A granulomatose com poliangiíte (GPA) e a poliangiíte microscópica (MPA) são vasculites sistêmicas associadas ao ANCA (AAV). O uso de corticoterapia associado a rituximabe ou ciclofosfamida é o tratamento padrão para os casos nos quais há risco de morte ou perda de função de órgãos/sistemas.
No entanto, a corticoterapia tem vantagens e desvantagens: o uso mais curto de corticoides já foi associado com uma maior chance de recorrência; no entanto, o uso prolongado se associa a uma série de eventos adversos.
O PEXIVAS foi um ensaio clínico randomizado que comparou o uso de doses padrões vs. reduzidas de corticoide e demonstrou a não inferioridade do esquema de dose reduzida em relação à morte ou doença renal em estágio terminal. No entanto, estudos mais recentes vêm questionando a validade externa desses resultados.
Nesse sentido, Nagle et al. conduziram uma análise do uso de vida real das doses reduzidas do PEXIVAS nos pacientes com GPA e MPA.
Métodos
Trata-se de um estudo retrospectivo, descritivo, que foi conduzido em 19 hospitais na França e em Luxemburgo, entre 01/01/2018 e 06/11/2022.
Os critérios de inclusão foram: idade >15 anos, primodiagnóstico ou reativação de GPA ou MPA (critérios ACR/EULAR 2022), doença grave com risco de morte ou perda de função de órgão/sistema com necessidade de ciclofosfamida (CYC) ou rituximabe (RTX), tratamento com corticoide com esquema com doses padrões (estudo CORTAGE) ou reduzidas (PEXIVAS).
Os critérios de exclusão foram: outro diagnóstico de vasculite, esquemas combinados de CYC e RTX, doses de corticoide menores ou que não seguiram um protocolo específico, sem dados para análise da corticoterapia e associação com avacopan.
Os desfechos analisados foram um desfecho combinado de reativação menor, maior, progressão antes de atingir remissão (definida como necessidade de mudança na dose de corticoide ou terapia imunossupressora), doença renal em estágio terminal necessitando de diálise por >12 semanas e/ou transplante renal e morte ao final de 12 meses de seguimento. Todos esses desfechos foram analisados separadamente como desfechos secundários. A remissão foi definida como BVAS de 0.
Resultados
Foram incluídos 234 pacientes com GPA ou MPA grave, com pelo menos 6 meses de seguimento, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão. Desses, 51% eram do sexo masculino, a idade média era de 64 anos e 60% tinham GPA; o BVAS médio foi de 15. Com relação aos esquemas de corticoide, os pacientes do grupo tratado com dose padrão eram mais frequentemente GPA.
O desfecho primário aconteceu em 62 (26,5%) pacientes no primeiro ano, sendo 42/126 (33,3%) com doses reduzidas de corticoide e 20/108 (18,5%) com dose padrão (p=0,01). Na análise univariada não ponderada, o risco relativo para o desfecho primário foi de 1,99 (IC95% 1,17-3,38) no esquema com doses reduzidas. No entanto, o uso de doses reduzidas não foi associado a um risco aumentado de morte ou doença renal em estágio terminal nessa análise. Na análise multivariada não ponderada, após controle para idade, subtipo de AAV, doença recorrente, creatinina sérica, pulso com metilprednisolona, indução com RTX, plasmaférese e nódulos pulmonares, as doses reduzidas de corticoide se mantiveram associada com a ocorrência do desfecho primário. Na análise utilizando escore de propensão, as doses reduzidas também se associaram com a ocorrência de desfecho primário (RR 2,03, IC95% 1,08-3,83).
Os autores também encontraram que, dentre os pacientes tratados com doses reduzidas de corticoide, os pacientes com creatinina >3,4 mg/dL apresentaram maior chance de desenvolver o desfecho primário. Já os pacientes com RTX que receberam doses reduzidas de corticoide apresentaram maior chance de morte ou doença renal em estágio terminal e de atingir o desfecho primário.
Diversas outras análises secundárias foram realizadas e podem ser consultadas no artigo original.
Comentários
Esse estudo nos mostra a importância de monitorar cuidadosamente a atividade da doença nos pacientes com GPA e MPA que estão em uso de doses reduzidas de corticoide, particularmente naqueles em uso de RTX como terapia de indução e naqueles com creatinina acima de 3,4 mg/dL.
Um comentário adicional é que, apesar do risco aumentado de reativação, não houve aumento no risco de morte ou doença renal em estágio terminal nesses pacientes.
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