O choque séptico é o espectro mais grave da sepse, com mortalidade em torno de 50%. Várias terapias já foram estudadas para seu combate, e o uso de corticosteroides ainda permanece controverso desde a década de 1970, oscilando entre esquemas que aumentam (doses elevadas de metilprednisolona) até reduzem (doses medianas de hidrocortisona) a mortalidade. A Surviving Sepsis Campaign reconhece que não parece haver alteração de mortalidade mas o uso de corticoides pode reduzir o tempo de choque, com reversão cerca de 1 dia antes comparativamente a pacientes que não usam esta terapia. A fludrocortisona é um mineralocorticoide, que ajuda na retenção de sal e água e pode ser adjuvante aos corticosteroides, acelerando a reversão do choque: ela fazia parte da terapia no estudo seminal francês de Annane et al. no JAMA de 2002, que mostrou redução de mortalidade. Mas desde então, há dúvidas no seu uso, porque a maioria dos estudos clínicos fora da França não a usaram (como o CORTICUS de 2008).
Outra dúvida é se a fludrocortisona é absorvida por via enteral, já que sua administração é por comprimidos: estudos clínicos de fase 1 e 2, com 12 a 60 pacientes, mostraram que a meia-vida parece ser curta (em torno de 3 horas) e sua absorção é errática (indetectável em quase um terço dos pacientes).
Objetivos e metodologia do artigo
Walsham e colaboradores planejaram então estudo de fase 2 que testa a farmacocinética da fludrocortisona em pacientes com choque séptico, com 3 esquemas de doses diferentes: 50 mcg 1, 2 ou 4 vezes ao dia. Eles dosaram os níveis séricos antes e 3 horas após sua administração por via enteral. E mediram a resolução do choque como objetivo clínico primário, além de recorrência do choque, escore SOFA máximo, tempo de permanência e mortalidade como objetivos secundários. Todos os pacientes deveriam estar usando vasopressores e hidrocortisona na entrada do estudo, que foi randomizado em blocos nas 9 UTIs participantes. Planejou-se tamanho amostral de 300 pacientes, porém a pandemia de covid-19 atrapalhou o estudo e no fim se incluiu 153 pacientes.
Resultados: Fludrocortisona no choque séptico
Os resultados não foram muito animadores: embora 97% dos pacientes tivessem nível sérico detectável de fludrocortisona (total de 115 usaram a medicação enteral), não houve diferença significativa de resolução do choque (70% dos pacientes estavam sem aminas em torno de 4-5 dias após início do choque, em todos os grupos do estudo). Recorrência do choque foi em torno de 23-27% nos grupos (exceto 100 mcg de fludro, mas com p valor sem significância) e tempo de permanência e de ventilação mecânica foram semelhantes também. A mortalidade em 28 dias foi de 24% no grupo só com hidrocortisona e 17%, 11% e 11% nos grupos com fludro 50, 100 e 200 mcg respectivamente (sem diferença estatística).
É claro que há limitações, como o tamanho insuficiente da amostra para se chegar a conclusões de resolução do choque ou mortalidade, mas é difícil que haja diferença clinicamente significativa na prática para se recomendar usar fludrocortisona de rotina no choque séptico. Outra limitação foi a ausência de controle de um protocolo padrão de manuseio do choque para todas as UTIs participantes, dado que poderia alterar parâmetros de resolução do choque.
Mensagens para o dia a dia
- Fludrocortisona é detectável no soro de pacientes aproximadamente após 3 horas da administração enteral;
- Doses de 50 a 200 mcg/dia de fludrocortisona parecem ser semelhantes em relação ao manuseio do choque séptico;
- A adição de fludrocortisona à hidrocortisona não ajudou na resolução do choque neste estudo de fase 2, embora não se tenha alcançado o tamanho amostral planejado.
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