A obesidade infantil tem aumentado continuamente em todo o mundo, com uma prevalência de 19,7% entre crianças e adolescentes de 2 a 19 anos nos Estados Unidos. Esse cenário está associado a riscos significativos à saúde, incluindo diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e diversos tipos de câncer. Apesar dos esforços para incentivar uma alimentação mais saudável e maior atividade física, as estratégias eficazes para o controle do peso ainda são limitadas.
Recentemente, os agonistas do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1) surgiram como uma opção promissora no tratamento da obesidade. Inicialmente desenvolvidos para tratar o diabetes tipo 2, esses medicamentos atuam diminuindo o esvaziamento gástrico, reduzindo o apetite e aumentando a saciedade por meio de efeitos no sistema nervoso central. Um editorial recém-publicado no The New England Journal of Medicine (NEJM) explorou o papel dos agonistas do receptor GLP-1, especialmente a liraglutida, no manejo da obesidade infantil, veja os principais pontos abordados:
Principais descobertas e discussão
Agonistas do receptor GLP-1: mecanismo e eficácia
- Incretinas como GLP-1 são hormônios liberados em resposta à ingestão de alimentos, estimulando a secreção de insulina e inibindo a produção de glucagon. No entanto, o GLP-1 tem uma meia-vida curta, pois é rapidamente degradado pela dipeptidil peptidase-4 (DPP-4).
- Para contornar esse problema, foram desenvolvidos agonistas do receptor GLP-1, como a liraglutida, que têm demonstrado grande eficácia no controle do peso corporal.
Ensaios clínicos em adolescentes e crianças
- Um ensaio clínico randomizado e controlado em adolescentes (12-17 anos) mostrou que a liraglutida reduziu significativamente o escore padronizado de IMC ao longo de um ano.
- O estudo SCALE-Kids, realizado com crianças de 6 a 12 anos, revelou uma redução de 0,4 desvios padrão no IMC em comparação com placebo.
- No entanto, 80% das crianças que receberam liraglutida relataram efeitos colaterais gastrointestinais, principalmente náuseas e vômitos, durante o período de ajuste da dose.
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Preocupações e limitações
- Alterações na composição corporal não foram avaliadas no estudo SCALE-Kids, o que dificulta saber se a perda de peso ocorreu devido à redução de gordura ou perda de massa muscular.
- Desigualdades socioeconômicas e étnicas: Poucas crianças de grupos sub-representados (por exemplo, apenas 6 crianças negras) participaram do estudo, dificultando a extrapolação dos resultados para essas populações.
- O estudo observou um efeito rebote no IMC após a interrupção do tratamento, sugerindo que pode ser necessário uso contínuo da medicação para evitar a recuperação do peso.
Perspectivas futuras
- Estudos de longo prazo são essenciais para avaliar os efeitos dos agonistas do receptor GLP-1 no crescimento, puberdade e saúde metabólica das crianças.
- Pesquisas em andamento estão investigando formulações injetáveis de administração semanal e agonistas do receptor GLP-1 orais para crianças e adolescentes com obesidade e diabetes tipo 2.
- Ensaios futuros devem comparar os agonistas do receptor GLP-1 com outras estratégias para obesidade, incluindo mudanças no estilo de vida e cirurgia bariátrica.
Conclusão
A introdução dos agonistas do receptor GLP-1 como opção terapêutica para a obesidade infantil representa um avanço importante na abordagem do excesso de peso em crianças e adolescentes. A liraglutida demonstrou ser eficaz na redução do IMC, mas ainda existem preocupações sobre efeitos colaterais, segurança a longo prazo e necessidade de uso contínuo. Pesquisas futuras são essenciais para esclarecer o papel desses medicamentos e seus impactos na saúde das crianças com obesidade.
O endocrinologista e nutrólogo pediátrico têm papel crucial no manejo destes pacientes assim como na interpretação profunda dos estudos científicos recém-publicados, avaliando minuciosamente a validade externa dos dados obtidos, não sendo apenas conduzidos pela pressão da indústria e, até mesmo, de seus pacientes e ou familiares.
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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