Avanços atuais em cuidados neurocríticos
Pacientes neurocríticos são aqueles que sofrem danos primários ou secundários cerebrais, com presença ou risco de desenvolver disfunções orgânicas e necessitam monitorização e tratamento intensivos.
As principais patologias são: acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) ou hemorrágico (AVCh), traumatismo cranioencefálico (TCE), hemorragia subaracnoide (HSA) e encefalopatia anóxica pós-parada cardiorrespiratória (PCR).
Acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi)
AVCi é uma das principais causas de incapacidade e morte, sendo responsável por cerca de 80% dos casos de AVC. O ponto principal do tratamento desta patologia é a desobstrução rápida da veia ocluída a fim de salvar o tecido isquêmico. A trombólise está bem estabelecida como um tratamento eficiente de revascularização, porém estudos sobre a terapia endovascular vêm mostrando resultados consistentes sobre a trombectomia mecânica em pacientes com AVCi causados por obstrução de veias calibrosas da circulação anterior.
Estudos mais recentes confirmam que o tratamento endovacular é seguro para pacientes de 6 a 24 horas do insulto isquêmico, também mostraram que houve melhora funcional e redução de mortalidade e que a incidência de hemorragia intracerebral foi menor nos pacientes que receberam tratamento endovascular isolado em comparação aos que receberam terapia combinada com trombólise + trombectomia mecânica.
Na comparação entre tenecteplase e altaplase no que se refere à incidência de hemorragia cerebral sintomática, os estudos mostraram uma incidência maior no grupo da alteplase (1,8% x 3,6%, p < 0,001), mostrando que a tenecteplase pode ser mais segura.
Acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCh)
O AVCh é caracterizado pelo sangramento dentro do parênquima cerebral. Está associado a uma elevada mortalidade, que pode chegar a até 50% em 30 dias e também pode causar significante morbidade nos sobreviventes. É importante o controle da hipertensão na fase aguda, reversão de anticoagulantes e drenagem do hematoma nos casos indicados.
Os estudos que testaram técnicas minimamente invasivas para a drenagem dos hematomas mostraram melhora significante nos desfechos, com redução da escala de Rankin modificada (mRS), escala responsável por avaliar o nível de incapacidade do paciente. As cirurgias minimamente invasivas não aumentaram o volume do hematoma nem a mortalidade em 30 dias.
O INTERACT-3 de Ma et al, avaliou a eficácia de um pacote guiado por metas (redução intensiva da pressão arterial, controle glicêmico, tratamento da febre e reversão da anticoagulação) na melhoria dos resultados para pacientes com HIC. Os resultados mostram que a incidência de disfunção neurológica foi significativamente menor no grupo do pacote de cuidados, mas as taxas gerais de mortalidade e incapacidade permaneceram altas.
Nos pacientes em uso de antiplaquetários ou anticoagulantes, alguns estudos observaram a eficiência de medidas reversoras. O DASH de Desborough et al, avaliou o uso de desmopressina versus placebo em pacientes que utilizavam antiplaquetários, e mostrou que o uso da droga pode melhorar o prognóstico reduzindo o grau de incapacidade dos pacientes (mRS > 4).
Sobre o uso de anticoagulação oral em pacientes com fibrilação atrial e doenças cardiovasculares que apresentem AVCh, os estudos ainda se mostraram inconclusivos sobre a segurança para novos eventos hemorrágicos e sobre a prevenção de eventos isquêmicos novos. Deve-se individualizar os casos.
Hemorragia subaracnóide (HSA)
A HSA está associada a altas taxas de mortalidade e incapacidade. As complicações primárias da HSA são ressangramento, isquemia cerebral secundária e vasoespasmo cerebral. O vasoespasmo cerebral é a principal causa de isquemia cerebral secundária e é causado pelo excessivo volume de sangue nas cisternas, porém o resultado da drenagem ventricular ou lombar nesses pacientes permanece incerta. O ERLYDRAIN de Wolf et al mostrou que a drenagem lombar profilática nesses pacientes reduz o risco de piores prognósticos (mRS 4-6) e a ocorrência de isquemia cerebral secundária, melhorando os desfechos em 6 meses.
Traumatismo cranioencefálico (TCE)
O TCE grave, caracterizado pela escala de coma de Glasgow (ECG) < 8 está associado à elevada mortalidade e funcionalidade reduzida. Os bundles de tratamento incluem a monitorização da pressão intracraniana (PIC) e a oximetria tissular cerebral (PbtO2), mas é importante explorar se a combinação do monitoramento do PbtO2 com o monitoramento da PIC melhora os resultados dos pacientes. A craniectomia descompressiva é considerada um tratamento de último recurso e eficaz para pacientes com TCE com hipertensão intracraniana refratária (HIC) quando as medidas osmóticas não conseguem reduzir a PIC.
