Uso de cannabis para tratamento de ansiedade: o que é importante saber?
A prevalência dos transtornos de ansiedade em suas várias formas (e seus correlatos) é considerável na população. Uma parcela desse grupo
também faz uso de cannabis. Dentre os componentes da cannabis, destacam-se o canabidiol (CBD) e o THC. Estudos apontam que, dentre algumas funções do CBD, parece estar a diminuição da ansiedade. Já o THC poderia induzi-la.
Por isso, no estudo de Beletsky et al., publicado em fevereiro deste ano em uma revista especializada em cannabis, os autores realizaram uma revisão sistemática sobre a relação entre esses dois aspectos: cannabis e transtornos de ansiedade. Os autores partiram de algumas hipóteses para avaliar essa relação, como: pacientes com transtornos de ansiedade buscam a cannabis para automedicação; a cannabis pode causar ansiedade; e a existência de um fator confundidor comum que possa mascarar a relação entre eles (teoria do fator comum). Outras teorias, como feedback recíproco – uma unificação da teoria do fator comum e da causalidade – e a hipótese da atribuição errônea ao estresse, carecem de evidências.
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A pesquisa foi realizada em 2022 e buscou artigos em inglês nas bases de dados Pubmed e MEDLINE entre os anos de 2008 e 2022. Os artigos incluídos foram avaliados por apenas um pesquisador, e foram excluídos os trabalhos que não abordassem dados experimentais com modelos de ansiedade ou que os autores consideraram o tipo errado de evidência (ex.: revisões). Não foi realizada metanálise. Os autores afirmam ter seguido a diretriz PRISMA para a confecção da pesquisa. Os achados foram avaliados através de análise de caminhos.
Antes de prosseguir, é necessário ressaltar as limitações destacadas pelos autores e que devem ser consideradas na hora de interpretar a
síntese do resultado e da discussão. O primeiro destaque é a presença de apenas um único revisor na pesquisa. A seguir, deve-se considerar que há poucos estudos sobre o tema e as informações sobre seu efeito são limitadas, sendo necessário destacar que a cannabis pode ser
considerada como uma substância ilícita em várias localidades, dificultando as pesquisas. Os dados encontrados foram considerados
heterogêneos (ex: medidas de mensuração da ansiedade diferentes entre os estudos). Além disso, parece haver uma resposta dose-dependente da substância (com níveis baixos reduzindo a ansiedade, enquanto altos a aumentariam). Finalmente, alguns dos estudos incluídos envolveram adolescentes, sendo que a literatura sugere que o uso de cannabis por esta população pode se relacionar a transtornos do humor, transtornos ansiosos e transtorno por uso de substâncias. Isso poderia justificar separar a população de adultos da de crianças e adolescentes na pesquisa de relações em pesquisas futuras.
Tendo esses pontos em consideração, os resultados e a discussão indicam que, embora haja uma associação entre o uso de cannabis
(regular ou abusivo) e os transtornos de ansiedade, os dados são contraditórios conforme os estudos avaliados.
Ainda não seria possível estabelecer uma causalidade entre os fatores, pois a direção da causalidade ainda não pôde ser esclarecida. Embora evidências apontem que o uso de cannabis se relaciona à ansiedade (seja um transtorno ansioso ou uma ansiedade situacional) e poucas apoiem o inverso, ainda há uma série de limitações na literatura que, segundo os autores, permitem questionar o quão plausível seria esta
relação (ex: inconsistências e baixa especificidade de efeito).
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Em relação à teoria do fator comum, o que se observou é que alguns estudos que inicialmente apontaram uma correlação entre os dois aspectos depois não mostraram resultados significativos após os ajustes para confundidores. Portanto, esta hipótese ainda carece de evidências.
A evidência mais consistente é favorável à hipótese da automedicação. Efeitos como sedação e redução da ansiedade podem servir como motivadores para procurar o uso de cannabis. Contudo, o estabelecimento dessa relação demanda atenção para a avaliação temporal para o início dos sintomas ansiosos e o início do uso de cannabis. Um trabalho com participantes com transtorno pelo uso de cannabis determinou que uma sintomatologia ansiosa precedeu o início do consumo da substância. Com o uso de análise de caminhos, os pesquisadores estabeleceram que a ansiedade situacional foi capaz de prever o uso de cannabis como automedicação. Por isso, os autores sugerem a realização de mais estudos longitudinais para avaliar se o uso de cannabis é, de fato, um fator de risco para os transtornos ansiosos.
Futuramente, outros estudos com a cannabis e seus efeitos no organismo podem levar a novas hipóteses e ajudar a esclarecer este tema.
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