Diversas doenças degenerativas, osteometabólicas, inflamatórias articulares, difusas do tecido conjuntivo e de amplificação dolorosa compõem esse grupo de doenças que podem ser classificadas como reumáticas. Dessa maneira, é importante que o médico generalista seja capaz de realizar uma avaliação clínica reumatológica sistematizada e adequada, com o objetivo de aumentar a chance do reconhecimento precoce das doenças e, consequentemente, reduzir a morbidade associada a elas.
Leia também: Rastreamento e profilaxia de infecções crônicas e oportunistas em reumatologia
Epidemiologia
Segundo dados americanos, doenças reumáticas são uma das principais causas de consulta médica e perda da capacidade funcional no país. Estima-se que cerca de 20% de todas as 1,2 bilhões de consultas realizadas em 2013 no território americano foram devidas a queixas musculoesqueléticas, o que gerou um custo anual de 380 bilhões de dólares. Além disso, mais de 50% de todas as incapacidades para o trabalho foram causadas por doenças osteomusculares.
Resultados do BRAZCO, um estudo brasileiro avaliou 5.000 indivíduos maiores de 15 anos através da ferramenta COPCORD, encontraram que aproximadamente 27% dos entrevistados apresentaram dor musculoesquelética sem trauma nos últimos 7 dias, sendo que os sítios mais frequentemente acometidos foram a coluna (77%) e os joelhos (50%).
Em um estudo que conduzimos na cidade do Rio de Janeiro envolvendo 1.000 indivíduos ≥ 18 anos, encontramos a prevalência de 25,4% de dor musculoesquelética persistente (> 4 semanas), que aumentam a probabilidade de doenças reumáticas específicas.
Em um estudo realizado em Montes Claros/MG também utilizando o COPCORD em mais de 3000 indivíduos, Sena et al. encontraram uma significativa prevalência de doenças reumáticas (7,2%), sendo que as mais frequentes foram osteoartrite (4,1%), fibromialgia (2,5%), artrite reumatoide (0,5%) e lúpus eritematoso sistêmico (0,1%).
Um estudo conduzido pela USP evidenciou que as doenças reumáticas lideraram as concessões de benefícios previdenciários em 2014, com quase 20% de todos os auxílios-doença e 13% de todas as aposentadorias por invalidez
Dessa forma, é possível perceber que as doenças reumáticas são frequentes, geram dor e disfunção e possuem alto impacto socioeconômico.
Saiba mais: Novos guidelines sobre uso de medicamentos da reumatologia na gestação e lactação
Quadro clínico
As doenças reumáticas, como grupo, apresentam manifestações clínicas muito diversas, muitas delas com acometimento multissistêmico, o que pode dificultar o raciocínio clínico. Nessa seção, tentarei sistematizar a abordagem de modo a facilitar o entendimento e a aplicação dos conceitos básicos para um diagnóstico preciso.
Segundo o American College of Rheumatology, estima-se que 80% do diagnóstico reumatológico está na história clínica, 15% no exame físico e apenas 5% nos exames complementares. Assim, uma boa coleta de história clínica é a principal habilidade necessária para diagnósticos corretos em reumatologia.
A dor musculoesquelética, seja ela articular, tendínea, muscular ou óssea, é a principal queixa relacionada à reumatologia, ainda que ela possa não ser a manifestações dominante no quadro clínico do paciente (por exemplo, em um paciente com nefrite lúpica com necessidade de hemodiálise e pouca manifestação articular). Sua instalação pode ser variável, dependendo do quadro em questão: na osteoartrite, a dor é crônica, prolongada, de início insidioso, ao passo que na artrite reumatoide ela pode ter um início e progressão mais rápidos.
Associados ao quadro de dor, vários outros sintomas e sinais podem estar presentes, como edema articular, rigidez, fadiga, fraqueza muscular, crepitações, deformidades, instabilidade e limitações no arco de movimento.
