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Psiquiatria22 abril 2025

Impactos da gordofobia na saúde física e mental

A gordofobia causa inúmeros prejuízos, incluindo comprometimento do bem-estar psicossocial, humor deprimido, aumento dos fatores de risco metabólicos e baixa autoestima
Por Tayne Miranda

A gordofobia é um sistema de opressão estrutural que se caracteriza por atitudes e representações negativas que desvalorizam as pessoas com base em seu peso, podendo incluir preconceito, discriminação, humilhação, inferiorização, patologização, estereótipos (ex.: pessoas com sobrepeso são preguiçosas) e exclusão social. Embora seja vivenciado por pessoas de todos os pesos, é principalmente direcionada a pessoas que vivem com obesidade.  

Inúmeras são as situações sociais nas quais a gordofobia se manifesta, como em ambientes de trabalho (como desigualdade nas oportunidades de emprego) e em ambientes médicos e de assistência à saúde (por exemplo, visões preconceituosas de profissionais da saúde em relação a pessoas com obesidade e decisões enviesadas na prestação de cuidados de saúde a pacientes com obesidade). Desse modo, a gordofobia pode levar a consequência negativas na saúde física e mental.  

Evidências mostram que os fatores que levam ao ganho de peso são complexos e que o corpo humano é programado para não perder peso. Desse modo, é um equívoco comum achar que o peso corporal de uma pessoa está sob seu controle e que a obesidade resulta de escolhas individuais e, como tal, pode ser facilmente revertida comendo menos e se exercitando mais. Essa crença reforça estereótipos negativos de pessoas que vivem com obesidade, incluindo preguiça e falta de força de vontade e subestima os efeitos de determinantes sociais (como pobreza), ambientais e comerciais da saúde. 

obesidade

Gordofobia 

A gordofobia causa inúmeros prejuízos, incluindo comprometimento do bem-estar psicossocial, humor deprimido, aumento dos fatores de risco metabólicos e baixa autoestima. Em crianças e adolescentes, a gordofobia está associada a desfechos psicossociais e físicos graves, como o aumento do risco de depressão, ansiedade, isolamento social, uso de substâncias, pensamentos suicidas, imagem corporal negativa, baixa autoestima, comportamentos alimentares não saudáveis, compulsão alimentar, diminuição da atividade física e aumento do ganho de peso. 

Em estudos no Reino Unido, a gordofobia explicou aproximadamente 40% da associação entre obesidade e sintomas depressivos e 29% da associação entre obesidade e disfunções fisiológicas (o que pode ser um reflexo do estresse social crônico). Pesquisas também relataram que a gordofobia está associada ao aumento do estresse e da ingestão de calorias, podendo levar ao ganho de peso − tanto crianças quanto adultos que sofrem gordofobia têm maior probabilidade de fazer a transição do sobrepeso para a obesidade em comparação àqueles que não sofrem, o que pode contribuir para disparidades de saúde e aumentar o risco de mortalidade. Além disso, a gordofobia está associada a consumo de alimentos ingestão de alimentos altamente calóricos, comer emocional e compulsão alimentar e a esquiva de exercícios físicos e de cuidados com a saúde. 

Em uma meta-análise de 2016, a prevalência da percepção de discriminação relacionada ao peso foi de 19,2% entre pessoas com obesidade classe I (IMC = 30–34,99 kg/m²) e de 41,8% entre indivíduos com obesidade classe II (IMC ≥ 35 kg/m²), com maior prevalência entre as mulheres. Uma pesquisa no Reino Unido mostrou que 88% das pessoas que vivem com obesidade relatou ter sofrido gordofobia, 42% se sentiam desconfortáveis ao falar com seu clínico geral sobre o peso, e apenas 26% relataram ter sido tratadas com dignidade e respeito por profissionais de saúde ao buscar aconselhamento ou tratamento relacionado ao peso. Esses achados podem, em parte, explicar por que muitas pessoas que vivem com obesidade evitam acessar os serviços de saúde. Mulheres que vivem com obesidade adiam o rastreio para câncer, o que é agravado pelo fato de 83% dos médicos relutarem em fazer exame físico em mulheres que vivem com obesidade. 

