O uso de corticoide na sepse vem desde a década de 1970. Seu uso tem efeito “gangorra”: vai e vem, dependendo do momento de início, da dose e do tipo de corticoide usado nos diversos estudos durante 5 décadas. O fato é que altas doses (cerca de 1 grama de metilprednisolona) aumentam a mortalidade; e seu uso prolongado traz eventos adversos como hiperglicemia e infecções. O padrão é usar hidrocortisona, em doses de 200-300 mg/dia, pelo tempo que o paciente precisar de vasopressor ou limitar entre 7 e 11 dias, sem precisar de tapering, ou seja desmame de dose (Surviving Sepsis Campaign). A mortalidade se mantém em torno de 40-50%. É reconhecido que não há modificação da mortalidade, mas o uso de corticoides pode reduzir o tempo de choque em torno de 1,5 dia. Mas uma dúvida persiste desde 2002, quando Annane et al. preconizou a associação de hidrocortisona e fludrocortisona com redução de mortalidade. O CORTICUS de 2008 teve resultado nulo em mortalidade, mas não se usou fludrocortisona. E desde então estudos franceses usam a associação como padrão com bons resultados enquanto os outros estudos só usam corticosteroides.
Há alguns meses, um estudo de fase 2 de Walsham e colaboradores mostrou que a fludrocortisona é bem absorvida quando administrada por via enteral, embora não tenha relação com mortalidade (mas tinha amostra pequena).
Objetivos e Metodologia
Os autores revisaram estudos clínicos randomizados e controlados desde 1983 até 2022, em 4 bases de dados: EMBASE, PubMed, Cochrane Library e ClinicalTrials.gov. Houve procura com palavras-chave hidrocortisona, fludrocortisona, choque séptico, estudos clínicos, randomizados, coorte e caso-controle. Os autores foram bem específicos, focando na comparação de hidrocortisona isolada versus a associação com fludrocortisona; não consideraram outros estudos de farmacologia, relatos de caso ou outros estudos sem o objetivo de mortalidade. O desfecho principal foi a mortalidade hospitalar, e secundariamente mortalidade em 28, 90, 180 e 365 dias, além de dias sem vasopressor ou ventilação mecânica, eventos adversos e tempo de permanência.
Resultados
Selecionou-se 3 estudos randomizados controlados e 4 estudos observacionais, com população total de mais de 90 mil pacientes. Como esperado, os estudos clínicos apresentaram menor heterogeneidade que os observacionais. Todos os estudos incluíram pacientes em UTI, exceto o maior estudo (Bosch et al., 2023), que incluiu pacientes hospitalizados, estando ou não em UTI. Este maior estudo também foi observacional, comparando 2.280 pacientes com choque séptico com a associação de esteroides versus quase 86 mil pacientes usando apenas hidrocortisona. Os três estudos randomizados foram do mesmo grupo de pesquisa, em tempos diferentes (Annane et al.).
Os resultados foram uniformemente favoráveis à associação de fludrocortisona com hidrocortisona: redução de 10% a 23% na mortalidade: menor mortalidade hospitalar e em 28 dias, e menor efeito a longo prazo. A redução relativa de mortalidade hospitalar foi de 14%, com intervalo de confiança entre 8% e 20%. Também mostrou redução do tempo de choque de quase 1 dia. Mas outros objetivos secundários foram semelhantes usando ou não fludrocortisona, como tempo de permanência, tempo de ventilação e eventos adversos.
Algumas análises de subgrupos foram feitas: a dose de fludrocortisona não influenciou o resultado; os estudos randomizados tiveram maior diferença de mortalidade (lembrando que foram do mesmo grupo) e pacientes em UTI também se beneficiaram de forma mais importante.
Mensagens para o dia a dia:
- A redução relativa de mortalidade hospitalar foi de 14% com o uso de hidro mais fludrocortisona para choque séptico;
- Quatro estudos observacionais com heterogeneidade maior podem ter influenciado este resultado favorável à associação, além de 3 estudos prospectivos e randomizados serem do mesmo grupo de pesquisa;
- Embora com críticas, o que há de evidência é a possibilidade que a adição de fludrocortisona ao esquema de tratamento do choque séptico possa reduzir discretamente a mortalidade e mais ainda o tempo de choque.
Saiba mais: CBMI 2024 – Controvérsias no manejo do choque séptico
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