A articulação sinovial é formada por diversas estruturas, a saber: cartilagem, osso subcondral, sinóvia, ligamentos, cápsula, tendões, musculatura, nervos, vasos e a pele sobrejacente. É possível então perceber que a alteração de qualquer uma dessas estruturas pode ser responsável pela queixa de dor referida nas articulações dos pacientes. Desse modo, o primeiro passo na coleta da história e exame físico é entender se a dor do paciente é de origem intra-articular ou não (periarticular ou extra-articular).
Nos quadros de origem intra-articular, os principais determinantes da dor são a variação da pressão intracapsular da articulação e o estresse mecânico sobre a articulação doente. Assim, qualquer tipo de mobilização dessa articulação, seja ativo ou passivo, pode reproduzir a dor do paciente. Diagnósticos relacionados à dor intra-articular: artropatias mecânicas e inflamatórias.
Já nos quadros de origem periarticular, a dor é geralmente provocada pelo aumento da tensão nas estruturas tendíneas, que acontece principalmente durante a contração muscular (com isso a tensão gerada nos tendões é capaz de provocar o deslocamento segmentar do membro). Consequentemente, é esperado que os quadros de dor periarticular sejam precipitados pela movimentação ativa predominantemente, mais do que a passiva. Diagnósticos relacionados à dor periarticular: tendinopatias, bursopatias e entesopatias.
Por fim, os quadros de dor extra-articular não são influenciados pela mobilização articular. Diagnósticos relacionados à dor extra-articular: celulite sobre as articulações.
Definido se o acometimento é intra-articular ou não, o segundo passo é caracterizar qual o provável mecanismo envolvido na dor (mecânica vs. inflamatória).
A dor de origem mecânica advém do estresse mecânico sobre a articulação doente; desse modo, a utilização excessiva pode gerar dor, que se expressa como aquela que surge com o movimento e se alivia com o repouso (geralmente pior ao entardecer ou à noite), não associada a uma rigidez matinal prolongada (geralmente < 30 minutos). Nesses casos, também pode haver dor protocinética (pelo estresse mecânico do primeiro movimento) e instabilidade articular. Diagnósticos relacionados às dores mecânicas: osteoartrite de diferentes causas.
Já a dor de etiologia inflamatória geralmente decorre do acúmulo de líquido intra-articular e distensão das estruturas articulares, além de processos relacionados à inflamação e lesão tecidual em si. Dessa maneira, o repouso prolongado pode agravar a dor, uma vez que durante o repouso os mecanismos de drenagem de líquido estão prejudicados. Assim, é comum que o paciente apresente dor pela manhã (após o período de longo repouso noturno), associado à rigidez matinal prolongada (geralmente > 1 hora), devido à redução da complacência articular causado pelo acúmulo de líquido. Diagnósticos relacionados à dor inflamatória: artropatias inflamatórias (artrite reumatoide, gota, espondiloartrites), doenças difusas do tecido conjuntivo (lúpus, esclerose sistêmica, miopatias inflamatórias) e vasculites sistêmicas.
Um dado que também auxilia nessa diferenciação é a presença de derrame articular no exame físico. Esse é o dado mais específico para a presença de artrite, denotando uma dor de origem inflamatória. Outros dados como calor e hiperemia também são úteis.
Agora o terceiro passo é definir se o processo é agudo ou crônico. Em reumatologia, o processo crônico tem duração de 6 semanas ou mais. Os demais casos são considerados agudos.
A maioria das doenças articulares menores se resolve em 4-6 semanas. Evolução aguda sugere trauma, artrites microcristalinas e infecciosas como etiologia. Já uma evolução crônica sugere osteoartrite, artropatias inflamatórias, doenças difusas do tecido conjuntivo e vasculites sistêmicas.
O quarto passo é definir o número de articulações acometidos. Podemos ter quadros de monoartrite (1 articulação), oligoartrite (2 a 4 articulações) e poliartrite (5 ou mais articulações).
A monoartrite possui um diagnóstico diferencial mais restrito, sendo causada pela artrite microcristalina, artrite séptica, osteoartrite e trauma. Pelo potencial risco de artrite séptica, toda monoartrite deve ser puncionada para melhor avaliação.
