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Oftalmologia31 outubro 2025

Risco de AVC após oclusão da artéria da retina: o que diz a ciência?

Meta-análise mostra incidência de 13,6% de AVC após oclusão da artéria da retina. Veja os achados e implicações clínicas no Portal Afya.

O acidente vascular cerebral (AVC), é hoje a principal causa de incapacidade no mundo e a segunda maior causa de mortalidade. Nos últimos 20 anos, observou-se um aumento de 70% na incidência da doença e de 43% nas fatalidades a ela associadas. Entre os principais fatores de risco estão idade, raça, gênero, histórico familiar, sedentarismo, tabagismo e condições metabólicas como hipertensão, diabetes, dislipidemia e obesidade. Diante desse cenário, estratégias de prevenção e detecção precoce são essenciais.  

A oclusão da artéria retiniana, condição cuja fisiopatologia — especialmente nos casos não arteríticos — se assemelha à do AVC isquêmico, devido à presença de trombos ou êmbolos nas artérias retinianas, que leva à isquemia retiniana. A oclusão da artéria retiniana, por sua natureza isquêmica, destaca-se como possível sinal de alerta precoce para eventos cerebrovasculares. 

Assim, uma revisão sistemática e meta-análise publicada em setembro de 2025 na revista Scientific Reports, conduzida por Thosaphol Pothikamjorn e colaboradores, teve como objetivo estimar a incidência, a força da associação e os principais fatores de risco para o desenvolvimento de AVC isquêmico — identificado por sintomas clínicos ou exames de imagem — em pacientes com todos os subtipos de oclusão da artéria retiniana.  

Métodos e resultados  

Realizada revisão sistemática de 46 artigos publicados preencheram os critérios de inclusão para a revisão sistemática e meta-análise.  

A incidência global de AVC isquêmico em pacientes com oclusão da artéria retiniana foi de 13,6% (IC 95%: 11,5–15,9). Especificamente, em pacientes com oclusão da artéria central da retina, a incidência foi de 14,4% (IC 95%: 11,4–18,0) e, em subgrupos selecionados, chegou a 22,2% (IC 95%: 13,5–34,3). A análise por região mostrou incidência semelhante: 13,3% na Ásia-Pacífico, 15,2% na Europa e 11,9% na América do Norte. 

Pacientes com oclusão da artéria retiniana apresentaram risco significativamente maior de desenvolver AVC isquêmico em comparação com indivíduos sem oclusão da artéria retiniana (OR: 2,75; IC 95%: 2,11–3,58). Além disso, o risco foi maior em pacientes com oclusão da artéria central da retina em comparação com oclusão da artéria do ramo da retina (OR: 1,59; IC 95%: 1,45–1,75). O viés de publicação foi geralmente baixo, exceto em alguns subgrupos específicos.  

Discussão  

Os resultados revelaram uma alta incidência global de AVC isquêmico (13,6%) em pacientes com oclusão da artéria retiniana, com risco duas vezes maior de AVC em comparação com indivíduos sem a condição (OR: 2,75), especialmente nos primeiros seis meses após o evento oftalmológico. Destaca-se também a expressiva ocorrência de AVC silencioso, frequentemente superior à do AVC isquêmico sintomático, sugerindo subdiagnóstico clínico, sobretudo em pacientes com oclusão de ramos arteriais. A análise por subtipo mostrou maior risco em pacientes com oclusão da artéria central da retina (OR: 1,59 vs. oclusão de ramo), possivelmente pela gravidade do acometimento vascular. 

As variações regionais nas taxas de AVC, associadas a diferenças no acesso, reforçam a necessidade de estratégias adaptadas à realidade local. Fatores como tabagismo, fibrilação atrial, dislipidemia e insuficiência cardíaca destacam-se como potenciais alvos para modificação de risco.  

Os autores defendem a implementação de diretrizes específicas para rastreio e acompanhamento neurológico após oclusão da artéria retiniana, além da colaboração multidisciplinar entre oftalmologia e neurologia, como medidas essenciais para reduzir a morbidade e mortalidade associadas ao AVC nesses pacientes. 

Limitações  

  • Alta heterogeneidade dos resultados (I² = 98,1%), possivelmente relacionada às diferenças nos critérios de inclusão, métodos diagnósticos de AVC isquêmico e variabilidade no seguimento e manejo dos pacientes após o diagnóstico de oclusão da artéria retiniana. 
  • Falta de padronização do tempo entre o diagnóstico de oclusão da artéria retiniana e a ocorrência do evento cerebrovascular, com estudos variando entre acompanhamento imediato e até 30 dias, o que dificulta a definição do período de maior risco. 

Mensagem prática 

Os achados desta meta-análise reforçam que a oclusão da artéria retiniana, seja central ou de ramo, deve ser considerada um marcador clínico de alto risco para eventos isquêmicos cerebrais. Aproximadamente 13,6% dos pacientes com oclusão da artéria retiniana desenvolvem AVC isquêmico, e o risco é particularmente elevado nos primeiros seis meses após o evento. 

Na prática, isso significa que o paciente com oclusão da artéria retiniana deve ser encarado como um portador de evento vascular agudo, merecendo investigação neurológica imediata, rastreamento e controle ativo de fatores de risco sistêmicos e encaminhamento conjunto à equipe de neurologia. 

A implementação de protocolos de vigilância e prevenção secundária, especialmente voltados para o rastreamento de AVCs silenciosos em casos de oclusão de ramo da artéria retiniana, pode reduzir significativamente a morbimortalidade associada. Em síntese, o manejo multidisciplinar entre oftalmologistas e neurologistas é essencial para transformar o diagnóstico de oclusão da artéria retiniana em uma oportunidade de intervenção precoce contra eventos isquêmicos sistêmicos. 

Autoria

Foto de Alléxya Affonso

Alléxya Affonso

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina Souza Marques (RJ) ⦁ Título de especialista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) ⦁ PhD em Oftalmologia e Ciências Visuais pelo programa de Doutorado da UNIFESP/EPM ⦁ Membro Titular da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV) ⦁ ​Especialista em Retina Clínica, Uveítes e Oncologia Ocular pela UNIFESP/EPM.

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