A obesidade infantil é uma condição multifatorial, tradicionalmente associada ao desequilíbrio entre ingestão calórica e gasto energético, mas também influenciada por fatores genéticos, estilo de vida e ambiente social. Nos últimos anos, o papel da microbiota intestinal tem emergido como um novo fator modulável, com crescente evidência de sua associação com obesidade e comorbidades metabólicas.
Durante o congresso da European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN 2025), foi discutida a evolução do conhecimento sobre esse tema, desde a caracterização da microbiota até as possibilidades de intervenção terapêutica. De forma objetiva, veja:
Quem está lá? A composição da microbiota intestinal
Estudos iniciais, como o de Rutel et al., mostraram que modelos animais obesos apresentam uma maior proporção de Firmicutes em relação a Bacteroidetes, sugerindo que a obesidade pode estar associada a perfis específicos de microbiota. Em crianças, observou-se que aquelas com obesidade metabolicamente não saudável possuem menor diversidade microbiana em comparação às metabolicamente saudáveis, além de correlações com risco cardiovascular, especialmente pela presença de bactérias como Akkermansia.
O que elas fazem? Mecanismos fisiopatológicos
A microbiota intestinal atua como um órgão metabólico ativo. Produz ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs), a partir da fermentação de fibras, influenciando a saciedade, resistência à insulina, inflamação e estocagem de gordura. Outros mecanismos incluem:
- Metabolismo de aminoácidos e ácidos biliares;
- Produção de trimetilamina-N-óxido (TMAO), relacionada à aterosclerose;
- Aumento da permeabilidade intestinal com translocação de lipopolissacarídeos e ativação inflamatória crônica.
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O que podemos fazer com esse conhecimento? Intervenções terapêuticas
Diversas estratégias têm sido estudadas para modular a microbiota intestinal:
- Predição de resposta à intervenção: Em estudos com crianças submetidas a entrevistas motivacionais, maior diversidade microbiana se associou a melhor resposta cardiovascular. A definição de pontos de corte pode ajudar na personalização das intervenções.
- Intervenções dietéticas: Dietas balanceadas, como a mediterrânea, têm impacto positivo na diversidade microbiana e na produção de AGCCs. Uma revisão sistemática identificou melhora na diversidade e no perfil inflamatório com dietas hipocalóricas adaptadas à faixa etária pediátrica.
- Suplementação com prebióticos/probióticos/simbióticos: Mostram efeitos promissores sobre parâmetros antropométricos e inflamatórios, mas ainda há incertezas sobre cepas ideais, doses e duração.
- Transplante de microbiota fecal (TMF): Embora eficaz em outras condições, os dados em obesidade pediátrica são limitados, com efeitos discretos e alto risco de efeitos adversos.
- Intervenções genéticas direcionadas: Cepas bacterianas modificadas geneticamente para produzir GLP-1 mostram potencial em modelos animais, mas ainda distantes da prática clínica.
Conclusão
Apesar dos avanços, grandes desafios permanecem:
- Alta heterogeneidade entre os estudos (população, métodos de coleta e análise).
- Falta de definição de uma “microbiota saudável” como referência terapêutica.
A microbiota intestinal desempenha papel central na fisiopatologia da obesidade e representa um alvo terapêutico promissor. No entanto, ainda estamos explorando apenas a superfície desse complexo sistema.
Mensagens práticas
- A microbiota intestinal influencia diretamente o metabolismo, inflamação e regulação do apetite;
- Crianças com obesidade metabolicamente saudável e não saudável apresentam perfis microbianos distintos;
- Dietas balanceadas e personalizadas devem ser a primeira linha de intervenção para modular a microbiota;
- Diversidade microbiana pode ajudar a prever a resposta a estratégias de perda de peso;
- Ainda não existe uma microbiota ideal estabelecida; mais estudos padronizados são necessários.
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