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Nefrologia30 janeiro 2019

Furosemida: 11 mitos esclarecidos sobre o uso clínico do diurético

A furosemida é um diurético amplamente usado na terapia intensiva, mas também cercada de mitos. Veja 11 equívocos comuns e o que dizem as evidências.

A furosemida é um diurético de alça amplamente utilizado em terapia intensiva, reconhecido tanto por seus efeitos benéficos quanto pelos potenciais efeitos adversos. O fármaco age no segmento ascendente da alça de Henle, bloqueando seletivamente o cotransportador de Na+K+2Cl-. Sua ação diurética resulta inibe a reabsorção de cloreto de sódio, resultando em uma urina hipotônica.

Entre os médicos, há uma preocupação recorrente quanto à associação entre o furosemida e a piora da função renal. Afinal, é possível utilizar o diurético com segurança em pacientes críticos?

Em 2019, a revista Intensive Care Medicine publicou um editorial abordando mitos e interpretações incorretas sobre o uso clínico da furosemida, com base nas evidências daquele momento.

furosemida

Mito 1: Furosemida causa insuficiência renal aguda

Esse é um dos receios mais comuns entre os médicos. O artigo disponibilizado não demonstra que diuréticos sejam fatores de risco diretos para a lesão renal aguda (LRA).

A questão está no modo de uso: quando administrada de forma inadequada, a furosemida pode contribuir para o desenvolvimento da lesão renal. Por outro lado, quando bem indicada, por exemplo, em pacientes com sobrecarga hídrica, o fármaco pode reduzir a congestão renal e reduzir o consumo de oxigênio.

Dica da redação: a furosemida é mais segura no paciente com boa perfusão. Em casos de má perfusão, há risco de azotemia pré-renal.

Mito 2: Furosemida e fluidos juntos previne lesão renal aguda em pacientes críticos

Essa hipótese, comum em práticas clínicas antigas, provavelmente é incorreta. É comum vermos em alguns locais a prescrição de fluido junto com diurético para “abrir o rim”, a ideia seria estimular a diurese sem causar hipovolemia. 

Porém, estudos não confirmaram esta hipótese. Um ensaio multicêntrico, randomizado e duplo-cego do Journal of Critical Care (2019) concluiu que doses baixas de furosemida em pacientes críticos não reduzem a lesão renal aguda ou necessidade de hemodiálise.

Leia mais: Furosemida por via subcutânea pode ser segura e eficaz

O que devemos ter em mente? Em geral, prescreva cristaloides para quem tem hipovolemia intravascular. Os diuréticos devem ser reservados para pacientes com hipervolemia intravascular.

O que devemos ter em mente:

  • Prescreva cristaloides apenas para pacientes com hipovolemia intravascular.
  • Reserve o uso de diuréticos para casos de hipervolemia.
  • A combinação de ambos deve ser considerada apenas em situações específicas, como hipercalcemia induzida.

Mito 3: Furosemida é contraindicada em pacientes com lesão renal

A furosemida não é contraindicada na lesão renal. Pelo contrário, é indicada quando há sobrecarga de líquidos, até para pacientes com lesão renal aguda.

É importante considerar que, em pacientes com comprometimento da função renal, pode ser necessária uma dose maior para atingir o mesmo efeito, devido à resistência diurética. No mais, a furosemida ajuda no controle da hipercalemia e pode ser utilizada no teste de estresse com furosemida para avaliar a função tubular e o risco de progressão da LRA.

Mito 4: A furosemida pode iniciar a recuperação da função renal

Embora a furosemida possa induzir diurese significativa em pacientes com lesão renal, isso não indica melhora real da função renal.

A diurese indica o funcionamento das células tubulares, em vez de efeito benéfico direto sobre a função renal.
Em pacientes anúricos, doses elevadas aumentam o risco de ototoxicidade. Nessas situações, quando há sobrecarga de líquidos, que não urinam, deve-se considerar iniciar diálise em vez de repetir a administração do diurético.

Mito 5: Furosemida funciona melhor quando associada à albumina

A furosemida tem alta ligação à albumina no plasma, mas as evidências sobre o benefício da associação entre ambos são esparsas. Em pacientes com níveis normais de proteína, os estudos não demonstraram vantagem clínica.

Já em pacientes com doença renal crônica, há um estudo pequeno com 24 pacientes mostrou aumento no volume urinário com essa combinação em 24h, porém não houve diferença significativa.

