Os tumores hepáticos primários em crianças são extremamente raros, representando apenas 1% a 4% de todos os tumores sólidos pediátricos. Entre eles, o hepatoblastoma (HBL) é o mais comum nos primeiros dois anos de vida. Por outro lado, a hiperplasia nodular focal (HNF) costuma ser diagnosticada em idades mais avançadas e raramente é descrita como uma lesão congênita. A diferenciação entre essas condições, especialmente entre lesões semelhantes à HNF e o HBL puro-fetal, pode ser desafiadora, impactando diretamente nas decisões terapêuticas importantes. Este relato descreve um recém-nascido com uma lesão hepática congênita semelhante à HNF que foi inicialmente confundida com hepatoblastoma, resultando em uma ressecção hepática potencialmente evitável.
Apresentação do caso
Um recém-nascido de três dias foi encaminhado após detecção pré-natal de uma massa hepática. Inicialmente, suspeitou-se de hemangioma hepático, mas a ultrassonografia e a ressonância magnética com contraste mostraram características indeterminadas entre hemangioma e HBL. Após descartar a possibilidade de um hemangioma, o paciente foi submetido a uma biópsia percutânea que sugeriu HBL de padrão fetal bem diferenciado, apoiando a decisão de uma hepatectomia direita. Contudo, a análise definitiva da peça cirúrgica concluiu tratar-se de uma lesão semelhante à hiperplasia nodular focal.
Veja as características histológicas
A lesão era composta por trabéculas hepáticas bem organizadas, dilatação sinusoidal e espaços portais preservados. A marcação imunohistoquímica confirmou positividade para β-catenina (padrão de membrana) e glicoproteína glicpican-3, mas sem os padrões nucleares típicos do HBL, favorecendo na verdade, o diagnóstico de HNF.
Revisão da literatura — Casos semelhantes
A análise da literatura identificou apenas oito outros casos semelhantes relatados. As características comuns incluíram localização no lobo hepático direito, tamanho médio de cerca de 3,7 cm e níveis normais ou discretamente elevados de alfa-fetoproteína (AFP). Em metade dos casos, a biópsia prévia permitiu o diagnóstico correto, evitando ressecções desnecessárias.
Aspectos radiológicos e imunohistoquímicos
As imagens por ressonância magnética (RM) e tomografia não apresentaram o clássico sinal de cicatriz central, dificultando a distinção da lesão. Além disso, a positividade para glicpican-3, frequentemente associada a malignidade, contribuiu para a suspeita equivocada de HBL. A falta de padrões moleculares específicos e a semelhança histológica entre FNH e HBL puro-fetal representam um grande desafio diagnóstico.
Figura 1. Adaptado de World J Pediatr Surg. 2025 Apr 14;8(2):e00098 – RM com contraste mostrando massa nodular polilobada medindo 30×28 mm caracterizada por hipersinal não homogêneo nas sequências ponderadas em T2 (A transversal; B coronal) e hipossinal leve nas sequências ponderadas em T1 (C coronal, D transversal).
Implicações clínicas
Este caso ressalta a importância de considerar as lesões semelhantes à hiperplasia nodular focal (HNF-like) no diagnóstico diferencial de massas hepáticas congênitas, especialmente em recém-nascidos assintomáticos. Ainda que a cirurgia tenha permitido um diagnóstico definitivo, a melhor caracterização pré-operatória poderia ter evitado a hepatectomia.
Conclusão
A lesão semelhante à hiperplasia nodular focal (HNF-like) congênita é uma entidade extremamente rara que pode mimetizar hepatoblastoma em recém-nascidos, levando a decisões terapêuticas radicais, como a hepatecmotomia. A sobreposição clínica, radiológica e imunohistoquímica entre essas duas condições torna o diagnóstico pré-operatório desafiador, até mesmo para cirurgiões pediátricos experientes. Este caso evidencia a necessidade de cautela na interpretação de biópsias limitadas e a consideração de HFN-like no espectro de diagnósticos diferenciais para massas hepáticas congênitas. Embora a ressecção possa ser necessária em alguns casos para diagnóstico definitivo, maior conhecimento dessa possibilidade pode ajudar a evitar intervenções cirúrgicas desnecessárias no futuro.
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