O monitoramento de rotina para delirium, dor, agitação e síndrome de abstinência, ao instituir um modelo interdisciplinar de atendimento, é vital para garantir os melhores desfechos, de acordo com as primeiras diretrizes abrangentes sobre cuidados em pacientes pediátricos graves, desenvolvidas pela Society of Critical Care Medicine (SCCM). As diretrizes PANDEM, publicadas no jornal Pediatric Critical Care Medicine, retratam a prática atual preconizada em Medicina Intensiva Pediátrica e fornecem recomendações para abordar e manejar analgesia, sedação, bloqueio neuromuscular e delirium, levando em consideração o ambiente da UTIP e a mobilização precoce.
A equipe de pesquisa das diretrizes PANDEM foi composta por 29 especialistas americanos que colaboraram de 2009 a 2021 via teleconferência e/ou por e-mail pelo menos mensalmente para planejamento, revisão de literatura e desenvolvimento, revisão e aprovação das recomendações. A força-tarefa completa se reúne anualmente e de forma presencial durante o Congresso da SCCM para relatórios de progresso e estratégias adicionais (a reunião presencial final ocorreu em fevereiro de 2020). Durante todo esse processo, o manual de procedimentos operacionais padrão da SCCM para o desenvolvimento de diretrizes foi respeitado. Ao final, foram emitidas 44 recomendações (14 fortes e 30 condicionais) e cinco declarações de boas práticas. A seguir, encontra-se um resumo dessas novas recomendações que, com certeza, irão revolucionar a prática da Medicina Intensiva Pediátrica globalmente.
Analgesia
Recomendação |
Força da recomendação |
Qualidade da evidência |
Sugere-se que, em pacientes pediátricos graves com 6 anos de idade ou mais que sejam capazes de se comunicar, a avaliação da dor por meio de autorrelato seja realizada rotineiramente usando a Escala Visual Analógica, Escala Numérica, Escala Oucher ou Escala de Faces Wong-Baker. |
Condicional | Baixa |
Recomenda-se o uso das escalas FLACC ou COMFORT-B para avaliar a dor em pacientes pediátricos graves não comunicativos. |
Forte |
Moderada |
Recomenda-se o uso de ferramentas de avaliação observacional da dor em vez de apenas sinais vitais para avaliação da dor pós-operatória em pacientes pediátricos graves. |
Forte |
Moderada |
Sugere-se o uso de ferramentas de avaliação observacional da dor em vez de apenas sinais vitais para a avaliação da dor relacionada ao procedimento em pacientes pediátricos graves. |
Condicional |
Baixa |
Recomenda-se o uso de opioides IV como analgésicos primários para o tratamento da dor moderada a intensa em pacientes pediátricos graves. |
Forte |
Moderada |
Recomenda-se a adição de um AINE adjunto (IV ou VO) para melhorar a analgesia pós-operatória precoce em pacientes pediátricos graves. |
Forte |
Moderada |
Sugere-se a adição de um agente AINE adjunto (IV ou VO) para diminuir a necessidade de opioides no pós-operatório imediato em pacientes pediátricos graves. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se a adição de paracetamol adjuvante (IV ou VO) para melhorar a analgesia pós-operatória precoce em pacientes pediátricos graves. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se a adição de paracetamol adjuvante (IV ou VO) para diminuir a necessidade de opioides no pós-operatório imediato em pacientes pediátricos graves. |
Condicional |
Baixa |
Recomenda-se que a musicoterapia seja oferecida para aumentar a analgesia em pacientes pediátricos graves em pós-operatórios. |
Forte |
Moderada |
Recomenda-se que a sucção não nutritiva com sacarose oral seja oferecida a recém-nascidos e lactentes antes da realização de procedimentos invasivos. | Forte |
Alta |
Legenda: AINE – antiinflamatório não esteroidal; FLACC – acrônimo de Faces, Legs, Activity, Cry, and Consolability; IV – intravenoso; VO – via oral.
