A oclusão aguda não arterítica da artéria central da retina (CRAO) é uma forma de “AVC da retina”: instala-se de forma súbita, é indolor e leva a perda monocular de visão muitas vezes profunda. A incidência anual de CRAO varia de 2 a 10 casos por 100.000 pessoas em todo o mundo. Em geral, o prognóstico é desfavorável: mais de 90% dos pacientes apresentam perda funcional permanente da acuidade visual, e a condição está associada a alto risco de eventos isquêmicos subsequentes. Em 2021, a American Heart Association (AHA), em colaboração com a North American Neuro-Ophthalmology Society, publicou um parecer científico recomendando avaliação urgente e sugerindo que o alteplase intravenoso precoce pode ser eficaz em pacientes com CRAO não arterítica aguda, com base em estudos pregressos.
Ainda assim, não havia disponível ensaios clínicos controlados na avaliação de trombólise intravenosa para essa população. Nesse contexto, para preencher essa lacuna, o ensaio clínico randomizado THEIA, publicado recentemente na Lancet Neurology, objetivou comparar a segurança e a eficácia do alteplase intravenoso versus o ácido acetilsalicílico oral, administrados a adultos dentro de 4,5 horas após o início da perda visual grave causada por CRAO não arterítica aguda.
Métodos
THEIA foi um ensaio clínico de fase 3, multicêntrico, com técnica double-dummy, duplo-cego para pacientes e duplo-cego para avaliadores, randomizado e controlado, conduzido em 16 hospitais com unidades de AVC na França.
Entravam adultos ≥ 18 anos com perda visual súbita, grave e persistente em um olho (Snellen < 20/400, isto é, LogMAR > 1,3), com quadro compatível com CRAO não arterítica confirmado por fundoscopia ou retinografia e presença de defeito pupilar aferente, além de precisarem chegar em até 4,5 h do início dos sintomas. Todos os participantes eram submetidos à neuroimagem. Foram excluídos participantes com déficits leves de acuidade visual ou melhora rápida antes do início do tratamento, horário de início dos sintomas desconhecido/incerto, oclusão isolada de ramo da artéria retiniana sem perda visual clinicamente significativa, CRAO com preservação foveal devido à presença de artéria cilioretiniana e/ou uso de anticoagulantes.
Os pacientes foram randomizados e distribuídos aleatoriamente (1:1) para o grupo intervenção (trombólise venosa com alteplase intravenosa) ou grupo placebo (aspirina oral), ambos administrados dentro de 4,5 horas após o início da perda visual. Todos os participantes foram acompanhados em visitas programas no dia 1, dia 7 (±2 dias), 1 mês (±7 dias) e 3 meses (±7 dias) após a randomização.
O desfecho primário foi avaliar a melhora da acuidade visual entre a linha de base e 1 mês, definida como: ganho de pelo menos três linhas de Snellen (15 letras) na tabela ETDRS ou equivalente a uma melhora de ≥0,3 LogMAR.
Eventos adversos graves, em especial hemorragias intracranianas ou extratranianas relacionadas ao tratamento, foram reportados ao comitê de monitoramento de segurança.
Resultados
Entre junho de 2018 e outubro de 2023, 70 pacientes foram incluídos em 16 centros, dos quais 35 (50%) foram randomizados para o grupo alteplase e 35 (50%) para o grupo aspirina. No total, 65 (93%) pacientes receberam o tratamento designado: 34 (97%) no grupo alteplase e 31 (89%) no grupo aspirina.
A média de idade dos participantes na linha de base foi 70 anos, sendo 36% mulheres. A acuidade visual média na linha de base foi de 2,4 LogMAR no grupo alteplase e 2,3 LogMAR no grupo aspirina. Entre os 69 pacientes com dados basais de acuidade visual, 65 (94%) foram classificados como off-chart — isto é, apresentavam acuidade visual >1,7 LogMAR, tão reduzida que não pode ser quantificada pelas linhas usuais das tabelas padrão. O tempo médio entre o início dos sintomas e o início do tratamento foi de 232,4 minutos. Dos 70 pacientes, 53 (76%) foram tratados entre 3,0 e 4,5 horas.
