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Neurologia3 setembro 2025

Transtornos do movimento e ultrassom focal de alta intensidade

Revisão sobre estudos recentes, modalidades emergentes e tendências em procedimentos como o ultrassom focal de alta intensidade no tratamento de distúrbios do movimento.
Por Danielle Calil

Distúrbios do movimento podem ser a principal manifestação de diversas doenças neurológicas. Se por um lado a doença de Parkinson é o exemplo clássico de uma síndrome acinético-rígida; por outro, o tremor essencial, a distonia e a coreia de Huntington são consideradas síndromes hipercinéticas. A fisiopatologia das anormalidades do movimento é heterogênea, mas envolve circuitos cerebrais que conectam o córtex cerebral aos gânglios da base e ao cerebelo, passando pelo tálamo. 

Em muitos casos, pode acontecer da terapia farmacológica não proporcionar melhora significativa, de forma que a neurocirurgia funcional seja uma possibilidade terapêutica. O ultrassom focal de alta intensidade guiado por ressonância magnética (MRgFUS) representa uma modalidade inovadora de ablação cerebral terapêutica. 

Uma das principais vantagens dessa abordagem é o fato de ser não invasiva, ao não requerer incisões, o que traz vantagem ao comparar com técnicas neurocirúrgicas funcionais tradicionais. A Lancet Neurology publicou recentemente uma revisão sobre a modalidade com evidências clínicas sobre segurança e eficácia no tratamento de pacientes com transtornos do movimento.  

Como funciona o procedimento:  

O procedimento envolve ultrassom multifocado para ablação cerebral, na qual o paciente utiliza um capacete contendo 1.024 emissores de ultrassom, operando a uma frequência de 650 kHz. Esses emissores são dispostos de forma que os feixes de ultrassom se concentrem em um ponto específico do cérebro, em que toda energia é focalizada. Essa técnica é guiada por ressonância magnética e por termometria em tempo real, permitindo a medição precisa da temperatura do tecido-alvo e das estruturas adjacentes. Para garantir essa precisão, um arco estereotáxico imobiliza a cabeça do paciente e é fixado à mesa do equipamento de ressonância.  

As primeiras sonicações (emissões de ultrassom) são realizadas com baixa energia para confirmar o alvo da região cerebral. Durante todo o procedimento, são realizados exames clínicos para detectar eventuais alterações neurológicas importantes em tempo real. A ablação do tecido cerebral depende tanto da temperatura atingida como da duração da sonicação.   

Tremor essencial 

O tremor essencial é o distúrbio de movimento mais prevalente, sendo a primeira doença a ter indicação aprovada para ablação por ultrassom focal. Trata-se de condição para qual essa técnica neurocirúrgica é atualmente utilizada de forma mais ampla. 

O tratamento do tremor essencial é predominantemente farmacológico, mas a eficácia das medicações raramente ultrapassa 50% de redução do tremor. Em casos refratários ao tratamento clínico, a estimulação cerebral profunda (DBS) é considerada o padrão-ouro. Contudo, o ultrassom focal tem emergido, nos últimos anos, como uma alternativa viável para pacientes gravemente acometidos, especialmente em idosos ou aqueles com comorbidades clinicamente significativas que contraindicam a cirurgia convencional. A principal elegibilidade da técnica de ultrassom focal, portanto, são indivíduos com tremor essencial incapacitante e refratário ao tratamento medicamentoso.  

Já em casos de pacientes com tremor essencial incapacitante em ambos os membros superiores ou com tremores axiais (ex. tremor vocal ou cefálico), a estimulação cerebral talâmica bilateral permanece como opção de primeira linha do ponto de vista neurocirúrgico. Nos casos de talatomia bilateral, o procedimento deve ser realizado em duas sessões com intervalo de tempo razoável de pelo menos 9 meses, sendo que, em casos de presença de qualquer efeito adverso no primeiro ato, a ablação contralateral subsequente não é recomendada diante do risco de complicações.  

Agências como Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos quanto a European Medicines Agency (EMA) já aprovaram o tratamento bilateral em estágios (realizado em momentos diferentes) para o tremor essencial, o que atualmente é reconhecido como uma opção terapêutica válida para pacientes elegíveis. 

Até o momento, não há resultados disponíveis sobre a eficácia do tratamento com ultrassom focal em seguimentos superiores a 10 anos. A lesão bilateral simultânea do tálamo tem sido tradicionalmente evitada, com base em evidências anteriores de efeitos adversos significativos relacionados à ablação por radiofrequência clássica, especialmente distúrbios da fala.  

