Durante o 27° Congresso Brasileiro de Perinatologia (PERINATO 2025), o tema “hipotermia terapêutica (HT) em países de baixa e média renda” foi abordado na conferência “Da Evidência à Prática: Hipotermia Terapêutica na Encefalopatia Neonatal” do palestrante internacional Dr. Roger Soll (EUA).
A HT é atualmente o padrão de cuidado em países de alta renda para o tratamento da encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI) moderada ou grave em neonatos a termo e quase a termo. No entanto, ainda há incerteza quanto à sua eficácia em contextos com poucos recursos ou em países de baixa e média renda.
O Dr. Soll enfatizou que coletar um número grande de casos é essencial para podermos analisar os resultados de forma robusta. A revisão sistemática “Cooling for newborns with hypoxic ischemic encephalopathy”, publicada na Cochrane Database of Systematic Reviews em 2007 e atualizada em 2012 e 2022, mostrou que o risco relativo de morte é reduzido em cerca de 25%. A diferença absoluta de risco também diminui, aproximadamente 9%, podendo chegar a 13% em algumas análises, o que representa uma redução clinicamente importante. Ao converter essa diferença absoluta de risco em número necessário para tratar (NNT), concluiu-se que para cada 11 recém-nascidos (RN) com EHI moderada ou grave tratados com HT, evitamos uma morte. Isso representa uma intervenção com impacto substancial, considerando a gravidade da condição. Quando é avaliada incapacidade neurológica grave, observa-se também redução significativa. Isso é particularmente relevante porque, embora a primeira preocupação seja reduzir a mortalidade, não se deseja aumentar o número de sobreviventes com sequelas importantes. O efeito observado apontou para uma diminuição de 37% no risco relativo de incapacidade grave, com uma diferença absoluta de aproximadamente 13%, resultando em um NNT de cerca de 7 a 8 RN para prevenir um caso de incapacidade significativa. Ao analisar o desfecho composto (morte ou incapacidade), o efeito é ainda mais robusto, com uma redução aproximada de 15% no risco absoluto. Assim, para cada 6 ou 7 RN tratados, evita-se um desfecho grave. Trata-se de uma evidência muito consistente e clinicamente relevante. Entretanto, a maioria desses ensaios foi conduzida em países de alta renda, utilizando critérios rigorosos para definir RN com EHI moderada ou grave. A partir desse conjunto de evidências, surgiram recomendações firmes já em 2008, indicando que a HT deveria ser adotada de forma ampla. No entanto, implementar uma terapia eficaz não é tão simples quanto parece.
Veja também: Encefalopatia neonatal: uma revisão sistemática dos resultados dos tratamentos
Para ilustrar, o palestrante citou o ensaio clínico randomizado (ECR) Hypothermia for moderate or severe neonatal encephalopathy in low-income and middle-income countries (HELIX): a randomised controlled trial in India, Sri Lanka, and Bangladesh, de Thayyil e colaboradores (2021) (também conhecido como “estudo Helix”). Este estudo avaliou 408 RN com EHI neonatal moderada ou grave, randomizados para HT corporal total ou cuidado padrão nas primeiras seis horas de vida. Não houve diferença significativa no desfecho primário combinado de óbito ou incapacidade moderada a grave aos 18–22 meses, ocorrendo em 50% dos RN do grupo HT e 47% do grupo controle. Contudo, a mortalidade isolada foi significativamente maior no grupo submetido à HT (42% versus 31%), especialmente durante a hospitalização neonatal. Portanto, este ECR mostrou que a HT não reduziu o desfecho combinado de óbito ou incapacidade aos 18 meses após EHI neonatal em países de baixa e média renda, mas aumentou significativamente a mortalidade isoladamente. Dessa forma, a interpretação foi de que a HT não deveria ser oferecida como tratamento para EHI neonatal nesses países, mesmo quando há disponibilidade de unidades terciárias de terapia intensiva neonatal (UTIN).
Conclusão
Os resultados observados na literatura e apresentados na palestra evidenciam que, embora a HT represente um dos maiores avanços na neuroproteção do RN com EHI em países de alta renda, sua aplicação em contextos de países de baixa e média renda demanda extrema cautela. As diferenças estruturais, a variabilidade dos critérios clínicos e a limitação de recursos impactam diretamente a segurança e o desempenho da intervenção, como pôde ser observado no estudo Helix. Diante desses desfechos, a mensagem final do tema nessas condições de escassez de recursos reforça que a adoção da HT não pode ser automática nem uniforme, devendo sempre considerar o contexto assistencial, a capacidade operacional dos serviços e, sobretudo, a segurança do RN, até que novas evidências robustas permitam orientar sua implementação de forma segura e efetiva nesses cenários. A HT é um método muito promissor, mas bastante complexo.
Autoria

Roberta Esteves Vieira de Castro
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
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