Sedação
Recomendação |
Força da recomendação |
Qualidade da evidência |
Recomenda-se o uso da Escala COMFORT-B ou da SBS, para avaliar o nível de sedação em pacientes pediátricos ventilados mecanicamente. |
Forte |
Moderada |
Sugere-se o uso da RASS para avaliar o nível de sedação em pacientes pediátricos ventilados mecanicamente. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se que todos os pacientes pediátricos que necessitam de VM recebam uma profundidade alvo de sedação usando uma ferramenta de avaliação de sedação validada, pelo menos uma vez ao dia. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se o uso de sedação protocolizada em todos os pacientes pediátricos críticos que necessitem de sedação e/ou analgesia durante a VM. |
Condicional |
Baixa |
A adição da interrupção diária da sedação à protocolização da sedação não é sugerida devido à carência de melhora nos resultados. |
Condicional |
Baixa |
Durante o período de periextubação, quando a sedação é normalmente atenuada, sugerimos as seguintes estratégias para diminuir o risco de remoção inadvertida do dispositivo:
|
Condicional |
Baixa |
Sugere-se o uso de α2-agonistas como classe sedativa primária em pacientes pediátricos graves que necessitam de VM. |
Condicional |
Baixa |
Recomenda-se que a dexmedetomidina seja considerada como agente primário para sedação em pacientes pediátricos graves em pós-operatório de cirurgia cardíaca com expectativa de extubação precoce. |
Forte |
Moderada |
Sugere-se o uso de dexmedetomidina para sedação em pacientes pediátricos graves em pós-operatório de cirurgia cardíaca para diminuir o risco de taquiarritmias. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se que a sedação contínua com propofol em doses inferiores a 4mg/kg/h (67 µg/kg/min) e administrada por menos de 48h possa ser uma alternativa segura de sedação para minimizar o risco de desenvolvimento da síndrome de infusão relacionada ao propofol. |
Condicional |
Baixa |
A sedação contínua com propofol de curta duração (< 48 horas) pode ser um adjuvante útil durante o período de periextubação para facilitar o desmame de outros agentes analgosedativos antes da extubação. |
Boas práticas | |
Sugere-se considerar sedação adjunta com cetamina em pacientes que não estão em uma profundidade de sedação ideal. |
Condicional |
Baixa |
Durante o período de periextubação, quando a sedação é tipicamente atenuada, sugere-se as seguintes estratégias para diminuir o risco de remoção inadvertida do dispositivo:
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Condicional |
Baixa |
Legenda: RASS – Escala de Agitação-Sedação de Richmond; SBS – State Behavioral Scale; VM – ventilação mecânica.
Bloqueio neuromuscular
Recomendação |
Força da recomendação |
Qualidade da evidência |
Sugere-se que o monitoramento em “train-of-four” seja usado em conjunto com a avaliação clínica para determinar a profundidade do bloqueio neuromuscular. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se usar a dose mais baixa de BNM necessária para alcançar os efeitos clínicos desejados e manejar o movimentos indesejados. |
Condicional |
Baixa |
O monitoramento baseado em EEG pode ser um auxiliar útil para a avaliação da profundidade da sedação em pacientes pediátricos graves que recebem BNM. |
Boas práticas | |
Sugere-se que a sedação e a analgesia sejam adequadas para prevenir a consciência antes e durante o uso do BNM. |
Condicional |
Baixa |
Recomenda-se o uso rotineiro de fechamento passivo das pálpebras e lubrificação ocular para a prevenção de abrasões da córnea em pacientes pediátricos graves que recebem BNM. |
Forte |
Moderada |
Legenda: BNM – bloqueador neuromuscular; EEG – eletroencefalograma.
Delirium em UTIP
Recomendação |
Força da recomendação |
Qualidade da evidência |
Recomenda-se o uso das ferramentas psCAM-ICU, pCAM-ICU ou CAPD como as ferramentas de monitoramento de delirium mais válidas e confiáveis em pacientes pediátricos graves. |
Forte |
Alta |
Recomenda-se a triagem de rotina para delirium na UTIP usando uma ferramenta validada em pacientes pediátricos graves na admissão por alta ou transferência da UTIP. |
Forte |
Alta |
Dado o baixo risco do paciente e o possível benefício para reduzir a incidência e/ou diminuir a duração ou gravidade do delirium, sugerem-se as seguintes estratégias não farmacológicas: otimização da higiene do sono, uso de rounds interdisciplinares, envolvimento da família nos rounds e envolvimento da família no atendimento direto ao paciente. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se a realização de MP, quando viável, para reduzir o desenvolvimento de delirium. |
Condicional |
Baixa |
Recomenda-se minimizar a sedação à base de benzodiazepínicos, quando possível, em pacientes pediátricos graves para diminuir a incidência e/ou duração ou gravidade do delirium. |
Forte |
Moderada |
Sugerem-se estratégias para minimizar a exposição geral à sedação sempre que possível para reduzir o coma e a incidência e/ou gravidade do delirium em crianças graves. |
Condicional |
Baixa |
Não sugerimos o uso rotineiro de haloperidol ou antipsicóticos atípicos para a prevenção ou diminuição da duração do delirium em pacientes pediátricos graves. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se que, em pacientes pediátricos graves com delirium refratário, o haloperidol ou antipsicóticos atípicos sejam considerados para o manejo de manifestações graves de delirium, levando em consideração os possíveis efeitos adversos dos medicamentos. |
Condicional |
Moderada |
Recomenda-se um ECG de base seguido de monitoramento de rotina de eletrólitos e intervalo QTc para pacientes recebendo haloperidol ou antipsicóticos atípicos. |
Forte |
Moderada |
Legenda: CAPD – Cornell Assessment of Pediatric Delirium; ECG – eletrocardiograma; MP – mobilização precoce; pCAM-ICU – Pediatric Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit; psCAM-ICU – Preschool Confusion Assessment Method for the Intensive Care Unit; UTIP – Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica.
