Cuidar de pessoas nunca foi apenas uma questão de técnica. A cada consulta, o médico se vê diante de escolhas que misturam ciência, ética e responsabilidade legal. Uma das situações mais delicadas surge quando o paciente decide não seguir uma orientação ou recusa um tratamento proposto.
Onde termina o direito legítimo de escolha do paciente e onde começa a obrigação do médico em garantir a continuidade do cuidado? Esse fio tênue separa a autonomia da recusa e o abandono do paciente, e entender esses limites é essencial para preservar tanto a saúde quanto a segurança jurídica de quem exerce a medicina.

O que caracteriza e como registrar
Para a advogada Sandra Franco, especialista em Direito Médico há mais de duas décadas, respeitar a autonomia significa permitir que o paciente aceite ou recuse procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, desde que receba informações claras sobre riscos, benefícios e alternativas. “Se o médico informar adequadamente o paciente ou responsável legal, e este decidir interromper ou recusar o tratamento, não há abandono, mas exercício de um direito personalíssimo”, explica. Essa proteção está respaldada pelo Código de Ética Médica (CEM, art. 31) e pela Resolução CFM nº 2.232/2019, que orientam sobre o registro e formalização das decisões do paciente.
Entendendo o abandono médico
O abandono, por sua vez, ocorre quando o médico interrompe unilateralmente o acompanhamento sem comunicação adequada ou sem viabilizar a continuidade da assistência. Segundo o CEM (art. 36), o profissional pode renunciar ao atendimento apenas por motivo justo, garantindo tempo e informações para que outro médico assuma o cuidado. “O abandono ético, civil ou penal pode resultar em sanções que vão desde advertência profissional até indenizações, ou mesmo responsabilização criminal em casos graves”, alerta a especialista.
Postura ética
Na prática clínica, a recusa do paciente não autoriza o encerramento imediato do acompanhamento. O médico deve adotar postura ética e juridicamente segura: orientar sobre todas as opções disponíveis, oferecer alternativas viáveis, registrar detalhadamente a recusa no prontuário e, sempre que possível, colher termo de consentimento ou recusa assinado. Esse cuidado documental não apenas demonstra respeito à autonomia, mas também protege o médico de eventuais questionamentos judiciais ou éticos.
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Erros comuns
Um dos erros mais comuns, segundo a especialista, é interpretar a recusa do paciente como permissão para encerrar abruptamente o vínculo assistencial. A conduta adequada inclui comunicação clara, documentação detalhada, oferta de alternativas e garantia da continuidade do cuidado. “Mesmo diante da recusa, o médico deve manter acompanhamento mínimo ou encaminhar o paciente a outro profissional, evitando configuração de abandono indireto”, destaca.
Limites e responsabilidades
A legislação também prevê a possibilidade de objeção de consciência, quando o procedimento solicitado pelo paciente viola convicções éticas, morais ou religiosas do médico. Nesse caso, a recusa não configura abandono desde que seja realizada com comunicação transparente, registro em prontuário, encaminhamento a outro profissional e manutenção da assistência até que a continuidade do cuidado esteja assegurada.
Além disso, situações especiais merecem atenção: recusa de tratamento em menores ou incapazes, doenças de notificação obrigatória ou risco iminente de morte exigem que o médico siga protocolos legais específicos, acionando Judiciário ou autoridades competentes quando necessário. A documentação detalhada em prontuário e a formalização de termos de recusa continuam sendo ferramentas essenciais para resguardar a atuação profissional.
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Proteção de médico e paciente
Em resumo, segundo a doutora, a autonomia do paciente e o dever do médico de não abandonar seu cuidado são dois pilares que se complementam. Cumprir normas éticas e legais, registrar todas as decisões e manter diálogo aberto são estratégias essenciais para proteger o paciente e resguardar a carreira médica.
Se você é médico ou estudante de medicina e quer se aprofundar no tema para atuar com ainda mais segurança, vale a pena seguir o perfil @drasandrafranco, no Instagram. É por lá que Dra. Sandra compartilha dicas práticas para evitar problemas jurídicos na carreira. Fique de olho!
Autoria

Redação Afya
Produção realizada por jornalistas da Afya, em colaboração com a equipe de editores médicos.
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