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Você está no plantão de emergência, quando chega um paciente de 89 anos com demência em fase inicial. Ele está com dispneia e um pouco desidratado. Evoluiu com queda do estado geral e dificuldade para usar via oral. Está hemodinamicamente, estável, afebril e com desidratação. Urinocultura positiva para bactéria sensível a amoxicilina/clavulanato e ceftriaxone. O caminho mais natural em boa parte dos hospitais do país seria de logo pegar um acesso venoso periférico nesse paciente, mas por que não a via subcutânea?
Apesar de o uso da via subcutânea já ser amplamente respaldado na literatura internacional, no Brasil, essa prática ainda não é disseminada. Alguns fatores que corroboram com esta realidade são o fato de ser pouco comentada na graduação, além de o tema ter informações conflitantes em suas referências. A nossa publicação será baseada em um guia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia específico para o uso da via subcutânea.
Para começarmos, algumas definições importantes:
A via subcutânea
A absorção de medicamentos por via subcutânea depende dos capilares sanguíneos e linfáticos presentes nos septos da hipoderme. Quando se compara a biodisponibilidade de medicamentos por vias diferentes, percebe-se que o perfil de absorção pela via subcutânea se assemelha ao da via oral.
Como realizar um acesso subcutâneo?
Em Geriatria e Cuidados Paliativos, os fármacos devem ser administrados, preferencialmente, por via oral, tanto pela simplicidade da oferta como por ser a via mais fisiológica. Em algumas situações, como redução do nível de consciência, a via oral não está disponível. Até 70% dos pacientes em fase final de vida necessitarão de uma via alternativa para administração de fármacos. A via endovenosa pode parecer o próximo passo lógico, porém o processo natural de envelhecimento das veias e a perda da elasticidade da pele dificultam a punção de um acesso venoso, sobretudo em pacientes muito idosos. Outro problema é manter o acesso em pacientes demenciados. Quem nunca esteve em um plantão e foi chamado porque o paciente arrancou o acesso?
Indicações:
- Demência avançada com disfagia
- Pacientes com náuseas e/ou vômitos por períodos prolongados
- Intolerância gástrica, obstrução intestinal, diarreia
- Confusão mental
- Dispneia intensa
- Sua indicação mais importante talvez seja o controle farmacológico dos sinais e sintomas inerentes ao processo de morrer, quando a pessoa doente, inevitavelmente, perde a capacidade de deglutir e requer uma via para oferta de medicamentos que lhe garantam o máximo conforto possível até o momento da morte
- Desidratação que não exija reposição rápida de volume
VIA SUBCUTÂNEA | |
VANTAGENS |
DESVANTAGES |
Via parenteral mais acessível e confortável que a venosa |
Volume e velocidade de infusão limitados (até 1500 ml/24h por sítio de punção) |
Fácil inserção e manutenção do cateter |
Absorção variável (influenciada por perfusão e vascularização) |
Pode ser realizada em qualquer ambiente de cuidado, inclusive no domicílio |
Limitação de medicamentos e eletrólitos que podem ser infundidos |
Complicações locais raras | |
Baixo risco de efeitos adversos sistêmicos (hiponatremia, hipervolemia, congestão) | |
Redução da flutuação das concentrações plasmáticas de opioides | |
Baixo custo |
Contraindicações:
CONTRAINDICAÇÕES | |
ABSOLUTAS |
RELATIVAS |
Recusa do paciente |
Caquexia |
Anasarca |
Síndrome da veia cava superior |
Trombocitopenia grave |
Ascite |
Necessidade de reposição rápida de volume (desidratação grave, choque) |
Áreas com circulação linfática comprometida (após cirurgia ou radioterapia) |
Áreas de infecção, inflamação ou ulceração cutânea | |
Proximidades de articulação | |
Proeminências ósseas |
Sítios de punção
A preservação do conforto, da mobilidade e da independência do paciente são os fatores determinantes para escolha do sítio de punção. Deve-se evitar, portanto, a punção em áreas próximas de articulações. Uma espessura mínima no subcutâneo de 1,0 a 2,5 cm é recomendável para a infusão.
A literatura ressalta que o débito da perfusão pode variar de 1 a 8 ml/minuto, dependendo do volume e das características das soluções infundidas, do tempo disponível para a infusão e da tolerabilidade do paciente.
No intuito de estabelecer um padrão, uma publicação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) preconiza a troca do sítio de punção a cada 72 horas.
Medicamentos e soluções para uso subcutâneo
Separamos alguns dos principais medicamentos para uso subcutâneo:
Medicamentos |
Dose |
Diluição |
Comentário |
CEFEPIME |
1g 12/12h ou 8/8h |
Reconstituir 1g em 10ml de agua destilada e diluir em SF 0,9% 100ml |
Tempo de infusão: 40 minutos Não há estudos para doses maiores |
CEFTRIAXONE |
1g 12/12h |
Reconstituir 1g em 10ml de agua destilada e diluir em SF 0,9% 100ml |
Tempo de infusão: 40 minutos |
DIPIRONA |
1-2g ate 6/6h |
SF 0,9% 2ml |
Aplicação lenta em bolus |
ESCOPOLAMINA |
20mg 8/8h ate 60mg 6/6 |
SF 0,9% 1ml (bolus) |
Infusão em bolus ou continua Não confundir com a apresentação combinada com dipirona |
FENITOÍNA |
100mg 8/8h |
SF 0,9% 100ml |
Tempo de infusão: 40 minutos |
FUROSEMIDA |
20-140mg/24h |
SF 0,9% 2ml (bolus) ou volumes maiores (infusao continua) | |
HALOPERIDOL |
0,5-30mg/24h |
SF 0,9% 5ml |
Para idosos frágeis, Começar com a menor dose possível Se a solução preparada tiver concentração de haloperidol ≥ 1mg/ml, recomenda-se usar água destilada como diluente (risco de precipitação com SF 0,9%) |
TRAMADOL |
100-600mg/24h |
SF 0,9% 20ml (bolus) SF 0,9% 100mL (infusão continua) | |
MORFINA |
Dose inicial: 2-3mg 4/4h (bolus) ou 10-20mg/24h (infusão continua) |
Não requer diluição (bolus) SF 0,9% 100ml (infusão continua) |
Infusão em bolus ou continua Não existe dose máxima Iniciar com a menor dose possível em pacientes muito idosos, frágeis ou com doença renal crônica O intervalo entre as aplicações pode ser aumentado em pacientes com insuficiência hepática ou renal |
Obs: Há outros medicamentos com possibilidade de uso em via subcutânea, para conferir, acesse o manual na íntegra.
Voltando ao caso do nosso paciente com infecção urinária e desidratação, além de delirium hipoativo. Segue uma proposta de conduta considerando nossa discussão:
- Uso da via subcutânea para acesso.
- Escolha do sítio: interescapular, pois paciente idosa com demência com risco de agitação e retirada de acesso.
- Infusão de SF 0,9% 62-80 ml/h ao longo de 12h, preferencialmente no período noturno.
- Antibioticoterapia: em função do rebaixamento do nível de consciência, a paciente requer uso parenteral do antibiótico. Dentre os medicamentos sensíveis, pelo antibiograma, apenas ceftriaxone pode ser administrado pela via subcutânea.
- Recomenda-se reconstituir 1g de ceftriaxone em 10ml de água destilada e então diluir em SF 0,9% 100ml. O antibiótico deve ser infundido em 40 minutos.
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Referências:
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