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Neurologia11 junho 2025

Transfusão na lesão cerebral aguda: atualização das evidências disponíveis 

Revisão sistemática avaliou as evidências atualizadas para otimizar os limiares de transfusão em diretrizes clínicas na lesão cerebral aguda.

A lesão cerebral aguda (LCA) envolve contextos patológicos como o traumatismo cranioencefálico (TCE), hemorragia subaracnóidea aneurismática (HSAa) e hemorragia intracerebral (HIC) e representa uma das principais causas de morbidade e mortalidade no ambiente neurocrítico.  

A anemia é uma complicação frequente nesses pacientes e tem sido associada a desfechos neurológicos desfavoráveis, uma vez que impacta diretamente na redução de oxigênio ofertado ao cérebro.  

Entretanto, diferentes estratégias e limiares de hemoglobina para indicação de necessidade transfusional são praticados, sendo um tema controverso.  

Estratégias restritivas de transfusão, com limiares de Hb ≤ 7– 8 g/dL, visam reduzir riscos como sobrecarga volêmica, imunossupressão e infecções. Por outro lado, estratégias liberais, com limiares de Hb ≤ 9 –10 g/dL, têm o objetivo de melhorar a oxigenação cerebral em um contexto de autorregulação comprometida.  

Neste cenário, a meta-análise atualizada de Nguyen et al., publicada em 2025 no periódico Critical Care, reuniu as evidências mais recentes e relevantes de ensaios clínicos randomizados comparando estratégias transfusionais em pacientes com lesão cerebral aguda. 

Métodos  

Trata-se de uma revisão sistemática com meta-análise conduzida segundo as diretrizes PRISMA 2020 e Cochrane Handbook. O protocolo foi previamente registrado na plataforma PROSPERO. 

Critérios de inclusão 

  • Ensaios clínicos randomizados comparando estratégias de transfusão liberal versus restritiva;
  • Pacientes adultos com LCA internados em unidades de terapia intensiva;  
  • LCA incluindo TCE, HSAa ou HIC;  
  • Intervenções com limiares transfusionais:  

Liberal: transfusão iniciada com Hb ≤ 9–10 g/dL;  

Restritiva: transfusão iniciada com Hb ≤ 7–8 g/dL.  

  • Relato de ao menos um dos seguintes desfechos clínicos: sepse ou choque séptico, mortalidade na UTI, desfecho neurológico desfavorável, síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), tromboembolismo venoso e mortalidade hospitalar. 

Fontes de dados 

Buscas sistemáticas foram realizadas nas bases PubMed, Embase e Cochrane Central até janeiro de 2025, incluindo também referências de revisões anteriores. Dois revisores independentes selecionaram e extraíram os dados dos estudos. 

Desfecho primário 

  • Desfecho neurológico desfavorável em 6 meses (definido por escalas como mRS ≥ 4, GOS 1–3 ou GOS-E 1–5, conforme cada estudo);  
  • Ocorrência de sepse ou choque séptico. 

Desfechos secundários 

  • Mortalidade na UTI;  
  • Mortalidade hospitalar;  
  • TEV (trombose venosa profunda ou embolia pulmonar); 
  • SDRA. 

Análise estatística 

Os desfechos foram analisados por meio de razão de risco (RR) com intervalos de confiança (IC) de 95%. Heterogeneidade foi avaliada pelo teste de Cochran (Q) e I². Modelos de efeitos aleatórios (DerSimonian e Laird) foram utilizados. A qualidade da evidência foi avaliada via GRADE. 

Resultados  

Foram incluídos cinco ECRs, totalizando 2.399 pacientes:  

  • 1.191 no grupo de transfusão liberal;
  • 1.208 no grupo de transfusão restritiva.

Entre os estudos, três foram publicados em 2024 (HEMOTION, TRAIN e SAHARA) e representaram a maior parte da amostra. Quatro estudos incluíram pacientes com TCE, e um estudo focou exclusivamente em HSAa.  

As características dos participantes incluídos foram:  

  • Idade média: entre 48 e 59 anos;  
  • Predominância de homens (55–75%);  
  • Hemoglobina inicial média próxima a 9 g/dL;  
  • Tempo entre evento e randomização: mediana de 50–70 horas. 

Desfecho neurológico desfavorável  

O maior risco de desfecho neurológico desfavorável após 6 meses ocorreu no grupo de estratégia restritiva em comparação com estratégia liberal (RR 1,13; IC 95% 1,06–1,21; p = 0,0003), indicando um aumento absoluto de risco de aproximadamente 6%. 