Síndrome de abstinência iatrogênica
Recomendação |
Força da recomendação |
Qualidade da evidência |
Recomenda-se o uso da escala WAT-1 ou da SOS para a avaliação de SAI devido à retirada de opioides ou benzodiazepínicos em pacientes pediátricos graves. |
Forte |
Moderada |
Sugere-se a triagem de rotina da SAI após uma duração mais curta (3 a 5 dias), quando doses mais altas de opioides ou benzodiazepínicos são usadas. |
Boas práticas | |
Até que uma ferramenta de triagem validada seja desenvolvida, o monitoramento da SAI de agonistas α2 deve ser realizado usando uma combinação de sintomas associados (hipertensão inexplicável ou taquicardia) com o uso adjunto de uma ferramenta validada de triagem de benzodiazepínicos ou opioides. |
Condicional |
Moderada |
Sugere-se que a SAI relacionada a opioides seja tratada com terapia de reposição de opioides para atenuar os sintomas, independentemente da dose anterior e/ou duração ou exposição ao opioide. |
Condicional |
Baixa |
A SAI relacionada a benzodiazepínicos deve ser tratada com terapia de reposição de benzodiazepínicos para atenuar os sintomas, independentemente da dose anterior e/ou duração da exposição ao benzodiazepínico |
Boas práticas | |
A SAI relacionada ao α2-agonista deve ser tratada com terapia de reposição de α2-agonista IV e/ou enteral para atenuar os sintomas, independentemente da dose anterior e/ou duração da exposição ao α2-agonista. |
Boas práticas | |
Sugere-se o uso de um protocolo padronizado para desmame de sedação/analgesia para diminuir a duração da redução da sedação e atenuar o surgimento de SAI. |
Condicional | Baixa |
Legenda: IV – intravenoso; SAI – síndrome de abstinência iatrogênica; SOS – Sophia Observation Scale; WAT-1 – Withdrawal Assessment Tool 1.
Otimizando o ambiente
Recomendação |
Força da recomendação |
Qualidade da evidência |
Sugere-se a facilitação da presença dos pais ou cuidadores na UTIP durante os cuidados de rotina e procedimentos intervencionistas para:
|
Condicional |
Baixa |
Sugere-se oferecer aos pacientes o uso de dispositivos redutores de ruído, como tampões ou fones de ouvido, para reduzir o impacto do ruído ambiente não modificável. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se que as equipes da UTIP realizem mudanças ambientais e/ou comportamentais para reduzir o ruído excessivo e, consequentemente, melhorar a higiene e o conforto do sono, em pacientes pediátricos graves. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se a realização de MP para minimizar os efeitos da imobilidade em pacientes pediátricos graves. |
Condicional |
Baixa |
Sugere-se o uso de um protocolo de MP padronizado que descreva critérios de prontidão, contraindicações, atividades e metas de mobilidade apropriadas ao desenvolvimento e limites de segurança guiados pela equipe multidisciplinar e pela tomada de decisões da família. |
Condicional |
Baixa |
Legenda: MP – mobilização precoce; UTIP – Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica.
Referências bibliográficas:
- Smith HAB, Besunder JB, Betters KA, et al. 2022 Society of Critical Care Medicine Clinical Practice Guidelines on Prevention and Management of Pain, Agitation, Neuromuscular Blockade, and Delirium in Critically Ill Pediatric Patients With Consideration of the ICU Environment and Early Mobility. Pediatr Crit Care Med. 2022;23(2):e74-e110. doi:10.1097/PCC.0000000000002873
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