Retrospectivas são momentos atrativos para conscientização sobre as mudanças e transformações realizadas após mais um atravessar de ano. Em 2024 não foi diferente. Nem para a sociedade e nem para a Neurologia. Nesta publicação, vamos refletir sobre as principais avanços e desafios dessa especialidade no ano.
Cefaleia
A migrânea é uma das principais causas de incapacidade em indivíduos abaixo de 50 anos globalmente. As terapias profiláticas são indicadas formalmente em torno de 40% da população com migrânea. Anteriormente, as terapias preventivas de primeira linha para migrânea eram drogas utilizadas também para outras condições clínicas, como: anti-hipertensivos, antiepilépticos, antidepressivos e toxina botulínica (este por sua vez em casos de migrânea crônica).
Nos últimos anos, houve o desenvolvimento de drogas preventivas específicas para migrânea, as quais tornaram-se uma nova classe de opção terapêutica. São terapias com alvo no peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), podendo incluir anticorpos monoclonais (ex.: erenumab, fremanezumab, galcanezumab, eptinezumab) e pequenas moléculas antagonistas do receptor CGRP conhecidas como gepants (ex.: rimegepant e atogepant). Em guidelines pregressos essa classe era indicada em casos de refratariedade de pelo menos 2 classes até então consideradas como primeira linha por pelo menos 8 meses de uso.
Contudo, há novas evidências indicando perfil de eficácia, de segurança e de tolerabilidade dessas terapias com alvo no CGRP, assim como um maior ganho de experiência clínica na “vida real” com a prescrição desses medicamentos. Nessa conjuntura, um grande marco de 2024 foi o position statement realizado pela American Headache Society, que colocou a classe de terapias anti-CGRP como a classe de primeira linha no tratamento de migrânea.
Neurologia Cognitiva
A principal causa de demência neurodegenerativa globalmente é doença de Alzheimer. Desde 1984, quando houve a primeira formulação de critérios diagnósticos, até os tempos atuais, diversas mudanças ocorreram na forma de realizar o seu diagnóstico. Além disso, nos últimos anos, novas terapias, modificadoras de evolução da doença, também foram investigadas, publicadas e algumas, inclusive, aprovadas por agências reguladoras internacionais como o FDA. Todo esse movimento e avanço foi possível a partir do desenvolvimento de biomarcadores para doença de Alzheimer.
Um dos grandes marcos de 2024 na área de doença de Alzheimer foi acerca do modo como realizar o diagnóstico definitivo da doença. Inclusive, esse assunto gera uma repercussão polêmica para a comunidade científica. Duas principais publicações em 2024 demonstram esse movimento. Uma delas, publicada pela Alzheimer’s Association, defende que o diagnóstico definitivo da doença pode ser realizado de forma biológica, isto é, a partir da detecção de biomarcadores principais para a doença de Alzheimer, ainda que o paciente em questão seja isento de sintomas. Por outro lado, outro paper, publicado na JAMA pelo International Working Group, recomenda a reavaliação desses critérios tendo em vista que os indivíduos cognitivamente normais com biomarcadores positivos, não deveriam ser rotulados como tendo DA, visto que esse rótulo é potencialmente preocupante sem um conhecimento claro de quando ou se os sintomas irão desenvolver-se. Nessa publicação, é recomendado que esse perfil de indivíduos seja considerado como em risco para desenvolvimento de DA.
Distúrbios do Movimento
Similar ao movimento científico de pesquisa em doença de Alzheimer, a doença de Parkinson também tem apresentado mudanças quanto conhecimentos biológicos subjacentes à doença, biomarcadores e neuroimagens avançadas. Nesse ano, a Movement Disorder Society publica um statement sobre a definição, o estadiamento e a classificação dessa doença.
A definição biológica foi considerada a partir do uso de testes como o ensaio de amplificação de sementes de α-sinucleína (SAA), que mostraram potencial para identificar agregados dessa proteína em fluidos como o líquido cefalorraquidiano (LCR). Contudo, esses testes ainda possuem limitações como falta de precisão quantitativa, baixa acessibilidade global e incertezas sobre a correlação entre biomarcadores e progressão clínica.
Portanto, ao final da publicação, é enfatizado a necessidade de validação rigorosa antes de adotar novas definições ou sistemas de estadiamento em doença de Parkinson. Inclusive, em termos de prática clínica, a implementação de biomarcadores atreladas à definição biológica apresentam custo financeiro caro, muitas vezes inacessível para países de baixa renda, o que contribuiria para uma maior disparidade global.
Doenças desmielinizantes
Nesse ano, durante a programação do European Committee for Treatment and Research in Multiple Sclerosis (ECTRIMS) de 2024, foi divulgado a proposta dos critérios revisados de McDonald para diagnóstico em esclerose múltipla. A proposta realizada para revisão desses critérios, anteriormente publicados em 2017, é possibilitar um diagnóstico mais precoce da doença.
Embora ainda não tenha sido publicado essa atualização nos critérios diagnósticos para EM, em vídeo promovido pelo site do ECTRIMS com o Professor Xavier Montalban já descreveu algumas mudanças propostas nessa futura atualização. Entre elas, há a incorporação do nervo óptico como a 5ª topografia típica para a doença, a retirada da necessidade de disseminação no tempo entre as lesões caso haja presenças disseminadas em espaço em pelos menos 4 topografias, a incorporação de cadeias leves kappa no líquor como sinal de resposta inflamatória, descrição de achados radiológicos típicos de lesões de EM como o sinal da veia central (central vein sign) e a borda paramagnética (paramagnetic rim) em exames de ressonância magnética.
Neuromuscular
Um destaque na área de neuromuscular foi sobre uma nova terapia para distrofia muscular de Duchenne. Essa doença, que afeta um em cada 3,5 mil nascidos, possui componente genético ligado ao cromossoma X, proporcionando fraqueza muscular de caráter progressivo e degenerativo.
Diversas estratégias terapêuticas foram exploradas para restaurar ou aumentar a produção da proteína distrofina em pacientes com essa condição. Contudo, alguns estudos publicados previamente, até então, apresentavam tamanhos de efeito pequeno e benefício clínico pouco suficiente para mitigar a progressão do seu curso natural.
Em abril desse ano, foi publicado ensaio clínico de fase 3 pela Lancet Neurology sobre a droga givinostat para terapia de pacientes geneticamente confirmados com Duchenne em meninos que apresentassem pelo menos 6 anos de idade. Nesse ensaio clínico, foi observado que, após 72 semanas de tratamento, o grupo intervenção apresentou um declínio menos pronunciado comparado ao placebo acerca do desfecho primário que era a mudança para a subida de quatro degraus. Durante o ensaio clínico, a dose inicial de givinostat foi reduzida após revisão provisória de segurança mascarada, considerando a redução da dose já pré-especificada em protocolo em decorrência de metade dos pacientes do grupo intervenção terem apresentado efeitos colaterais como trombocitopenia, diarreia e aumento sérico de triglicerídeos. Ainda assim, esse estudo pavimentou novas perspectivas terapêuticas para os pacientes com distrofia de Duchenne.
Considerando esse estudo, nesse ano, o FDA aprovou o givinostat para pacientes com distrofia de Duchenne que apresentem mais de 6 anos de idade.
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