Um artigo muito interessante publicado recentemente no JAMA concluiu que, entre crianças criticamente enfermas que necessitam de ventilação não invasiva (VNI) pós-extubação, a cânula nasal de alto fluxo (CNAF) em comparação com o CPAP (Continuous Positive Airway Pressure) não atendeu ao critério de não inferioridade para o tempo de liberação do suporte ventilatório.
Atualmente, o modo ideal de primeira linha de VNI após a extubação de crianças não é conhecido. Dessa forma, o objetivo do estudo Effect of High-Flow Nasal Cannula Therapy vs Continuous Positive Airway Pressure Following Extubation on Liberation From Respiratory Support in Critically Ill Children foi avaliar a não inferioridade da terapia com CNAF como modo de primeira linha de VNI após a extubação, em comparação com o CPAP em termos de tempo de liberação de qualquer suporte ventilatório.
Metodologia
O estudo, realizado no Reino Unido, pragmático, multicêntrico, randomizado e de não inferioridade, foi conduzido em 22 Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP).
Um total de 600 pacientes pediátricos de 0 a 15 anos avaliados clinicamente para a necessidade de VNI dentro de 72 horas pós-extubação foram recrutados entre 8 de agosto de 2019 e 18 de maio de 2020, com o último acompanhamento concluído em 22 de novembro de 2020.
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A randomização ocorreu da seguinte forma: os pacientes foram randomizados 1:1 para iniciar a CNAF a uma taxa de fluxo baseada no peso do paciente (n = 299) ou CPAP de 7 a 8 cmH2O (n = 301).
O desfecho primário foi o tempo desde a randomização até a liberação do suporte ventilatório. Esse tempo foi definido como o início de um período de 48 horas durante o qual a criança estava livre de todas as formas de ventilação (invasiva ou não), avaliado contra uma margem de não inferioridade de uma taxa de risco ajustada (adjusted hazard ratio – aHR) de 0,75. Houve seis desfechos secundários, incluindo mortalidade no dia 180 e reintubação em 48 horas.
Resultados
Das 600 crianças que foram randomizadas, 553 foram incluídas na análise primária. A idade média dos pacientes foi de 3 meses. Do total, 241 eram meninas (44%). O total de pacientes do grupo CNAF foi 281 e, do grupo CPAP, 272.
A CNAF não atendeu à não inferioridade, com um tempo médio de liberação de 50,5 horas versus 42,9 horas para CPAP (aHR, 0,83; intervalo de confiança unilateral de 97,5% , 0,70-). Portanto, o limite de confiança unilateral de 97,5% para a razão de risco foi de 0,70, o que não atingiu a margem de não inferioridade de 0,75.
Resultados semelhantes foram observados em subgrupos pré-especificados. Dos seis desfechos secundários pré-especificados, cinco não mostraram diferença significativa, incluindo a taxa de reintubação em 48 horas (13,3% para CNAF versus 11,5% para CPAP). A mortalidade no dia 180 foi significativamente maior para a CNAF (5,6%) do que para o CPAP (2,4%).
Os eventos adversos mais comuns foram:
- Distensão abdominal (CNAF: 8/281 [2,8%] versus CPAP: 7/272 [2,6%]);
- Trauma nasal/facial (CNAF: 14/281 [5,0%] versus CPAP: 15/272 [5,5%]).
Conclusão
Os pesquisadores concluíram que, entre as crianças criticamente enfermas que necessitam de VNI após a extubação, a CNAF, em comparação com o CPAP, não atendeu ao critério de não inferioridade para o tempo de liberação do suporte ventilatório.
Comentários
A CNAF tem sido usada amplamente nos últimos anos como forma de VNI, especialmente em pacientes pediátricos com diagnósticos de bronquiolite, pneumonia e/ou asma. No entanto, não é a realidade em muitos locais, em especial em países em desenvolvimento, como o Brasil. Em locais onde há disponibilidade, costuma ser a primeira escolha nessas condições.
No caso do período pós-extubação imediato, observo uma tendência dos pediatras intensivistas a indicar o uso da CNAF. Todavia, diante desse estudo (maravilhoso, por sinal), os resultados obtidos nos levam a pensar com um pouco mais de cuidado, de forma individualizada.
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