No terceiro dia do Congress on Brain, Behavior and Emotions – BRAIN 2025, ocorreu uma mesa redonda sobre o “cérebro com obesidade”, centrada em aspectos neurobiológicos da obesidade.
O Papel das Funções Executivas na Obesidade
A primeira apresentação foi conduzida pela Dra. Luciana da Conceição Antunes, professora adjunta de Nutrição Clínica na UFSC. A professora trouxe como a obesidade é uma condição de saúde complexa, multifatorial e recidivante, que envolve processos de neuroplasticidade desadaptativos, alterando as decisões relacionadas à alimentação.
As funções executivas (FE) são processos cognitivos que regulam pensamentos e ações. Elas são classificadas como FE hot (mais racional, ligada ao controle inibitório e memória de trabalho) e cold (aspectos emocionais/motivacionais, como tomada de decisão e flexibilidade cognitiva). As pessoas que vivem com obesidade apresentam déficits em FE cold e hot em relação a pessoas eutróficas. O que pode ser uma das explicações para a dificuldade em regular as escolhas alimentares e sustentar alterações no estilo de vida que são intervenções fundamentais no tratamento da obesidade.
A associação entre prejuízos nas FEs e a obesidade é bidirecional e déficits nas FEs parecem ser preditoras de ganho de peso em crianças, adolescentes e adultos. Diferenças funcionais e estruturais implicadas no processamento da recompensa e FEs podem expor adolescentes a um maior risco de consumo excessivo de alimentos hiperpalatáveis.
A professora trouxe ainda alguns achados do seu grupo de pesquisa. Dentre eles um estudo que visou avaliar se a modulação do córtex pré-frontal direito associada a intervenções nutricionais poderia potencializar a resposta terapêutica. No trabalho, a combinação das técnicas não produziu uma maior resposta. Outro estudo apontado investigou intervenções nutricionais fundamentadas na TCC online por 5 semanas via Instagram para sobrepeso e obesidade, com perda significativa de peso, mas não houve redução da classe de gravidade da compulsão alimentar (hipotetizou-se se a duração da intervenção teria sido insuficiente para captar mudanças que ocorreriam mais gradualmente).
Por fim, a professora ressaltou que a obesidade é uma condição dimensional, apresenta fenótipos variáveis, incluindo a magnitude dos prejuízos das FEs e que os achados descritos na apresentação evidenciam uma relação de associação e não de causalidade.
Novos neurônios e novas memórias no contexto da obesidade
A palestra conduzida pela Dra. Debora Kurrle Rieger Venske, professora Adjunta do departamento de nutrição da UFSC, começou com uma imagem de um apetitoso bolo de chocolate, seguida da provocação sobre os afetos que aquela imagem nos desperta, para em seguida discutir como decidimos comer ou não comer um alimento. Estímulos emocionais, lembranças e memórias estão associadas a tais processos deliberativos. Estar com fome ou saciado poderia mobilizar a decisão de comer ou não, mas o que sabemos é que o processamento de sinais nutritivos e o consumo de alimentos está muito além do controle homeostático do hipotálamo. Valores que atribuímos ao alimento, aspectos sociais da alimentação (ser julgada, ser feio, questões culturais e religiosas) são fundamentais na alimentação.
Nossas expectativas sobre a alimentação são influenciadas por memórias de nossas experiências passadas, como as ocasiões específicas em que comemos determinados alimentos (o que aumenta o prazer subsequente e a probabilidade de gostar e desejar comer novamente aquele alimento). São as memórias de episódios alimentares específicos que determinam a probabilidade de escolher novamente um alimento.
Dessa forma, o hipocampo está envolvido na regulação dos comportamentos alimentares por meio do processamento de informações mnêmicas, como lembrar se comeu, as associações condicionais, onde a comida está localizada, identificar estados interoceptivos de fome e lembrar como aliviar esses estados. Por outro lado, minutos após uma refeição completa, pessoas com amnésia e lesão hipocampal comem uma segunda refeição se oferecida.
