O acidente vascular cerebral (AVC), é hoje a principal causa de incapacidade no mundo e a segunda maior causa de mortalidade. Nos últimos 20 anos, observou-se um aumento de 70% na incidência da doença e de 43% nas fatalidades a ela associadas. Entre os principais fatores de risco estão idade, raça, gênero, histórico familiar, sedentarismo, tabagismo e condições metabólicas como hipertensão, diabetes, dislipidemia e obesidade. Diante desse cenário, estratégias de prevenção e detecção precoce são essenciais.
A oclusão da artéria retiniana, condição cuja fisiopatologia — especialmente nos casos não arteríticos — se assemelha à do AVC isquêmico, devido à presença de trombos ou êmbolos nas artérias retinianas, que leva à isquemia retiniana. A oclusão da artéria retiniana, por sua natureza isquêmica, destaca-se como possível sinal de alerta precoce para eventos cerebrovasculares.
Assim, uma revisão sistemática e meta-análise publicada em setembro de 2025 na revista Scientific Reports, conduzida por Thosaphol Pothikamjorn e colaboradores, teve como objetivo estimar a incidência, a força da associação e os principais fatores de risco para o desenvolvimento de AVC isquêmico — identificado por sintomas clínicos ou exames de imagem — em pacientes com todos os subtipos de oclusão da artéria retiniana.
Métodos e resultados
Realizada revisão sistemática de 46 artigos publicados preencheram os critérios de inclusão para a revisão sistemática e meta-análise.
A incidência global de AVC isquêmico em pacientes com oclusão da artéria retiniana foi de 13,6% (IC 95%: 11,5–15,9). Especificamente, em pacientes com oclusão da artéria central da retina, a incidência foi de 14,4% (IC 95%: 11,4–18,0) e, em subgrupos selecionados, chegou a 22,2% (IC 95%: 13,5–34,3). A análise por região mostrou incidência semelhante: 13,3% na Ásia-Pacífico, 15,2% na Europa e 11,9% na América do Norte.
Pacientes com oclusão da artéria retiniana apresentaram risco significativamente maior de desenvolver AVC isquêmico em comparação com indivíduos sem oclusão da artéria retiniana (OR: 2,75; IC 95%: 2,11–3,58). Além disso, o risco foi maior em pacientes com oclusão da artéria central da retina em comparação com oclusão da artéria do ramo da retina (OR: 1,59; IC 95%: 1,45–1,75). O viés de publicação foi geralmente baixo, exceto em alguns subgrupos específicos.
Discussão
Os resultados revelaram uma alta incidência global de AVC isquêmico (13,6%) em pacientes com oclusão da artéria retiniana, com risco duas vezes maior de AVC em comparação com indivíduos sem a condição (OR: 2,75), especialmente nos primeiros seis meses após o evento oftalmológico. Destaca-se também a expressiva ocorrência de AVC silencioso, frequentemente superior à do AVC isquêmico sintomático, sugerindo subdiagnóstico clínico, sobretudo em pacientes com oclusão de ramos arteriais. A análise por subtipo mostrou maior risco em pacientes com oclusão da artéria central da retina (OR: 1,59 vs. oclusão de ramo), possivelmente pela gravidade do acometimento vascular.
As variações regionais nas taxas de AVC, associadas a diferenças no acesso, reforçam a necessidade de estratégias adaptadas à realidade local. Fatores como tabagismo, fibrilação atrial, dislipidemia e insuficiência cardíaca destacam-se como potenciais alvos para modificação de risco.
Os autores defendem a implementação de diretrizes específicas para rastreio e acompanhamento neurológico após oclusão da artéria retiniana, além da colaboração multidisciplinar entre oftalmologia e neurologia, como medidas essenciais para reduzir a morbidade e mortalidade associadas ao AVC nesses pacientes.
Limitações
- Alta heterogeneidade dos resultados (I² = 98,1%), possivelmente relacionada às diferenças nos critérios de inclusão, métodos diagnósticos de AVC isquêmico e variabilidade no seguimento e manejo dos pacientes após o diagnóstico de oclusão da artéria retiniana.
- Falta de padronização do tempo entre o diagnóstico de oclusão da artéria retiniana e a ocorrência do evento cerebrovascular, com estudos variando entre acompanhamento imediato e até 30 dias, o que dificulta a definição do período de maior risco.
Mensagem prática
Os achados desta meta-análise reforçam que a oclusão da artéria retiniana, seja central ou de ramo, deve ser considerada um marcador clínico de alto risco para eventos isquêmicos cerebrais. Aproximadamente 13,6% dos pacientes com oclusão da artéria retiniana desenvolvem AVC isquêmico, e o risco é particularmente elevado nos primeiros seis meses após o evento.
Na prática, isso significa que o paciente com oclusão da artéria retiniana deve ser encarado como um portador de evento vascular agudo, merecendo investigação neurológica imediata, rastreamento e controle ativo de fatores de risco sistêmicos e encaminhamento conjunto à equipe de neurologia.
A implementação de protocolos de vigilância e prevenção secundária, especialmente voltados para o rastreamento de AVCs silenciosos em casos de oclusão de ramo da artéria retiniana, pode reduzir significativamente a morbimortalidade associada. Em síntese, o manejo multidisciplinar entre oftalmologistas e neurologistas é essencial para transformar o diagnóstico de oclusão da artéria retiniana em uma oportunidade de intervenção precoce contra eventos isquêmicos sistêmicos.
Autoria

Alléxya Affonso
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina Souza Marques (RJ) ⦁ Título de especialista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) ⦁ PhD em Oftalmologia e Ciências Visuais pelo programa de Doutorado da UNIFESP/EPM ⦁ Membro Titular da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV) ⦁ Especialista em Retina Clínica, Uveítes e Oncologia Ocular pela UNIFESP/EPM.
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