O principal alicerce terapêutico da sepse é antibioticoterapia precoce, preferencialmente iniciada na 1ª hora do reconhecimento da síndrome. E dentre os antibióticos mais utilizados, estão os betalactâmicos, que são bactericidas e tempo-dependentes, ou seja, a sua ação está atrelada ao tempo em que a concentração permanece acima da concentração inibitória mínima.
Muitos estudos vêm advogando sobre a plausibilidade de que, com base no princípio anteriormente descrito, a estratégia de infusão contínua ou prolongada estaria associada a melhores desfechos. Entretanto, até o momento, não foram demonstrados resultados consistentes sobre o impacto na mortalidade, em que pese a metodologia predominantemente retrospectiva e os pequenos tamanhos amostrais.
Com o objetivo de preencher essa lacuna, o estudo randomizado controlado (RCT) publicado por Dulhunty e colaboradores em agosto de 2024 no JAMA, comparou a administração contínua e intermitente de meropenem e piperacilina-tazobactam em adultos críticos com sepse.
Sobre o estudo
Foram contempladas 104 unidades de terapia intensiva (UTIs) da Austrália, Bélgica, França, Malásia, Nova Zelândia, Reino Unido e Suécia) por um período de quase 5 anos, entre 2018 e 2023.
O desfecho principal analisado foi a mortalidade em 90 dias; e, secundariamente, aferiu-se a taxa de cura clínica no 14° dia, considerando-se como sucesso a ausência de necessidade de reintrodução de tratamento para a mesma infecção em até 48 horas. Outros dados analisados foram a taxa de aquisição de infecções por bactérias multirresistentes, mortalidade em UTI ou hospitalar, além de parâmetros indiretos de disfunção orgânica, como ventilação mecânica e hemodiálise.
O tamanho amostral chamou a atenção: 7.000 pacientes, um N calculado para detectar uma diferença absoluta de 3,5% de mortalidade em 3 meses, sob a óptica de uma mortalidade basal histórica de 27,5%. Foram alocados 3.498 pacientes no braço da infusão contínua e 3.533 no da infusão intermitente.
Os resultados mostraram uma leve redução numérica de mortalidade em 90 dias (-1,9%, IC 95%: -4,9 a 1,1 %, sem alcançar diferença estatística) e uma maior taxa de cura clínica em 14 dias (5,7%, IC 95%: 2,4 a 9,1%). Outros desfechos, como mortalidade na UTI ou hospitalar, e a aquisição de bactérias multirresistentes, não foram diferentes nos 2 grupos.
De pontos positivos, destacam-se a mínima perda de follow-up de pacientes nos 2 braços de estudo (cerca de 1% a 1,5%) e o equilíbrio excelente na randomização dos grupos, que tiveram características muito semelhantes (idade média de 59 anos, 34% de pacientes oriundos da emergência, relação PaO2/FIO2 em torno de 190, 70% de exposição à terapia vasopressora e 60% tendo como foco infeccioso primário a pneumonia).
A taxa de eventos adversos ligados aos antibióticos foi de 0,3% no grupo contínuo e 0,2% no intermitente, sem diferença significativa.
As principais limitações residiram na ausência de cegamento da intervenção, gerando susceptibilidade ao viés de avaliação pela equipe assistente, bem como a falta de controle da dose dos antibióticos, sem comprometer, em uma perspectiva global, a qualidade dos resultados.
Mensagem final
No tratamento da sepse em pacientes criticamente enfermos, a administração contínua vs. intermitente de betalactâmicos, representados pela piperacilina-tazobactam e meropenem, não se associou à diferença apreciável da mortalidade em 90 dias. Entretanto, a maior taxa de cura da infecção, um desfecho apenas secundário, foi mais frequente na estratégia de infusão contínua, o que gera a necessidade de estudos sequenciais sobre o tema.
Autoria

André Japiassú
Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.
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