A obesidade infantil representa um dos maiores desafios de saúde pública da atualidade. Projeções globais indicam um aumento contínuo da prevalência até 2050, afetando países em todos os continentes. Diante desse cenário, é essencial compreender os múltiplos fatores envolvidos, incluindo aspectos biológicos, psicossociais e clínicos, para desenvolver abordagens mais eficazes e humanizadas no cuidado às crianças com obesidade, durante uma sessão do Congresso Europeu de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (ESPGHAN 2025), esse tópico foi discutido, trazendo uma visão para a compreensão ampla da obesidade infantil, com foco nos aspectos biológicos.
Obesidade: Muito além do excesso de peso
Tradicionalmente, a obesidade foi ensinada nos cursos de medicina como uma condição associada a mais de 200 comorbidades, incluindo doenças metabólicas, mecânicas, mentais e até malignas. Embora essas complicações sejam reais e relevantes, essa perspectiva limitada não contempla a complexidade da obesidade, especialmente em populações pediátricas.
Aspectos psicossociais e a importância da abordagem humanizada
Muitos pacientes pediátricos com obesidade vivenciam estigma, vergonha e isolamento social, especialmente quando suas rotinas envolvem baixa atividade física e comportamentos sedentários, como o uso excessivo de dispositivos eletrônicos. Nessas situações, a escuta ativa, a empatia e a valorização das preferências individuais da criança são fundamentais para estabelecer uma aliança terapêutica e promover mudanças sustentáveis.
A biologia do apetite e o conceito de “food noise”
Um dos principais sintomas relatados por crianças com obesidade é o aumento da fome e o pensamento constante sobre comida, também conhecido como food noise. Esse sintoma é, muitas vezes, mais preocupante para o paciente do que os riscos clínicos a longo prazo, como diabetes ou doença hepática.
A regulação do apetite é influenciada por fatores genéticos e hormonais. Estudos com gêmeos mostram que o peso corporal possui alta herdabilidade. Mais de mil genes já foram associados à obesidade, muitos deles com expressão predominante no cérebro. O sistema nervoso central coordena o comportamento alimentar por meio de dois mecanismos principais:
- Regulação homeostática: controle do balanço energético via hipotálamo;
- Regulação hedônica: relacionada ao prazer e recompensa alimentar.
Esses sistemas automáticos, muitas vezes, sobrepõem-se ao controle cognitivo voluntário, explicando a dificuldade que muitos pacientes enfrentam para reduzir a ingestão alimentar, mesmo quando conscientes de suas necessidades.
Hormônios intestinais: papel crucial na saciedade
Hormônios como o GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon tipo 1) e o GIP (peptídeo inibidor gástrico) são secretados por células intestinais e atuam diretamente na saciedade, eles vem sido amplamente discutidos nos últimos anos, logo, é de extrema importância que o pediatra tenha essa visão da fisiologia da obesidade, de forma clara. Estudos demonstram que indivíduos com obesidade apresentam níveis significativamente reduzidos de GLP-1 após refeições, e que a perda de peso tende a diminuir ainda mais essa secreção, dificultando a manutenção do emagrecimento.
Em crianças com obesidade e resistência à insulina, observam-se baixos níveis desses hormônios, além de hiperglicemia e hiperinsulinemia pós-prandial, sugerindo uma disfunção metabólica precoce.
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Cirurgia bariátrica e modulação hormonal
A cirurgia bariátrica, tanto em adultos quanto em adolescentes, promove modificações anatômicas que impactam diretamente a liberação de hormônios intestinais. Após o procedimento, observa-se um aumento substancial dos níveis de GLP-1 e PYY (peptídeo YY), melhorando a sensação de saciedade e o controle alimentar. Esses efeitos contribuem para os resultados sustentáveis observados após a cirurgia, além das restrições mecânicas impostas pelo procedimento.
Conclusão e mensagem prática: obesidade infantil
A obesidade deve ser compreendida como uma condição multifatorial, na qual fatores biológicos desempenham papel central. Reduzir essa complexidade à simples falta de força de vontade contribui para o estigma e dificulta o acesso a tratamentos eficazes e humanizados.
É fundamental que profissionais da saúde estejam preparados para abordar a obesidade infantil com base na ciência, sensibilidade e respeito. A integração entre áreas clínicas, biológicas e psicossociais é essencial para oferecer cuidado de qualidade às crianças e adolescentes que vivem com obesidade, reconhecendo suas necessidades individuais e promovendo caminhos viáveis para uma vida mais saudável.
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