Os estudos mostraram que a combinação do monitoramento da PIC com a PbtO2 não melhorou a função cerebral e ainda apresentou maior incidência de complicações relacionadas aos cateteres. Isso sugere que ainda precisamos de otimização adicional para esclarecer quais subgrupos de pacientes são mais adequados para monitoramento multimodal.
Estudos comparando os efeitos do tratamento com craniectomia descompressiva (retalho ósseo não substituído) e craniotomia (retalho ósseo substituído) na cirurgia de hematoma subdural agudo (HSD) não mostraram diferenças significativas na ECG entre os dois grupos, mas o grupo de craniectomia descompressiva apresentou menores taxas de reabordagem cirúrgica e infecção, o que pode indicar que esse método é mais seguro.
O uso de ácido tranexâmico no atendimento pré-hospitalar no trauma mostrou uma redução de mortalidade em 28 dias, mas não mostrou melhora da capacidade funcional em 6 meses.
Leia também: Como fazer o teste da apneia em pacientes instáveis?
Encefalopatia pós-PCR
A encefalopatia anóxica-isquêmica que ocorre após parada cardiorrespiratória é uma patologia grave que influencia no prognóstico do paciente.
Estudos sobre o atendimento à PCR extra e intra-hospitalar mostraram que a ressuscitação cardiopulmonar (RCP) com circulação extracorpórea (ERCP) é capaz de melhorar os desfechos e reduzir a mortalidade quando comparada à forma convencional. A ERCP está associada a melhores taxas de sobrevida a curto e longo prazo, além de melhor funcionalidade dos sobreviventes.
Sobre os cuidados pós-PCR, um estudo comparou a hipotermia com a normotermia, tendo como resultado que a hipotermia não alcançou melhores resultados em capacidade funcional, participação social e função cognitiva quando comparada aos alvos de normotermia.
Atualizações nos cuidados dos neurocríticos
Aqui vai um resumo das últimas atualizações dos guidelines da American Heart Association (AHA), American Stroke Association (ASA) e Neurocritical Care Society (NCS):
1) Monitorização
O uso do Neurological pupil index (NPi) se mostrou útil para avaliar o prognóstico e mortalidade em pacientes com lesão cerebral grave não hipóxica. O pupilômetro automatizado fornece informações objetivas e quantitativas sobre a resposta pupilar à luz na forma do valor de um índice e inclui tamanho da pupila, latência, velocidade de constrição e dilatação.
2) Manejo Hemodinâmico
Reduzir a pressão arterial sistólica (PAS) após a adequada reperfusão pode mitigar as complicações hemorrágicas. Tanto a hipotensão quanto a hipertensão estão associadas a pior prognóstico funcional em 3 meses. É recomendado manter a PAS menor que 185/105 mmHg e evitar quedas abaixo de 130 mmHg de PAS.
3) Manejo de Via Aérea
Em pacientes comatosos por suspeita de intoxicação aguda, o manejo conservador evitando a intubação orotraqueal apresentou melhores desfechos no que se refere à mortalidade, tempo de permanência na UTI e no hospital.
Para extubação de pacientes neurocríticos, primeiro a estabilidade neurológica deve ser confirmada seguido de uma avaliação se o paciente atende aos critérios de prontidão para o desmame. A extubação pode ser considerada se a estabilidade hemodinâmica for alcançada e a perfusão for mantida durante a respiração espontânea. Antes do desmame, e mesmo antes das tentativas de extubação, o estado de alerta não é obrigatório, mas níveis mais elevados de alerta aumentam a probabilidade de sucesso da extubação. Além disso, a proteção das vias aéreas deve ser avaliada e o edema laríngeo deve ser evitado. Quanto mais grave o grau de comprometimento da responsividade, mais cuidadosa é necessária a avaliação da quantidade de secreções orais (especialmente secreções traqueobrônquicas) e da preservação dos reflexos de vômito e tosse.
Saiba mais: Uso de pupilometria como ferramenta prognóstica para pacientes neurocríticos
4) Anticonvulsivantes
Pacientes com AVC e estado de mal epiléptico apresentaram maior mortalidade e maior probabilidade de desenvolver epilepsia em comparação com aqueles com convulsões curtas ou sem convulsões. Um modelo de previsão prognóstica SeLECT 2.0, oferecendo informações sobre o risco de epilepsia entre pacientes com AVC de alto risco. Este modelo pode orientar decisões relativas à continuação do tratamento medicamentoso anticonvulsivante e à frequência do acompanhamento.
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