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Pediatria2 setembro 2024

Alergia alimentar: Aspectos do microbioma de lactentes com FPIES

Dentre os alimentos desencadeadores da FPIES, o leite de vaca é o mais frequentemente associado em diferentes localizações geográficas.
Por Jôbert Neves

Síndrome de enterocolite induzida por proteína alimentar (FPIES), é um espectro de apresentação da alergia alimentar raro e não mediada por IgE (imunoglobulina E), com prevalência de cerca de 1% em lactentes e crianças escolares. Nesta condição, a ingestão de um alimento é a chave desencadeadora de uma reação que pode se manifestar entre 1 e 4 horas após a ingestão. As manifestações clínicas mais comumente presentes são de diarreia ou vômitos intensos, com potencial hipotensão, chegando a choque hipovolêmico em seus quadros mais graves. 

De forma geral, dentre os alimentos desencadeadores, o leite de vaca é o mais frequentemente associado em diferentes localizações geográficas. Clinicamente, temos duas apresentações clínicas, classificadas em agudas e crônicas, sendo o seu diagnóstico e manejo um grande desafio para o pediatra geral e para o gastroenterologista pediátrico.  Apesar de ser uma reação não IgE mediada, alguns pacientes podem apresentar IgE específica positiva para alguns alimentos, no caso em questão, para as proteínas do leite de vaca.  Porém, mesmo com a possibilidade do IgE específico positivo, o diagnóstico é guiado por critérios clínicos e, em situações em que haja segurança e preparo para controle dos sinais e sintomas, o teste de provocação oral (TPO) pode ser realizado para confirmação diagnóstica.  

Apesar de diversas hipóteses, a fisiopatologia desta condição não é completamente elucidada, mas acredita-se que exista um papel da microbiota intestinal neste contexto, visto que a disbiose tem sido estudada e considerada como um possível fator patogênico envolvido.  

Leia mais: Efeitos da frenectomia em lactentes na amamentação: resultados de nova revisão

Com objetivo de melhor elucidação e compreensão dos aspectos relacionados à composição da microbiota de pacientes com FPIES, um grupo de pesquisadores da Espanha desenvolveu um estudo clínico que avaliou a microbiota intestinal de cerca de 12 pacientes com FPIES. Os diagnósticos obedeceram aos critérios de inclusão com base nas diretrizes internacionais para o diagnóstico e manejo de FPIES. Os critérios utilizados foram vômitos durante as primeiras quatro horas após a ingestão de proteína do leite de vaca, sem sinais e sintomas respiratórios ou dermatológicos e pelo menos três dos sintomas presentes nas diretrizes, para os pacientes com FPIES. Neste estudo, o grupo controle composto por 14 lactentes, com cerca de de cinco meses foi recrutado por pediatras da atenção primária. Para inclusão neste grupo, os participantes não podiam ter utilizado antibióticos ou probióticos nas duas semanas anteriores ao início do estudo. Os dados clínicos dos pacientes foram coletados e avaliados, assim como as amostras fecais para análise, que foram armazenadas em um recipiente especial, o GutAlive®, que permite o transporte seguro  das amostras em condições anaeróbicas à temperatura ambiente.  

Após a análise fecal dos pacientes do estudo em questão, os resultados relevantes obtidos estão descritos abaixo. 

FPIES

Sequenciamento das amostras fecais:  

  • Foram sequenciados amplicons de 16S rDNA de amostras fecais dos 12 pacientes recrutados para FPIES e dos 14 controles pareados por idade.; 
  • Revelando que as sequências atribuídas à família Bifidobacteriaceae se destacaram, sendo menos presentes em bebês com FPIES; 
  • Já os representantes da família Enterobacteriaceae foram encontrados em porcentagens mais altas nesses pacientes em comparação aos controles, embora as diferenças não tenham sido estatisticamente significativas (p = 0,08); 

Avaliação dos marcadores inflamatórios: 

  • Em relação aos níveis de calprotectina fecal, os valores mais elevados foram evidenciados nas fezes dos pacientes FPIES  (72,31–825,93 μg/g) do que nos controles (47,01–267,69 μg/g), apesar de não haver diferenças estatisticamente significativas (p = 0,06). 
  • Já os demais 27 fatores imunológicos examinados, como as citocinas, quimiocinas e fatores de crescimento excretados nas águas fecais, apenas cinco destes mediadores foram detectados em metade dos indivíduos (n > 13) ou em metade de um dos dois grupos (n > 6 para pacientes e n > 7 para controles): 
  • Esses analitos incluíram interleucinas (ILs) 4 e 10, a proteína antagonista do receptor de IL-1 (IL-1ra), a citocina interferon gama induzível proteína-10 (IP-10) e o fator de crescimento derivado de plaquetas BB (PDGF-bb); 
  • Nos outros compostos imunes quantificados nas fezes, não houve diferenças estatísticas entre os grupos. 

Veja também: CBUEP 2024: FPIES, um dos diagnósticos diferenciais de sepse em pediatria

Conclusão  

Mais um evidência apoia as hipóteses que reforçam uma correlação positiva entre os fatores imunológicos e a composição da microbiota intestinal nas alergias alimentares, agora mais precisarem na FPIES relacionada à proteína do leite de vaca.  Neste estudo, observou-se a menor presença de Bifidobacteriaceae na microbiota dos pacientes com FPIES,  fomentando as discussões sobre disbiose e as potenciais modulações intestinais para manejo.  

Mensagem prática  

Apesar das evidências das alterações da microbiota nos pacientes com FPIES, as indicações  para uso de probióticos são controvérsias. Outro fator importante evidenciado neste estudo é o uso da calprotectina fecal como potencial marcador para FPIES. Como já visto em estudos anteriores, a calprotectina não deve ser utilizada com essa finalidade. 

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Referências bibliográficas

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