A heterogeneidade da amostra foi baixa. 

Sepse ou choque séptico  

A ocorrência foi significativamente maior no grupo estratégia restritiva (RR 1,42; IC 95% 1,08–1,86; p = 0,01). Subanálises revelaram que essa diferença foi particularmente evidente em pacientes com TCE e quando o limiar liberal adotado foi ≤ 9 g/dL. 

Outros desfechos  

  • Mortalidade na UTI: Sem diferença significativa (RR 1,00; IC 95% 0,84–1,20; p = 0,96);  
  • Mortalidade hospitalar: Sem diferença (RR 0,98; IC 95% 0,76–1,26; p = 0,89);  
  • TEV: Incidência semelhante entre os grupos (RR 0,88; IC 95% 0,56–1,38; p = 0,58); 
  • SDRA: Embora uma preocupação comum, não houve aumento significativo no grupo de estratégia liberal (RR 1,05; IC 95% 0,69–1,61; p = 0,81). 

Análises de subgrupos  

  • Estratégias liberais com Hb ≤ 9 g/dL apresentaram benefício mais evidente do que com Hb ≤ 10 g/dL.  
  • Em pacientes com HSAa, o benefício da estratégia liberal foi menor, sugerindo efeito mais marcante dessa ferramenta nos pacientes com TCE. 

Sensibilidade e qualidade da evidência  

  • Análises de sensibilidade mostraram robustez dos achados.  
  • Evidência considerada de alta qualidade para os desfechos de sepse e desfecho neurológico desfavorável segundo GRADE. 

Discussão  

Esta meta-análise sugere que uma estratégia de transfusão liberal em pacientes neurocríticos com anemia é superior à restritiva quanto à redução de sepse e melhora dos desfechos neurológicos em 6 meses (principalmente em um contexto de funcionalidade global). 

Os achados são particularmente relevantes em populações com TCE, nas quais a autorregulação cerebral está comprometida de forma contundente, alterando equilíbrio de demanda e oferta de oxigênio, que pode ser facilitado pela otimização dos níveis de hemoglobina. 

Importante ressaltar que tanto o trauma cerebral quanto a anemia são correlacionados com um estado clínico de imunossupressão transitória, podendo ser relacionado com infecções oportunistas e quadros sépticos. No aspecto objetivo de controle da anemia, estudos prévios já relataram a correlação do grau de anemia e gravidade da sepse em pacientes críticos. 

Apesar disso, a ausência de benefício em mortalidade direta e a semelhança nos eventos adversos reforçam a necessidade de individualizar as decisões transfusionais, sempre considerando a presença de comorbidades ou disfunções cardíacas e renais. O risco teórico de complicações como edema cerebral, vasoespasmo e SDRA deve ser considerado em subgrupos específicos, principalmente naqueles como HSAa. 

Limitações do estudo  

Embora metodologicamente sólida, esta meta-análise apresenta limitações que merecem consideração crítica.  

A principal refere-se à heterogeneidade clínica e terapêutica entre os estudos incluídos, com predomínio de pacientes com traumatismo cranioencefálico e representação limitada de outras etiologias de lesão cerebral aguda, como hemorragia subaracnóidea aneurismática. Isso restringe a extrapolação dos achados para subgrupos específicos.  

Além disso, houve variação nos limiares de hemoglobina adotados para definir estratégias liberal e restritiva, o que pode impactar na interpretação dos efeitos observados.  

O número reduzido de ensaios clínicos também limita o poder estatístico para avaliar desfechos secundários menos frequentes. 

Mensagem final  

Em pacientes com lesão cerebral aguda, uma estratégia liberal de hemotransfusão (Hb ≤ 9 –10 g/dL) foi associada a menor incidência de sepse e desfechos neurológicos desfavoráveis em comparação à estratégia restritiva (Hb ≤ 7– 8 g/dL), sem impacto negativo na mortalidade.  

Os resultados sustentam a reavaliação dos limiares transfusionais em protocolos neurocríticos, com ênfase na definição de estratégias individualizadas em equilíbrio com demais nuances e particularidades clínicas dos pacientes.

Autoria

Foto de Johnatan Felipe Ferreira da Conceicao

Johnatan Felipe Ferreira da Conceicao

Revisor médico do Portal PEBMED. Graduado em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Contato: [email protected] Instagram: @johnatanfelipef

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