O corpo humano abriga trilhões de células microbianas, especialmente no intestino, cujas ações coordenadas são essenciais para uma vida saudável. A microbiota intestinal é formada majoritariamente por bactérias, mas também é composta por vírus, fungos, eucariontes e arqueas.1 O desenvolvimento e maturação desse ecossistema microbiano constitui um processo dinâmico extremamente complexo, influenciado por diversos fatores, como: condições perinatais, como modo de parto, tipo de alimentação após o nascimento e uso de antibióticos.2 A dieta (especialmente se rica em gorduras), a idade e o estado metabólico da mãe, bem como a genética e o estilo de vida da família, também impactam na formação da microbiota infantil.2 O desenvolvimento de uma microbiota intestinal saudável na infância é especialmente importante, pois pode influenciar o desenvolvimento físico e mental, além de impactar diretamente no aparecimento de doenças na fase adulta.3
Impacto da via de parto e idade gestacional
Recém-nascidos que nascem por parto vaginal entram em contato com a microbiota vaginal e fecal materna, resultando na colonização do intestino neonatal por microrganismos associados à vagina, como Lactobacillus. Por outro lado, bebês nascidos por cesariana são mais propensos a serem colonizados por microrganismos da pele materna e do ambiente hospitalar. Já neonatos prematuros exibem colonização intestinal retardada com microrganismos anaeróbios comensais, como Bifidobacterium ou Bacteroides, e suas fezes contêm níveis significativamente mais altos de Enterobacteriaceae, Enterococcus e outros microrganismos patogênicos oportunistas em comparação com neonatos a termo.2
Impacto do aleitamento materno e alimentação na primeira infância
A amamentação fornece uma mistura de nutrientes e agentes pró e antimicrobianos que favorece o desenvolvimento da chamada “microbiota do leite materno”.2,4 Estudos recentes têm demonstrado que o leite materno, longe de ser um fluido estéril, constitui uma excelente e contínua fonte de bactérias comensais para o intestino. Por outro lado, bebês alimentados com fórmula são expostos a diferentes carboidratos, bactérias e (micro)nutrientes, resultando em diferentes padrões de colonização microbiana.4 Comparativamente, as fezes de bebês amamentados contêm níveis mais altos de bifidobactérias e lactobacilos e níveis mais baixos de patógenos potenciais em comparação com aqueles alimentados com fórmula, que apresentam uma microbiota intestinal mais diversa dominada por estafilococos, Bacteroides, clostrídios, enterococos, enterobactérias e o gênero Atopobium.2,5
A cessação da amamentação e a transição para uma dieta composta por alimentos sólidos variados causa um aumento na diversidade alfa da microbiota intestinal infantil essencial para sua maturação.6 A idade exata em que uma estrutura de microbiota adulta e estável é formada ainda é incerta, mas geralmente ocorre por volta dos 2,5 a 3 anos de vida.6 Nessa idade, a maioria dos grupos bacterianos já atingiu um estado de estabilidade da microbiota adulta, sendo por isso ressaltada a importância da formação da microbiota nos primeiros 1000 dias de vida.3
Influência do Estresse, Estilo de Vida e Antibióticos
Estresse e estilo de vida (qualidade do sono, exposição a substâncias químicas, estressores físicos e psicológicos, estressores e experiências adversas na infância e tipo de dieta) também podem impactar significativamente a microbiota intestinal. O estresse crônico, tanto em crianças quanto em adultos, está associado a alterações na composição da microbiota, o que pode levar a um aumento de bactérias patogênicas e uma diminuição de bactérias benéficas, impactando no eixo cérebro-intestino-microbiota.7,8 Isso pode resultar em uma maior suscetibilidade a doenças inflamatórias, distúrbios emocionais e transtornos metabólicos.2 O uso indiscriminado de antibióticos também pode impactar negativamente a microbiota, devendo ser evitado sempre que possível.9
Modulação da microbiota por agentes probióticos
O crescente número de estudos demonstrando os benefícios de longo prazo para a saúde proporcionados por uma microbiota intestinal infantil saudável levaram ao desenvolvimento de estratégias para modular a microbiota durante a infância. Uma dessas estratégias é através do uso de probióticos, os quais apresentam propriedades imunomoduladoras e anti-inflamatórias, incluindo melhora na função da barreira mucosa intestinal e inibição da adesão de patógenos potenciais. Existem diversos trabalhos demonstrando benefícios do uso de probióticos na redução do risco de enterocolite necrotizante em recém-nascidos pré-termo, de cólica/dor abdominal em bebês, no desenvolvimento de alergias, na duração de diarreia aguda, etc.2
Até mesmo o uso de probióticos durante a gestação parece ser benéfico. A suplementação de L. rhamnosus para mulheres durante o segundo e terceiro trimestres de gravidez resultou na manutenção de uma microbiota vaginal livre de microrganismos patogênicos e ajudou a manter um pH vaginal baixo.10 Quando fornecido às mulheres durante e após a gravidez, mostrou colonizar os intestinos de seus bebês e foi correlacionado com um aumento na abundância de bifidobactérias no intestino infantil.11
Conclusão
A construção e manutenção de uma flora intestinal saudável desde a infância é crucial para a promoção da saúde geral e prevenção de doenças. Pediatras têm um papel fundamental na orientação dos pais sobre práticas alimentares saudáveis, manejo do estresse e o uso racional de antibióticos. Promover uma microbiota equilibrada pode não apenas melhorar a saúde digestiva, mas também ter impactos positivos no desenvolvimento neurocognitivo e na saúde mental das crianças, além de, potencialmente, reduzir a incidência de doenças na idade adulta.
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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