Substâncias químicas, presentes em produtos comumente usados no nosso dia a dia, como por exemplo, cimento, produtos de limpeza, fertilizantes, vinagre e acetona, são altamente lesivas aos olhos e uma lesão química ocular deve ser considerada uma emergência que requer tratamento urgente para reduzir o risco de perda visual permanente. O tratamento precoce e apropriado é fundamental para um tratamento bem-sucedido.
A conjuntivite ou queimadura química pode ser ocasionada por ácidos ou álcalis. A fisiopatologia da lesão envolve a desnaturação e coagulação das paredes celulares associado destruição da vascularização do limbo com consequente isquemia da córnea.
As substâncias alcalinas, como por exemplo: amônia, hidróxido de sódio (soda cáustica), cal e hidróxido de magnésio, têm alta penetração ocular devido ao fenômeno de saponificação que tornam essas substâncias mais perigosas quando comparadas às lesões ocasionadas por ácidos.
A gravidade de uma lesão química está relacionada às propriedades do produto químico, à área da superfície ocular afetada, à duração da exposição e aos efeitos relacionados, como danos térmicos.
Epidemiologia
As lesões por substâncias alcalinas são duas vezes mais frequentes que queimaduras ácidas, já que os álcalis são mais amplamente usados tanto em casa quanto na indústria. Cerca de 2/3 das queimaduras acontecem no trabalho e um 1/3 no ambiente doméstico. A conjuntivite química é a segunda causa mais comum de acidente de trabalho, relacionado a causas oftalmológicas, com incidência aproximada de 12%.
Apresentação clínica e avaliação oftalmológica
O paciente se queixa de dor ocular, vermelhidão, lacrimejamento, irritabilidade com sensação de corpo estranho e turvação visual, associado à história de acidente com produto químico.
O quadro clínico é bastante variado, geralmente o paciente apresenta-se com hiperemia conjuntival, defeito do epitélio corneano, podendo, em casos mais graves, apresentar melting corneano.
Classificação
Há duas classificações usadas para classificar lesões químicas: a classificação de Roper-Hall e a classificação Dua. Na classificação de Roper-Hall, a classificação é realizada com base na transparência da córnea e na gravidade da isquemia limbar. Esta última é avaliada pela observação da permeabilidade dos vasos profundos e superficiais no limbo.
A classificação Dua é mais detalhada e é baseada no número de horas do relógio do limbo afetado e na porcentagem de envolvimento conjuntival. Isso fornece um melhor preditor prognóstico do que a classificação de Roper-Hall.
Classificação de Roper-Hall
Grau | Apresentação Clínica | Prognóstico |
I | Córnea transparente com dano epitelial, sem isquemia limbar. | Excelente |
II | Edema de córnea que permite a visualização de detalhes da íris, menos de 1/3 do limbo isquêmico. | Bom |
III | Perda total do epitélio da córnea, névoa estromal obscurecendo detalhes da íris e entre 1/3 e metade do limbo isquêmico. | Reservado |
IV | Córnea opaca e mais da metade do limbo mostrando isquemia. | Ruim |
Classificação Dua
Grau | Apresentação Clínica | Prognóstico | |
Envolvimento do Limbo | Envolvimento da conjuntiva | ||
I | 0 horas do relógio | 0% | Excelente |
II | ≤ 3 horas do relógio | ≤ 30% | Bom |
III | 3-6 horas do relógio | 30-50% | Bom |
IV | 6 -9 horas do relógio | 50-75% | Bom/Reservado |
V | 9 – < 12 horas do relógio | 75 – < 100% | Reservado/Ruim |
VI | Total (12 horas do relógio) | 100% | Muito Ruim |
Tratamento
Conduta imediata:
- Irrigação abundante é crucial para minimizar a duração do contato do olho com o produto químico e para normalizar o pH no saco conjuntival.
- Se disponível anestésico tópico deve ser instilado antes da irrigação, para melhorar o conforto e facilitar a cooperação.
- Água da torneira deve ser usada, se necessário, para evitar qualquer atraso, mas deve-se preferencialmente usar soro fisiológico ou ringer lactato para irrigar o olho por 15–30 minutos ou até que o pH medido seja neutro.
- A eversão da pálpebra deve ser realizada para que qualquer produto químico retido nos fórnices seja identificado e removido.
- O desbridamento de áreas necróticas do epitélio da córnea deve ser realizado na lâmpada de fenda para promover a reepitelização e remover resíduos químicos associados.
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Tratamento farmacológico:
A maioria dos ferimentos leves (grau 1 e 2) são tratados com pomada antibiótica tópica por cerca de uma semana, com esteroides tópicos e cicloplégicos, se necessário.
Os principais objetivos do tratamento de queimaduras mais graves são reduzir a inflamação, promover a regeneração epitelial e prevenir a ulceração da córnea.
O ácido ascórbico melhora a cicatrização de feridas promovendo a síntese de colágeno maduro pelos fibroblastos da córnea, por isso uma dose sistêmica de 1–2 g de vitamina C (ácido L-ascórbico) quatro vezes ao dia é recomendada.
Tetraciclinas são inibidores eficazes da colagenase e inibem a atividade dos neutrófilos e reduzem a ulceração. Elas devem ser consideradas se houver melting da córnea e podem ser administradas tanto topicamente (pomada de tetraciclina quatro vezes ao dia) quanto sistemicamente (doxiciclina 100 mg duas vezes ao dia diminuindo para uma vez ao dia).
A PIO deve ser monitorada, com tratamento se necessário.
Prognóstico
O prognóstico ruim está associado a mais de 50% de envolvimento conjuntival ou > 6 horas de relógio de envolvimento limbar.
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