolíticos e broncodilatadores, minimizando riscos de sedação excessiva.
– Foco na qualidade de vida: Estratégias que promovam o bem-estar e a redução de complicações a longo prazo.
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