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Pediatria10 maio 2025

Caso clínico: Lesão hepática congênita semelhante à hiperplasia nodular focal 

Aqui veremos o caso clínico de um recém-nascido de três dias foi encaminhado após detecção pré-natal de uma massa hepática.
Por Jôbert Neves

Os tumores hepáticos primários em crianças são extremamente raros, representando apenas 1% a 4% de todos os tumores sólidos pediátricos. Entre eles, o hepatoblastoma (HBL) é o mais comum nos primeiros dois anos de vida. Por outro lado, a hiperplasia nodular focal (HNF) costuma ser diagnosticada em idades mais avançadas e raramente é descrita como uma lesão congênita. A diferenciação entre essas condições, especialmente entre lesões semelhantes à HNF e o HBL puro-fetal, pode ser desafiadora, impactando diretamente nas decisões terapêuticas importantes. Este relato descreve um recém-nascido com uma lesão hepática congênita semelhante à HNF que foi inicialmente confundida com hepatoblastoma, resultando em uma ressecção hepática potencialmente evitável. 

Apresentação do caso 

Um recém-nascido de três dias foi encaminhado após detecção pré-natal de uma massa hepática. Inicialmente, suspeitou-se de hemangioma hepático, mas a ultrassonografia e a ressonância magnética com contraste mostraram características indeterminadas entre hemangioma e HBL. Após descartar a possibilidade de um hemangioma, o paciente foi submetido a uma biópsia percutânea que sugeriu HBL de padrão fetal bem diferenciado, apoiando a decisão de uma hepatectomia direita. Contudo, a análise definitiva da peça cirúrgica concluiu tratar-se de uma lesão semelhante à hiperplasia nodular focal. 

Veja as características histológicas 

A lesão era composta por trabéculas hepáticas bem organizadas, dilatação sinusoidal e espaços portais preservados. A marcação imunohistoquímica confirmou positividade para β-catenina (padrão de membrana) e glicoproteína glicpican-3, mas sem os padrões nucleares típicos do HBL, favorecendo na verdade, o diagnóstico de HNF. 

Revisão da literatura — Casos semelhantes 

A análise da literatura identificou apenas oito outros casos semelhantes relatados. As características comuns incluíram localização no lobo hepático direito, tamanho médio de cerca de 3,7 cm e níveis normais ou discretamente elevados de alfa-fetoproteína (AFP). Em metade dos casos, a biópsia prévia permitiu o diagnóstico correto, evitando ressecções desnecessárias. 

Aspectos radiológicos e imunohistoquímicos 

As imagens por ressonância magnética (RM) e tomografia não apresentaram o clássico sinal de cicatriz central, dificultando a distinção da lesão. Além disso, a positividade para glicpican-3, frequentemente associada a malignidade, contribuiu para a suspeita equivocada de HBL. A falta de padrões moleculares específicos e a semelhança histológica entre FNH e HBL puro-fetal representam um grande desafio diagnóstico. 

RM com contraste mostrando massa nodular polilobada medindo 30×28 mm caracterizada por hipersinal não homogêneo nas sequências ponderadas em T2 (A transversal; B coronal) e hipossinal leve nas sequências ponderadas em T1 (C coronal, D transversal).  

Figura 1. Adaptado de World J Pediatr Surg. 2025 Apr 14;8(2):e00098 – RM com contraste mostrando massa nodular polilobada medindo 30×28 mm caracterizada por hipersinal não homogêneo nas sequências ponderadas em T2 (A transversal; B coronal) e hipossinal leve nas sequências ponderadas em T1 (C coronal, D transversal).  

Implicações clínicas   

Este caso ressalta a importância de considerar as lesões semelhantes à hiperplasia nodular focal (HNF-like) no diagnóstico diferencial de massas hepáticas congênitas, especialmente em recém-nascidos assintomáticos. Ainda que a cirurgia tenha permitido um diagnóstico definitivo, a melhor caracterização pré-operatória poderia ter evitado a hepatectomia. 

Conclusão 

A lesão semelhante à hiperplasia nodular focal (HNF-like) congênita é uma entidade extremamente rara que pode mimetizar hepatoblastoma em recém-nascidos, levando a decisões terapêuticas radicais, como a hepatecmotomia. A sobreposição clínica, radiológica e imunohistoquímica entre essas duas condições torna o diagnóstico pré-operatório desafiador, até mesmo para cirurgiões pediátricos experientes. Este caso evidencia a necessidade de cautela na interpretação de biópsias limitadas e a consideração de HFN-like no espectro de diagnósticos diferenciais para massas hepáticas congênitas. Embora a ressecção possa ser necessária em alguns casos para diagnóstico definitivo, maior conhecimento dessa possibilidade pode ajudar a evitar intervenções cirúrgicas desnecessárias no futuro. 

Autoria

Foto de Jôbert Neves

Jôbert Neves

Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa  de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).  Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).

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