A colite ulcerativa aguda grave (CUAG) representa uma emergência médica em gastroenterologia pediátrica, com risco elevado de complicações e necessidade frequente de intervenções terapêuticas escalonadas. A abordagem tradicional baseia-se em parâmetros clínicos e laboratoriais, como o escore PUCAI, para orientar a resposta ao tratamento com corticosteroides intravenosos. No entanto, há crescente interesse na utilização de ferramentas de imagem não invasivas que permitam avaliação objetiva, repetível e precoce da atividade inflamatória.
O ultrassom intestinal (USI) tem emergido como uma ferramenta promissora nesse cenário. É um método bem tolerado por crianças, de baixo custo relativo e com aplicabilidade em tempo real no leito, sendo capaz de influenciar decisões clínicas rapidamente. Estudos retrospectivos prévios sugerem que parâmetros ultrassonográficos, como espessura da parede intestinal e aumento da vascularização, podem predizer falha ao tratamento com corticosteroides. Durante o Congresso Europeu de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2025), o Dr. Lucas Scarallo, da Itália, apresentou dados atuais sobre o uso do USI em pacientes com CUAG.
Métodos
Estudo observacional prospectivo multicêntrico realizado entre março de 2020 e dezembro de 2024 em 10 centros especializados em doença inflamatória intestinal (DII) pediátrica. Foram incluídos pacientes com colite ulcerativa aguda grave (CUAG) hospitalizados e tratados com corticosteroides intravenosos. Cada paciente realizou dois exames de ultrassom intestinal (USI): o primeiro até 48 horas após o início da corticoterapia e o segundo entre o 5º e 7º dia.
Foram avaliados cinco parâmetros ultrassonográficos por segmento colônico (espessura da parede, vascularização, linfonodos, hiperecogenicidade mesentérica e estratificação da parede), além do escore de Milão. Dados clínicos e laboratoriais foram coletados nas semanas 2, 4 e 8.
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Dentre os resultados encontrados, destacam-se os seguintes:
- Participantes: 60 pacientes pediátricos com CUAG.
- Falha terapêutica: 65% (n=39) necessitaram infliximabe.
- Parâmetros como espessura da parede (> 5 mm) e escore de Milão (> 7.8) nos quadrantes esquerdos previram falha aos corticosteroides com boa acurácia (AUC significativa).
- Colectomia: 10 pacientes (3 antes do segundo USI; 7 após). A perda da estratificação da parede no USI 1 foi associada à refratariedade médica.
- No USI 2, todos os parâmetros estavam significativamente piores nos pacientes com evolução desfavorável.
- Pacientes que atingiram remissão clínica livre de esteroides e normalização da calprotectina fecal apresentaram escore de Milão significativamente menor no USI 2.
Discussão
Este estudo multicêntrico prospectivo confirma que o USI pode atuar como ferramenta objetiva e precoce na predição de falha terapêutica em CUAG pediátrica. A associação entre parâmetros ultrassonográficos precoces e a falência ao tratamento com corticosteroides intravenosos, bem como com a necessidade de colectomia, reforça a aplicabilidade clínica do USI em contextos agudos.
A avaliação seriada também mostrou utilidade para prever a resposta sustentada ao tratamento, incluindo remissão clínica livre de esteroides e normalização da inflamação mucosa (via calprotectina fecal). Isso apoia o uso do USI não apenas como diagnóstico, mas como guia dinâmico de decisão terapêutica, permitindo intervenções precoces e individualizadas.
As principais limitações incluem o tamanho amostral relativamente pequeno para análises de subgrupos e a ausência de leitura centralizada, dada a natureza operador-dependente do USI. Apesar disso, a padronização do protocolo entre os centros participantes representa uma força metodológica relevante.
Conclusão e mensagem prática: ultrassom intestinal na CUAG
O ultrassom intestinal, quando utilizado em protocolo seriado nos primeiros dias de tratamento da colite ulcerativa aguda grave em crianças, mostra-se uma ferramenta eficaz na predição de falha terapêutica, necessidade de escalonamento precoce e desfechos clínicos de curto prazo.
A incorporação do USI como parte do manejo de rotina da CUAG pode otimizar o cuidado, reduzir complicações e personalizar a abordagem terapêutica de forma segura e eficiente. Apesar disso, temos uma falha ainda em nosso país em relação a formação de profissionais habilitados para realizar USI, em especial aqueles que executam esse exame nos pacientes pediátricos. Vale relembrar que USI é totalmente diferente do ultrassom abdominal convencional e deve ser realizado por um profissional experiente e treinado para este fim.
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