A oligoartrite pode ocorrer em diversas doenças, como espondiloartrites, artrites microcristalinas e vasculites sistêmicas.
Já a poliartrite é típica da artrite reumatoide, doenças difusas do tecido conjuntivo e vasculites sistêmicas. Um quadro poliarticular migratório pode ocorrer em pacientes com doença gonocócica disseminada.
Após vencer todos esses 4 passos, a quinta etapa é realizar o reconhecimento de padrões do acometimento articular. Para isso, vamos precisar avaliar diversas características, como a simetria, distribuição (periférica, axial ou ambas), padrão de acometimento de membros e articulações e evolução temporal. Algumas doenças específicas merecem ser citadas e a identificação desse padrões podem auxiliar no diagnóstico etiológico:
- Artrite reumatoide: poliartrite crônica simétrica aditiva, com acometimento de pequenas e articulações de membros superiores e inferiores, com predileção pelo acometimento de mãos e pés. Geralmente poupa coluna dorsal e lombar e interfalangianas distais;
- Gota: geralmente uma monoartrite aguda, em crise, com período intercrítico assintomático, com tendência a acometer principalmente articulações distais de membros inferiores (joelhos, tornozelos e primeira metatarsofalangeana);
- Espondiloartrites axiais: dor axial de caráter inflamatório, podendo estar associada a manifestações periféricas (artrite e entesite);
- Espondiloartrites periféricas: oligoartrite crônica assimétrica, com predileção por acometimento de grandes articulações dos membros inferiores;
- Artrite psoriásica: poliartrite crônica, assimétrica, com maior tendência de acometer pequenas articulações de membros superiores e inferiores;
- Osteoartite: mono ou oligoartrite, que pode assumir caráter assimétrico, com predileção por mãos, joelhos e coluna.
Por fim, a sexta etapa é avaliar a presença de sintomas sistêmicos que podem compor o quadro, na tentativa de identificar alterações que sugiram um diagnóstico específico. Nesse caso, a revisão de sistemas assume um papel muito importante e deve ser conduzida de maneira ampla, porém focada para possibilidades diagnósticas. Por exemplo, glomerulonefrite no lúpus eritematoso sistêmico, espessamento cutâneo e fenômeno de Raynaud na esclerose sistêmica, fraqueza muscular e lesões cutâneas típicas nas miopatias autoimune sistêmicas, entre outras.
Exames complementares
A solicitação de exames complementares em reumatologia deve respeitar a suspeita clínica baseada na história e no exame físico. Apenas dessa forma vamos conseguir predizer a probabilidade pré-teste da doença em investigação e conseguir, de fato, interpretar os resultados de maneira adequada.
De maneira geral, exames laboratoriais gerais e específicos (por exemplo pesquisa de autoanticorpos no caso de suspeita de doença autoimune) e exames de imagem musculoesqueléticos podem auxiliar em casos selecionados. O uso de pacotes prontos de exames complementares não são úteis e oneram o sistema de saúde e o próprio paciente.
Dito isso, a discussão específica de exames complementares em cada uma das situações possíveis foge ao escopo desta revisão.
O uso de ultrassonografia point-of-care vem crescendo ultimamente e seu uso na avaliação dos pacientes com queixas reumatológicas pode ser bastante útil, permitindo a identificação de acometimento intra- ou periarticular, além da diferenciação de causas mecânicas e inflamatórias.
Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial é amplo e sua avaliação sistematizada também auxilia na redução de erros.
No caso de doenças sistêmicas, é desejável que se avalie a possibilidade de alguns grupos de doenças: infecciosas, inflamatórias (inclui doenças autoimunes e autoinflamatórias), oncológicas/neoplásicas, metabólicas/endócrinas e medicamentosas/intoxicações.
A pesquisa de diagnósticos diferenciais para causas regionais para dor deve ser individualiza conforme a queixa do paciente.
Conclusão
Existem várias doenças reumáticas e a avaliação sistematizada pode auxiliar no diagnóstico correto e consequente instituição de um tratamento mais precoce, reduzindo a disfunção e sequelas articulares e sistêmicas.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.