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Terapia Intensiva28 fevereiro 2025

Manejo da dispneia em pacientes críticos sob ventilação mecânica invasiva

A dispneia resulta de um desequilíbrio entre a demanda respiratória e a capacidade do sistema respiratório

A dispneia é uma experiência comum e angustiante em pacientes críticos submetidos à ventilação mecânica invasiva (VMI). Estudos recentes indicam que a prevalência de dispneia nesses pacientes pode chegar a 50%, com intensidade média de 50% em uma escala visual analógica de 0 a 100%. Essa condição frequentemente passa despercebida ou subtratada, aumentando o sofrimento dos pacientes e impactando negativamente os desfechos clínicos. A subestimação pode ser atribuída à dificuldade de comunicação dos pacientes intubados e à falta de ferramentas padronizadas para avaliação da dispneia. Dessa forma, compreender sua fisiopatologia, os desafios diagnósticos e as estratégias terapêuticas é essencial para melhorar o manejo e a recuperação desses indivíduos. 

Esse sintoma resulta de um desequilíbrio entre a demanda respiratória e a capacidade do sistema respiratório. O desbalanço pode ser ocasionado por: 

  1. Aumento do drive respiratório (demanda):

   – Hipercapnia (retenção de CO₂)   

   – Hipoxemia (baixa oxigenação)   

   – Acidose metabólica   

   – Febre, anemia ou dor   

   – Fatores emocionais, como ansiedade e medo   

  1. Redução da capacidade do sistema respiratório (suprimento):  

   – Fraqueza muscular respiratória (atrofia diafragmática induzida pelo ventilador)   

   – Doenças pulmonares pré-existentes   

   – Disfunção cardíaca e circulatória   

   – Configurações inadequadas do ventilador   

  1. Aumento da carga respiratória (impedância):  

   – Resistência aumentada das vias aéreas (broncoespasmo, secreções, edema)   

   – Redução da complacência pulmonar (edema pulmonar, atelectasia, obesidade)   

   – Desajustes no suporte ventilatório (pressão de suporte inadequada, fluxo inspiratório insuficiente)   

Leia mais: Você sabe a diferença entre dispneia, ortopneia e dispneia paroxística noturna?

Embora a ventilação mecânica seja projetada para aliviar a carga respiratória, configurações inadequadas podem induzir ou piorar a dispneia. Existe uma relação em forma de “U”, onde tanto a assistência ventilatória excessiva quanto a insuficiente podem levar ao aumento da dispneia. 

É importante lembrar que a dispneia também pode ser utilizada como prognóstico, como demonstrado em estudos, como por exemplo relação de taxas de reintubação e presença de dispneia dentro de duas horas após extubação. Além disso, dentre os pacientes dispneicos, é observado aumento de mortalidade em condições como infarto agudo do miocárdio e falha de resposta sintomática na ventilação mecânica não invasiva. 

Fatores de Risco Associados à Dispneia 

Dentre os principais fatores de risco para a dispneia em pacientes sob VMI, destacam-se: 

Ajustes inadequados do ventilador: Configurações inadequadas dos parâmetros ventilatórios podem levar ao desconforto respiratório significativo. 

Doenças pulmonares subjacentes: Condições como Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) e doenças neuromusculares afetam a capacidade ventilatória. 

Alterações psicológicas: Ansiedade, medo e experiências traumáticas anteriores podem intensificar a percepção da dispneia. 

Consequências da Dispneia Não Tratada 

A dispneia não controlada pode levar a várias complicações, como: 

Estresse psicológico severo: Pacientes que experimentam dispneia intensa durante a ventilação mecânica têm uma incidência três vezes maior de ansiedade em comparação com aqueles que não apresentam o sintoma. 

Prolongamento do desmame ventilatório: A dispneia está associada à falha no desmame ventilatório. Pacientes com dispneia moderada a severa podem apresentar taxas de falha de extubação superiores a 45%. 

Desenvolvimento de insuficiência respiratória persistente: A persistência da dispneia após a extubação está relacionada com a necessidade de reintubação em até 37% dos casos, além de aumento significativo na mortalidade hospitalar. 

Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT): Aproximadamente 29% dos pacientes que relatam dispneia intensa durante a VMI desenvolveram TEPT após a alta hospitalar, em comparação com 13% daqueles sem sintomas significativos de dispneia. 

Avaliação Diagnóstica da Dispneia 

A partir da avaliação com múltiplas ferramentas, podemos não somente tratar a dispneia, mas também diminuir os desfechos desfavoráveis relacionados à essa condição. Assim, podem ser utilizadas escalas subjetivas e dados clínicos a fim de melhorar o suporte: 

Escalas subjetivas para pacientes conscientes: 

  – Escala Visual Analógica (EVA): Consiste em uma linha reta de 10 cm onde o paciente marca a intensidade da dispneia, sendo 0 a ausência e 10 o pior desconforto respiratório possível. 

  – Escala de Borg: Avaliação categórica de intensidade da dispneia variando de 0 (nenhuma) a 10 (dispneia máxima e incapacitante) [1]. 

  – Escala de Likert: Perguntas estruturadas que avaliam a frequência e intensidade da dispneia. 

Escalas observacionais para pacientes não comunicativos: 

  – Mechanical Ventilation – Respiratory Distress Observation Scale (MV-RDOS): Avalia sinais clínicos de desconforto respiratório, como frequência respiratória, uso de musculatura acessória, expressão facial e resposta autonômica, atribuindo uma pontuação total. Valores ≥3 indicam sofrimento respiratório significativo. 

Monitorização: 

  – Frequência respiratória e padrão ventilatório: Taxas acima de 30 incursões por minuto associadas ao uso de musculatura acessória indicam esforço respiratório aumentado. 

  – Variação da frequência cardíaca: Alterações podem refletir resposta autonômica ao desconforto respiratório. 

  – Saturação de oxigênio e capnografia: Permitem avaliação objetiva da troca gasosa e adequação ventilatória. 

Veja também: DPOC: aprenda a identificar e tratar esta importante causa de dispneia [PODCAST]

Tratamento da Dispneia 

Intervenções Não Farmacológicas 

  1. Ajustes no ventilador:

   – Otimizar o fluxo inspiratório e os tempos de ciclagem. 

   – Aplicação adequada de PEEP para reduzir o esforço respiratório. 

  1. Terapias complementares:

   – Uso de ventilação não invasiva para transição do desmame. 

   – Técnicas de relaxamento e suporte psicológico para redução da ansiedade. 

Intervenções Farmacológicas 

  1. Opioides:

   – Morfina: Reduz a sensação de dispneia; dose inicial de 2-5 mg IV a cada 4 horas, conforme necessário. 

   – Fentanil: Opção para alívio rápido; dose de 25-100 mcg IV a cada 30-60 minutos, conforme necessário. 

  1. Ansiolíticos e sedativos:

   – Midazolam: Útil para controle da ansiedade em pacientes que não toleram bem a ventilação mecânica; dose de 1-5 mg IV intermitente ou infusão contínua conforme necessidade. 

   – Dexmedetomidina: Reduz o desconforto respiratório sem causar depressão respiratória significativa; dose inicial de 0,2-0,7 mcg/kg/h IV. 

  1. Broncodilatadores e corticosteroides:

   – Salbutamol: Indicado para broncoespasmo; nebulização de 2,5 mg a cada 4-6 horas. 

   – Ipratrópio: Uso combinado com salbutamol pode melhorar a mecânica ventilatória. 

   – Metilprednisolona: Indicado em inflamação pulmonar severa; dose de 40-125 mg IV a cada 6 horas. 

Mensagens para Casa 

– Identificação precoce da dispneia: Implementação de escalas padronizadas e monitoramento rigoroso. 

– Ajuste ventilatório personalizado: Evitar assincronias e otimizar a mecânica respiratória do paciente. 

– Abordagem multidisciplinar: Envolver médicos, fisioterapeutas e enfermeiros na gestão do desconforto respiratório. 

– Uso racional de fármacos: Equilibrar os benefícios de opioides, ansiolíticos e broncodilatadores, minimizando riscos de sedação excessiva. 

– Foco na qualidade de vida: Estratégias que promovam o bem-estar e a redução de complicações a longo prazo. 

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Referências bibliográficas

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