A revista médica European Journal of Pediatrics publicou recentemente um interessante estudo sobre o neurodesenvolvimento de bebês com prematuridade tardia, ou seja, que nasceram entre 34 semanas e 37 semanas incompletas.
Os prematuros tardios são cerca 70% de todos os bebês pré-termo, sendo importante entender se este é um fator de risco para comprometimento do desenvolvimento neurológico.
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Metodologia
O estudo aconteceu na Índia e avaliou de forma retrospectiva bebês nascidos entre 2013 e 2015 com prematuridade tardia que após a alta foram acompanhados em ambulatório de neurodesenvolvimento até 2 anos de idade corrigida. As crianças que faleceram antes dos 2 anos de idade ou que apresentavam anomalias congênitas foram excluídas do projeto.
Foram levados em consideração fatores de risco perinatal, neonatal e materno através do prontuário do paciente. Os bebês foram avaliados por neonatologistas, fonoaudiólogos, psicólogos e fisioterapeutas ao longo do seu acompanhamento no ambulatório. Quando identificado qualquer atraso, a criança era agendada para visitas mais frequentes para que recebesse intervenção precoce no domínio em questão.
Na análise do desenvolvimento foi feita utilizando o Developmental Assessment Scale for Indian Infants (DASII), uma adaptação da escala de Bayley para avaliação de crianças indianas. A partir dessa avaliação, foram calculados o consciente de desenvolvimento motor (motor development quotient – DMoQ) e o consciente de desenvolvimento mental (mental development quotient – DMeQ)
Resultados
De um total de 477 prematuros tardios que foram identificados, 299 foram incluídos no estudo, sendo acompanhados até seus 2 anos de idade corrigida. Destes, 123 nasceram de 34 semanas, 91 de 35 semanas e 85 de 36 semanas.
Dentre os fatores perinatais, aquele com maior incidência foi hipertensão induzida pela gestação (21,4%). Com relação aos eventos neonatais, quadros respiratórios foram descritos em 54,5% dos bebês, icterícia em 27,7% e sepse em 19,7%. Não houve diferença entre os grupos de idades gestacionais com relação a estes fatores de risco.
As medianas de escore Z aos 2 anos de idade corrigida para peso, perímetro cefálico e comprimento foi de -1.05, -1.29 e -1.28, respectivamente.
A pontuação média do DMoQ aos 2 anos de idade corrigida foi de 93,55, enquanto a do DMeQ foi de 89,59. A incidência de atraso motor importante (DMoQ < 70) foi de 2,67% e de atraso mental importante (DMeQ < 70) foi de 5,01%. Foram identificadas alterações importantes na visão e audição de 1,33% e 2%, respectivamente.
Os autores chamam atenção para a mediana de DMoQ ser maior que a de DMeQ, embora dentro da normalidade. Os escores mentais mais baixos podem sugerir dificuldades que só seriam percebidas a longo prazo, como performance escolar.
Foi observado comprometimento grave, moderado e leve/ausente no desenvolvimento neurológico em respectivamente 6,35%, 5,35% e 88,29% dos bebês. A análise estatística conduzida identificou doença do sistema nervoso central e sepse como preditores independentes para comprometimento moderado a grave do neurodesenvolvimento.
Os achados são consistentes com a literatura disponível, com frequências semelhantes de surdez e comprometimento da visão. Aos 2 anos de idade corrigida a principal alteração observada em outras populações foi justamente o prejuízo cognitivo.
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Conclusões
Embora as incidências de comprometimento do neurodesenvolvimento, surdez e prejuízo da visão possam parecer baixas em um primeiro momento, comparando com bebês a termo o risco desses eventos em bebês pré-termo tardios é significativamente maior. Estes dados refletem a importância de abordagens que possibilitem redução dos fatores de risco para parto pré-termo, especialmente a hipertensão gestacional, e o acesso dos bebês a acompanhamento especializado capaz de identificar e manejar precocemente possíveis atrasos.
Comentários
O estudo tem limitações que o próprio autor pontua, como os vieses próprios de estudos retrospectivos, o fato de ter sido usada uma adaptação da escala Bayley e não a escala em si, o que limita a possibilidade de generalizar estes resultados e o acompanhamento apenas até os 2 anos, sem que possa se identificar outros possíveis prejuízos de desenvolvimento e cognição a longo prazo.
Ainda assim, é um estudo interessante por ilustrar quais são os principais fatores perinatais, maternos e neonatais para comprometimento do neurodesenvolvimento, o que permite identificar alvos para ações na tentativa de reduzir o parto pré-termo tardio e também identificar as crianças sob maior risco de atraso no desenvolvimento, de forma que sejam acompanhadas mais de perto e recebam intervenções precoces.
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