Leia mais: Os 10 mitos sobre albumina

 

Mito 6: A Infusão contínua é mais eficaz que bolus

Não há evidências de melhores desfechos clínicos entre as duas estratégias. Ensaios clínicos randomizados e metanálises mostraram que a infusão contínua pode facilitar a diurese mais sustentada quando comparado com bolus, mas sem impacto comprovado em mortalidade, tempo de internação, função renal ou distúrbio hidroeletrolítico.


As diretrizes da ESC 2019, para uso de diuréticos na IC, argumentam que o estudo DOSE-HF pode ter sido neutro pela falta de uma dose de bolus da furosemida quando iniciamos a infusão contínua.

Mito 7: Furosemida pode prevenir a diálise

Apesar de ser uma crença comum, a furosemida não previne a necessidade de diálise. Seu papel está em induzir a diurese em pacientes com sobrecarga hídrica. Se o paciente for diurético responsivo, ganha-se algum tempo antes que o paciente entre em diálise, porém aparentemente este desfecho é inevitável.

O estudo SPARKS comparou a furosemida em baixas doses com placebo e não encontrou diferença na progressão da lesão renal nem na necessidade de diálise.

Mito 8: Furosemida ajuda a desmamar pacientes anúricos da diálise

Não é verdade. Em pacientes tratados com hemodiálise, o aumento da diurese nos traz esperança de que conseguiremos desmamar a diálise. Porém, não há evidências de que os diuréticos sejam efetivos na melhora depuração da creatinina ou induzir a recuperação renal.

Ademais, o uso da furosemida em paciente anúricos deve ser feito com cautela devido ao risco aumentado de ototoxicidade.

Mito 9: Diurese induzida por furosemida indica recuperação renal

Essa afirmação é falsa.

Embora a administração de furosemida possa aumentar o débito urinário, a diurese isolada não representa recuperação completa da função renal.

Mesmo após a melhora da função excretora, o paciente mantém risco elevado de desenvolver doença renal crônica e maior mortalidade a longo prazo.

Há situações em que ficamos relativamente aliviados quando o paciente urina, porém precisamos ter em mente que ter diurese não é sinônimo de recuperação completa da função.

Mito 10: Deve-se suspender furosemida se a creatinina aumentar

Esse é um dos mitos mais prevalentes na prática clínica. 

Em pacientes com insuficiência cardíaca aguda, o aumento discreto da creatinina (≥ 0,3 mg/dL) durante o uso do diurético não indica necessariamente piora renal. Essa piora, caso esteja acompanhada de aumento do hematócrito, pode refletir apenas um sinal de redução do volume intravascular e redução da congestão. Esta “pseudo” piora pode estar associada a melhores desfechos. O editorial citou um artigo para exemplificar a sentença.

O ensaio FACTT mostrou que o uso de diuréticos facilitou o desmame do ventilador mecânico mesmo com o aumento da creatinina sérica em quase 0,3 mg/dL. Apesar disso, a exigência de terapia de substituição renal foi ainda menor neste grupo. Outro dado é que um dos principais componentes da síndrome cardiorrenal é a congestão venosa, o que justificaria não suspender, mas sim manter a furosemida.

Bônus: Furosemida é contraindicada por via subcutânea

Este mito é uma contribuição da equipe Afya para complementar o editorial da Critical Care

Anteriormente, publicamos um artigo que falava sobre a via subcutânea em cuidados paliativos e, entre as opções de medicações, estava a furosemida. 

Foi publicada, em 2019, uma revisão da revista Heart Failure sobre o uso da furosemida subcutânea em insuficiência cardíaca descompensada e o estudo concluiu que esta via, a depender de novos estudos, pode no futuro oferecer uma possibilidade de tratamento ambulatorial para este tipo de descompensação.

Leia também: Furosemida em bolus ou contínua na insuficiência cardíaca descompensada

 

*Este conteúdo foi atualizado em: 10/10/2025 pela equipe editorial do Portal Afya.

 

Referências:

  • Artigo base: 10 myths about frusemide. Michael Joannidis, Sebastian J. Klein and Marlies Ostermann. Intensive Care Medicine. 2019
  • Afari, M. E., Aoun, J., Khare, S., & Tsao, L. (2019). Subcutaneous furosemide for the treatment of heart failure: a state-of-the art review. Heart Failure Reviews.doi:10.1007/s10741-018-9760-6

Autoria

Foto de Dayanna de Oliveira Quintanilha

Dayanna de Oliveira Quintanilha

Especialista Médica da Afya ⦁ Especialista em Clínica Médica pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ⦁ Graduação em Medicina pela UFF ⦁ Contato: [email protected] ⦁ Instagram: @dayquintan

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