Os dados do desfecho primário não estavam disponíveis para oito (12%) pacientes e, portanto, o desfecho primário esteve disponível para 56 (88%) pacientes. Na análise, 19/29 (66%) do grupo alteplase atingiram o desfecho primário de melhora ≥0,3 LogMAR em 1 mês, contra 13/27 (48%) no grupo aspirina. A diferença, porém, não foi estatisticamente significativa além do intervalo de confiança ter sido muito, sugerindo incerteza nas estimativas devido ao baixo tamanho amostral. Entre os desfechos secundários, também não houve diferença em “sair da cegueira” (visão ≤1,3 LogMAR): 24% no alteplase versus 26% na aspirina.
Quanto aos desfechos de segurança, o resultado foi bom: não houve hemorragia sintomática relacionada ao tratamento; apareceu apenas 1 hematoma intracraniano assintomático no grupo alteplase e os demais eventos graves (endarterectomia carotídea, sangramento GI tardio, complicações oftalmológicas) não se concentraram em um grupo só.
Discussão
O estudo THEIA oferece insights importantes sobre o manejo de pacientes com CRAO não arterítica aguda. A administração de trombólise dentro de 4,5 horas do início dos sintomas não resultou em melhora significativa da acuidade visual em comparação com a aspirina, ainda que ambas as intervenções tenham se mostrado seguras. Embora ambos os grupos tenham apresentado melhora média na acuidade visual, a maioria dos pacientes manteve acuidade acima de 1,3 LogMAR (Snellen 20/400), indicando persistência de cegueira monocular.
A escolha do desfecho primário — melhora de pelo menos 0,3 LogMAR — pode ser menos sensível do que critérios mais clinicamente relevantes, como melhora final até 0,7 LogMAR (Snellen ≥20/100), que melhor refletem recuperação funcional da visão. Esse desfecho foi utilizado porque havia sido adotado em ensaios clínicos anteriores e subsequentemente em estudos de coorte. Entretanto, a proporção de pacientes que alcançaram melhora funcional (≥0,7 LogMAR) no THEIA e nos dois outros ensaios clínicos publicados é menor que a observada em estudos de coorte e meta-análises de dados individuais, os quais relatam taxas de recuperação funcional entre 25% e 50%.
A baixa proporção de recuperação funcional em ambos os grupos levanta questões sobre a tolerância isquêmica da retina, sugerindo que danos irreversíveis podem ocorrer muito antes do que se supunha. Embora não tenha sido encontrada relação clara entre tempo para início do tratamento e melhora visual, poucos pacientes foram tratados dentro das primeiras 3 horas. Estudos previamente publicados sugerem que uma CRAO completa pode provocar morte rápida e irreversível de células ganglionares da retina em cerca de 15 minutos, o que reforça a necessidade de intervenções ainda mais precoces.
O estudo apresenta limitações relevantes. Provavelmente está subdimensionado para detectar diferença significativa entre os grupos no desfecho primário diante do tamanho amostral seja por dificuldades no recrutamento e na taxa de perda de seguimento de 20%. A pandemia de covid-19, a baixa incidência de CRAO e a janela terapêutica extremamente estreita foram as principais dificuldades declaradas pelos autores durante o recrutamento.
Apesar dos resultados do THEIA trial divergirem de estudos não randomizados e meta-análises, eles sugerem que a alteplase pode melhorar os desfechos visuais em relação à aspirina em pacientes com CRAO aguda, com menos pacientes apresentando déficit visual grave persistente e sem preocupações significativas de segurança. Contudo, dada a provável falta de potência estatística do estudo, ensaios em andamento, como TenCRAOS e REVISION, poderão fornecer evidências mais robustas.
Mensagem prática
O THEIA trial mostrou que a trombólise com alteplase em até 4,5 h mostrou-se segura em pacientes com CRAO, embora não tenha provado ser medida mais eficaz comparada à aspirina. Uma justificativa para esse resultado, comparado a outros estudos nessa área, pode ter relação com o estudo ter sido pequeno.
Autoria

Danielle Calil
Médica formada pela Universidade Federal Fluminense em 2016. ⦁ Neurologista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2020. ⦁ Fellow em Anormalidades do Movimento e Neurologia Cognitiva pelo Hospital das Clínicas da UFMG em 2021. ⦁ Atualmente, compõe o corpo clínico como neurologista de clínicas e hospitais em Belo Horizonte como o Centro de Especialidades Médicas da Prefeitura de Belo Horizonte, Hospital Materdei Santo Agostinho e Hospital Vila da Serra.
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