Alterações cognitivas, especialmente déficits de aprendizado e memória, têm sido relatadas em casos de obesidade. A neurogênese adulta é fundamental para o aprendizado, a memória, a resposta ao estresse e a regulação do humor e a obesidade causa alterações na memória dependente do hipocampo, especialmente levando a prejuízos na neurogênese (através da redução da sinalização da insulina, leptina e em fatores neurotróficos) e déficits de aprendizado e memória.
Mas o papel do hipocampo não é apenas memória. Ele expressa altos níveis de receptores de insulina, grelina, glicocorticoides e receptores canabinoides, sugerindo que a região também regula a ingestão alimentar por processos não mnemônicos. É importante destacar que os achados descritos acima sugerem que o hipocampo possa regular o comportamento alimentar, mas os mecanismos neurais responsáveis não são conhecidos.
Interações entre obesidade e transtornos psiquiátricos
Por fim, o Dr. Táki Athanássios Cordás, coordenador do Programa de Transtornos Alimentares (AMBULIM) do IPQ-HCFMUSP fez uma debate sobre as relações da obesidade com os transtornos psiquiátricos. O Dr. Táki ao iniciar sua apresentação nos conduziu pela representação da obesidade desde a Grécia Antiga como uma situação ligada a fraqueza moral, descontrole, egoísmo e incapacidade de dividir. Para ele, considerar a obesidade uma doença não afastou a culpabilização, a avaliação moral e o estigma.
O estigma imputado as pessoas que vivem com obesidade, por sua vez, aumenta o risco de depressão, ansiedade, transtornos alimentares e suicídio, bem como impede o acesso dessas pessoas aos cuidados em saúde. Inúmeros são os entraves para que essas pessoas acessem os serviços de saúde, incluindo o comportamento dos profissionais, que tendem a tratar pior as pessoas que vivem com obesidade.
Mulheres que vivem com obesidade apresentam em torno de 38% de depressão e 10% das pessoas com depressão vivem com a obesidade. A associação entre obesidade e transtornos ansiosos fica em torno de 27%, entre transtorno de personalidade boderline e obesidade grau III é de 24%. Enquanto a prevalência de transtorno de compulsão alimentar (TCA) na população geral é de 3-4%, nas pessoas que vivem com obesidade é de 5-15%, 15-30% das pessoas que vivem com obesidade em tratamento e 20-50% das pessoas que vivem com obesidade candidatas à cirurgia.
Um dado alarmante, diante da elevada prevalência da condição, é que apenas 3,2% das pessoas com TCA tinham um diagnóstico por parte dos profissionais de saúde no Brasil. Em outro estudo, avaliando o conhecimento de psiquiatras brasileiros sobre os transtornos alimentares, somente 38,22% dos participantes acertaram os critérios diagnósticos de TCA.
O desconhecimento atrelado ao sofrimento vivenciado pelas pessoas que vivem com obesidade pelo estigma conduz, muitas vezes, a intervenções terapêuticas inadequadas e ineficazes, com as pessoas se submetendo a dietas restritivas que rapidamente levam ao reganho de peso. Essa dinâmica, conhecida como efeito iô-iô ou rebote, aumenta o risco de abandono ao tratamento. O professor ainda chamou atenção para uma dinâmica reducionista de sair prescrevendo indiscriminadamente fluoxetina para pessoas com TCA sem entender a complexidade do fenômeno ou instituir outras intervenções terapêuticas. É fundamental que uma discussão ampliada e qualificada sobre as pessoas que vivem com obesidade entre profissionais da saúde e população em geral seja promovida para reverter esse quadro aterrador.
Mensagem Final
A obesidade é uma condição crônica, recorrente, com uma fisiopatologia multifatorial complexa, envolvendo genética, má adaptação metabólica, alterações neuroendócrinas, mudanças no estilo de vida, na composição alimentar e desigualdades sociais. Explicações simplistas da condição corroboram para o estigma direcionado a pessoas que vivem com a obesidade (gordofobia) e precisam ser enfrentadas de modo a assegurar tratamento digno e acesso à saúde a essas pessoas.
Confira os principais destaques da cobertura do BRAIN 2025!
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