A administração de antibióticos em pacientes graves na UTI é classicamente realizada por via intravenosa, por razões que vão da gravidade e certeza de biodisponibilidade até o receio de indução de resistência antimicrobiana por níveis séricos reduzidos. No entanto, a necessidade de acesso venoso (periférico ou central) também incuti uma dificuldade de administração a médio e longo prazo (maior que 5-7 dias). Por esta razão, a prática de trocar a via de administração para via enteral (oral ou por cateter gástrico) é comum, com efetividade de absorção e atingimento de nível sérico adequado para muitas classes de antibióticos. Esta medida já foi preconizada em pacientes hospitalizados (Oosterheert, et al. 2006) e não houve prejuízo de mortalidade, com redução pequena e significativa de tempo de permanência. Mas será que a mortalidade é afetada em pacientes graves na UTI, com esta mesma estratégia?
Objetivos e Metodologia
Este estudo foi prospectivo e randomizado, realizado em 2 hospitais, com 120 leitos de UTI, do estado do Paraná. O período de inclusão durou 2 anos (Abril/2020 a Abril/2022). O tamanho amostral calculado foi de 60 pacientes para confirmar a não-inferioridade da estratégia de antibióticos por via enteral. O sucesso para a estratégia foi considerado de 80% de sobrevivência no grupo controle, com menos de 15% de diferença desta taxa entre os grupos de antibióticos por via intravenosa versus enteral.
Todos os pacientes adultos, com trato digestivo considerado viável para o uso e pelo menos 24 horas de estabilização e melhora com antibiótico(s) intravenoso(s) inicialmente, foram selecionados. Os critérios de exclusão foram: covid-19, cuidados paliativos, intolerância gastrointestinal e resistência antimicrobiana aos antibióticos possíveis para via enteral.
O desfecho principal foi a mortalidade hospitalar; resposta clínica, tempo de permanência na UTI e no hospital foram considerados desfechos secundários.
Resultados
De 142 pacientes selecionados, 127 pacientes foram incluídos: 60 no grupo controle e 67 no grupo intervenção. A mortalidade hospitalar foi semelhante nos 2 grupos: 30% nos controles e 31% nos pacientes com antibiótico enteral. A taxa de melhora clínica após 10 dias também foi equilibrada entre os grupos (52% controle vs 57% enteral) e a taxa de falha do tratamento foi baixa (3% no grupo controle e nenhuma no grupo enteral).
O grupo controle teve pacientes com média de APACHE II discretamente maior (18 vs 15 pontos, mas com p valor 0,09) e maior número de infecções com tratamento guiado por resultados de culturas (68% vs 52%, p valor de 0,047). Este fato pode refletir a realidade de infecções por bactérias mais resistentes no grupo com antibiótico exclusivamente intravenoso.
As características das infecções foram bem parecidas com o dia a dia das UTIs no Brasil: pneumonia em 77% dos sítios, 33% com sepse e o restante classificado como infecção sem sepse. Staphylococcus aureus foi prevalente (49% das infecções), seguido de Enterobacterales (34%). Os antibióticos mais usados por via enteral foram as quinolonas 47%), seguidas de amoxicilina-clavulanato (24%), sulfametoxazol-trimetoprim (18%) e doxiciclina (6%).
Finalmente, o custo total de tratamento foi reduzido de 2575 dólares (apenas antibióticos venosos) para 1243 dólares (venosos e enterais), cerca de metade no grupo intervenção.
Mensagens para o dia a dia
- A administração de antibióticos por via enteral (incluindo a via oral) é possível e factível na UTI;
- Apesar desta estratégia precisar da escolha mais cuidadosa do paciente elegível, pode ser segura e reduzir o custo total do tratamento das infecções em UTI.
Autoria

André Japiassú
Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.
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