Uma meta-análise de 2022 de estudos sobre gordofobia entre profissionais de saúde descobriu que médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, podólogos e fisiologistas do exercício tinham atitudes implícitas ou explícitas (ou ambas) de preconceito de peso em relação a pessoas com obesidade. Essas atitudes negativas são relatadas até mesmo por profissionais de saúde especializados em lidar com obesidade, que descrevem pessoas que vivem com obesidade como preguiçosas, estúpidas, não obedientes, sem força de vontade e indisciplinadas. As evidências indicam que os médicos passam menos tempo em consultas, oferecem menos educação sobre saúde, têm menos respeito por pessoas com maior peso corporal e relatam que cuidar de pessoas que vivem com obesidade é uma perda de tempo em comparação com pessoas mais magras. 

Saiba mais: Como proceder para evitar a gordofobia nas consultas de saúde?

Estigma e saúde pública 

Historicamente, os governos negligenciam condições de saúde que afetam “grupos socialmente indesejáveis”. As políticas relacionadas à obesidade são, em alguns casos, estigmatizantes e, apesar das evidências que mostram os fatores biológicos e genéticos que regulam o peso, essas políticas abordam a questão como uma responsabilidade puramente individual, resultando em uma retórica focada unicamente na dieta e no exercício físico. Ao invés de culpar as pessoas que vivem com obesidade por não “tomarem conta da sua própria saúde”, as políticas públicas devem focar em promover mudanças sociais que abordem os determinantes mais amplos da saúde associados à obesidade, uma vez que pesquisas mostram que intervenções de saúde pública encorajando mudanças individuais e partindo do pressuposto que as pessoas não têm consciência do seu próprio peso e têm pouca compreensão do controle de peso, podem, na verdade, reforçar a gordofobia.  

Percebe-se que a gordofobia é praticada sem hesitação ou vergonha, passando muitas vezes desapercebida, uma vez que há uma ampla aceitação dessa forma de opressão. Pesquisas mostram, inclusive, que a gordofobia tem aumentado ao longo do tempo. Representações estigmatizantes e desumanas na mídia contribuem para a formação e manutenção da gordofobia e muitas vezes encorajam comportamentos discriminatórios. Até mesmo conteúdo para crianças e adolescentes representam pessoa que vivem com obesidade como lentas, glutonas e preguiçosas, com menos qualidades de amizade e fisicamente menos atraente. 

Historicamente o uso índice de massa corporal (IMC) como ferramenta diagnóstica para definir a obesidade foi duramente criticado por não refletir a complexidade da questão e não levar em consideração a composição corporal ou a saúde do indivíduo.  O consenso publicado este ano pela The Lancet Diabetes & Endocrinology a respeito do diagnóstico da obesidade representa um avanço nesse sentido, ampliando os critérios para além do IMC e empregando outras formas de avaliação da adiposidade, como a relação cintura-quadril e, quando disponíveis, métodos complementares de avaliação da composição corporal.  

Ações para combater a gordofobia 

Linguagem: É importante utilizar linguagem não estigmatizante. Termos como obeso, extragrande e obeso mórbido devem ser evitados, pois são percebidos negativamente por pessoas que vivem com obesidade. Em vez disso, deve-se dar preferência por termos neutros como “peso elevado”. Vale destacar que muitos militantes preferem o uso do termo “gordo” no lugar de “obeso”, uma vez que a obesidade possui um viés medicalizante que associa peso a doença. 

Legislação: A legislação é fundamental para garantir igualdade de condições aos grupos marginalizados da sociedade. Em nível global, poucos países adotaram medidas legislativas para combater a discriminação por peso. 

Mídia: Recomenda-se o uso de um linguajar que priorize a pessoa, evitando linguagem combativa (ex.: “a guerra contra a obesidade”). No entanto, muitas vezes há uma resistência à mudança por parte da mídia porque imagens e representações estigmatizantes geram envolvimento com o conteúdo. O discurso normalmente usado em relação à obesidade reflete pessimismo, medo e desconforto — emoções que tendem a gerar frustração, desespero e ansiedade. Isso está de acordo com pesquisas que destacaram que as mensagens de saúde pública mais positivas e motivadoras foram aquelas que não mencionaram a palavra “obesidade”, com foco em gerar mudanças comportamentais saudáveis ​​sem referência ao peso corporal. 

É urgente que a gordofobia seja reconhecida e enfrentada. Acabar com a gordofobia é fundamental, não apenas do ponto de vista dos direitos humanos e da justiça social, mas também para permitir que as pessoas possam acessar um estilo de vida mais saudável e que não esteja compulsoriamente relacionado a perda ponderal. Para tal, é essencial que a voz das pessoas que vivem com obesidade seja ouvida. 

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Referências bibliográficas

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