Em maio de 2020 a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) emitiu uma nota científica intitulada “dermatomiosite juvenil”, que traz as principais características clínicas e epidemiológicas da doença, além de abordagem diagnóstica e terapêutica. Segue um resumo da publicação.
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Definição de Dermatomiosite Juvenil
A dermatomiosite juvenil (DMJ) é uma doença autoimune multissistêmica que cursa com inflamação da pele e da musculatura estriada.
Epidemiologia
- A DMJ é rara
- Incidência varia de 1,9 a 4 casos por milhão
- A DMJ representa 16 – 20% dos casos de dermatomiosite
- Distribuição igual entre os continentes
- Mais prevalente no sexo feminino
- Mais prevalente e mais grave na raça negra
- Média do início dos sintomas: 5,7 a 6,9 anos de idade
- Média da idade ao diagnóstico: 7,4 a 7,6 anos
- 25% dos casos iniciam com menos de 4 anos de idade
Manifestações clínicas da Dermatomiosite Juvenil
- Início geralmente insidioso
- Manifestações gerais:
- Febre
- Indisposição
- Fadiga
- Anorexia
- Perda de peso
- Fenômeno de Raynaud (2 a 15% dos casos)
- Manifestações cutâneas
- Heliotropo (edema violáceo ou eritematoso em pálpebras)
- Rash facial (geralmente não poupa o sulco nasolabial, difere do rash malar do lúpus)
- Rash eritematopapular em superfícies extensoras das articulações dos dedos das mãos, joelhos e cotovelos (pápulas de Gottron)
- Lipodistrofia (principalmente em face, tronco e membros superiores)
- Úlceras cutâneas, especialmente em proeminências ósseas
- Manifestações musculoesqueléticas
- Fraqueza muscular proximal simétrica (geralmente nas cinturas pélvica e escapular)
- Fraqueza de musculatura flexora do pescoço
- Disfonia
- Disfagia de transferência
- Edema muscular
- Dor muscular generalizada
- Artrite / artralgia
- Calcinose
- Manifestações cardíacas
- Pouco frequentes
- Taquicardia
- Pericardite
- Miocardite (raro)
- Arritmias (raro)
- Manifestações pulmonares
- Doença pulmonar restritiva nas formas mais graves
- Ocorre por fraqueza da musculatura respiratória
- Pneumopatia intersticial (raro, confere pior prognóstico)
- Doença pulmonar restritiva nas formas mais graves
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Exames complementares
- Exames laboratoriais:
- Avaliação de lesão muscular (CPK, aldolase, TGO, DHL)
- Hemograma (pode mostrar anemia de doença crônica e leucócitose discreta, além de mielotoxicidade pelo tratamento)
- Provas de atividade inflamatória (PCR e VHS)
- FAN é positivo em 41 – 75% dos casos
- Anticorpos miosite-específicos geralmente são negativos na DMJ
- Outros exames:
- Eletroneuromiografia
- Geralmente só realizado se há dúvida no diagnóstico
- Observa-se descargas repetitivas de alta frequência, potenciais de denervação e ondas polifásicas com amplitude e duração menores
- Biópsia muscular
- Também restrita a casos de dúvida diagnóstica ou falha ao tratamento
- Permite o diagnóstico diferencial com outras miopatias
- Geralmente é realizada no músculo deltoide ou quadríceps
- Evitar utilizar o músculo no qual foi realizada a eletroneuromiografia (optar pelo lado contralateral)
- Ressonância magnética
- As imagens em T1 mostram a anatomia do músculo, podendo evidenciar fibrose, atrofia e lipossubstituição
- As imagens em T2 com supressão de gordura ou STIR podem ver edema muscular (hipersinal), o que geralmente indica inflamação em atividade. Pode ver também sinais inflamatórios na pele, subcutâneo e fáscia muscular
- Pode ajudar no raciocínio diagnóstico
- Serve também para guiar o melhor sítio para biópsia muscular
- Radiografia musculoesquelética
- Rastreio de calcinoses
- Eletroneuromiografia
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Diagnóstico de Dermatomiosite Juvenil
- Baseado nos critérios de Boham e Peter de 1975
- Diagnóstico “provável”: rash típico + 2 outros critérios
- Diagnóstico “definitivo”: rash típico + 3 outros critérios
Critérios de Boham e Peter para dermatomiosite
- Fraqueza muscular proximal e simétrica
- Alterações de pele características: heliotropo e pápulas de Gottron
- Elevação de enzimas musculares (CPK, aldolase, TGO e DHL)
- Alterações características de miopatia e denervação na eletroneuromiografia
- Biópsia muscular evidenciando necrose e inflamação
Diagnósticos diferenciais
- Polimiosite juvenil
- Miosites infecciosas
- Psoríase
- Lúpus eritematoso sistêmico
- Miopatias congênitas
- Distrofias musculares
Tratamento
- Estabelecer metas de tratamento junto ao paciente e à família
- Orientar que não há cura, e sim remissão
- Medidas gerais:
- Fotoproteção
- Dieta e hidratação adequadas
- Fisioterapia para evitar sequelas ou reabilitar lesões já instaladas
- Tratamento medicamentoso:
- Glicocorticoides sistêmicos
- É consenso que todos os pacientes com DMJ devem receber glicocorticoides
- Em casos graves pode-se optar pela pulsoterapia intravenosa
- Evitar altas doses diárias e uso prolongado devido aos efeitos colaterais
- Glicocorticoides tópicos
- Devem ser usados em regime de exceção devido ao efeito atrofiante na pele
- Hidroxicloroquina
- Recomendada para todos os pacientes com DMJ que não tiverem contraindicações
- Dose até 5 mg/kg/dia
- Metotrexato oral ou subcutâneo
- Imunossupressor mais utilizado na atividade muscular e cutânea na DMJ
- Inicio precoce, junto ao glicocorticoide
- Associar ácido fólico para redução de efeitos colaterais
- É necessária avaliação periódica de enzimas hepáticas
- Ciclosporina
- É considerada como imunossupressor de primeira linha por alguns autores
- Ciclofosfamida
- Principal indicação são as úlceras cutâneas, principalmente sobre proeminências ósseas
- Em casos refratários:
- Rituximabe
- Anti-TNF alfa
- Anti-IL-1
- Experiência limitada para transplante de medula óssea
- Glicocorticoides sistêmicos
Prognóstico
- A DMJ pode ter 3 cursos:
- Monocíclico: pacientes que entram em remissão nos primeiros 2 anos do diagnóstico
- Policíclico: pacientes que apresentam recidivas
- Crônico contínuo: atividade de doença que persiste por mais de 2 anos
- Caso o diagnóstico e tratamento sejam precoces, e houver boa aderência ao tratamento, o prognóstico é bom
- As complicações relacionadas à doença como atrofia muscular e calcinose são relacionadas ao atraso do diagnóstico e tratamento
- Calcinose e ulcerações cutâneas decorrentes de vasculopatia são critérios de mau prognóstico
- É preciso monitorar os efeitos adversos dos glicocorticoides e imunossupressores.
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