Transtornos do movimento e ultrassom focal de alta intensidade

Idosa com tremor essencial. Imagem de jcomp/freepik

Doença de Parkinson 

Em pacientes com doença de Parkinson (DP), o tálamo, o globo pálido interno e o núcleo subtalâmico têm sido os principais alvos terapêuticos da neurocirurgia funcional. 

As primeiras evidências do uso de ablação por ultrassom focal para tratar a doença de Parkinson foram publicadas em 2014 por um grupo suíço durante um pequeno estudo aberto que teve como alvo o trato palidotálamico. Nesse estudo, foi observado melhora nas manifestações motoras em torno de 60% através da aplicação da escala UPDRS), sem eventos adversos relevantes relatados, o que forneceu informações técnicas preliminares.  

Não existe consenso sobre os critérios de seleção dos pacientes com a doença de Parkinson para ultrassom focal, mesmo entre especialistas em neurocirurgia. Os pacientes devem ser informados de que as melhorias desse procedimento ficarão restritas às manifestações motoras. A opção de estimulação cerebral profunda, uma prática bem estabelecida terapia, deve sempre ser considerada na tomada de decisão.  

Para casos de doença de Parkinson forma tremulante, em geral, o tálamo é considerado a primeira escolha de alvo. Já para casos de pacientes com DP que possuam discinesias induzidas por levodopa ou distonia no período OFF, a ablação ultrassonográfica do globo pálida demonstrou fornecer um efeito robusto.  

Nesse personal view da Lancet, o autor menciona que muitas pessoas consideram a ablação apenas para estágios avançados devido à natureza irreversível de uma lesão. Contudo, dois estudos demonstram essa abordagem como opção eficaz para pacientes com progressão curta da doença (menos de 4-5 anos), mas que têm controle inadequado dos sinais motores apenas com tratamento medicamentoso. Sendo assim, o autor defende que pacientes em estágios iniciais não devem ser excluídos dessa opção terapêutica caso apresentem sintomas motores relevantes a despeito da terapia farmacológica.  

Outros Transtornos do Movimento 

Todos os estudos envolvendo outras indicações incluem tamanhos amostrais reduzidos, avaliações não cegas e abertas, sendo, portanto, interpretados como evidência preliminar.  

Processo de Triagem dos Pacientes 

Quando um paciente é considerado um candidato clínico elegível e encaminhado para a equipe de ultrassom focalizado, há algumas recomendações fornecidas pelo autor mesmo que ainda não haja atualmente diretrizes estabelecidas para esse tratamento. O autor pontua as seguintes avaliações para triar potenciais pacientes: 

  • Avaliação neurológica por um especialista em distúrbios do movimento para confirmar a adequação clínica do paciente ao tratamento, explicar o procedimento, alinhar as expectativas com o paciente; 
  • Tomografia computadorizada de crânio (TC) para aferir a relação de densidade óssea do crânio (Skull Density Ratio) e avaliar características ósseas relevantes à viabilidade técnica do procedimento; 
  • Ressonância magnética cerebral (RM) para excluir anormalidades estruturais, avaliar lesões vasculares, analisar o estado geral do cérebro. Afinal, lesões vasculares na área-alvo, anormalidades vasculares relevantes ou atrofia podem contraindicar o procedimento; 
  • Avaliação neuropsicológica para excluir comprometimento cognitivo significativo que possa afetar a tolerância ao procedimento e interferir nos resultados. Ainda assim, pacientes com comprometimento cognitivo leve podem ser tratados, visto que não foram observadas pioras cognitivas após o procedimento; 
  • Avaliação com anestesista, com análise da história médica completa, comorbidades (principalmente fatores de risco vascular), exames laboratoriais (plaquetas, coagulograma, função renal). Afinal, pacientes com pressão arterial não controlada ou plaquetopenia grave (<75 × 10⁹/L) não devem ser submetidos ao procedimento; 
  • Avaliação neurocirúrgica final para confirmar a elegibilidade geral, explicar o fluxo do procedimento e possíveis desafios, como: colocação do arco estereotáxico na cabeça, eventos adversos potenciais e os resultados esperados do tratamento.

Mensagem final 

O ultrassom focal é procedimento com desenvolvimento relativamente curto e cujo campo de atuação ainda está crescendo com possibilidades de novas técnicas e avanços metodológicos. Avanços no uso e na configuração do ultrassom possibilitam, no futuro, terapias mais eficazes e seguras para pacientes com distúrbios de movimento.

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Referências bibliográficas

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