A dor neuropática é uma condição decorrente de lesões do sistema nervoso somatossensorial. Lesões tanto em componentes periféricos (como terminais nervosos) ou centrais (como em lesões medulares de vias medulares sensoriais). O mecanismo da dor neuropática não é completamente entendido, mas acredita-se que haja ganho de função pela estrutura lesada, gerando a sensação álgica. Por vezes os pacientes ficam com alterações sensoriais com aumento de percepção associada, além de pontada, queimação, choque, alodinia e hiperalgesia. Dentre as condições relacionadas à dor neuropática estão a neuralgia herpética, dor central, dor por radiculopatia e neuropatia diabética. Entre as opções terapêuticas disponíveis, os gabapentinoides, como Pregabalina e Gabapentina, figuram como fármacos importantes no manejo, pois atuam modulando mecanismos neuroquímicos envolvidos na perpetuação da dor neuropática.
Por que os gabapentinoides são usados no manejo da dor neuropática?
Os gabapentinoides, como a pregabalina e a gabapentina, são utilizados no tratamento da dor neuropática devido ao seu potencial de neuromodulação central dos componentes álgicos. Há uma ligação em canais de cálcio voltagem dependentes, com redução da liberação de neurotransmissores excitatórios e redução da transmissão nociceptiva. Há ainda componente de ativação de vias de inibição descendentes.
O efeito combinado desses mecanismos resulta em menor transmissão de estímulos álgicos e melhora o quadro relacionado à dor.

Pregabalina vs Gabapentina
Embora o mecanismo de ação das duas medicações seja semelhante, há diferenças relacionadas a absorção, biodisponibilidade e tolerabilidade. A pregabalina tende a apresentar biodisponibilidade mais linear e absorção mais rápida. A gabapentina, por outro lado, tende a saturar absorção e a biodisponibilidade cai com aumento de dose.
Em relação a efeitos colaterais, a pregabalina tende a apresentar maior incidência de tontura, edema de membros inferiores e ganho de peso, características que podem influenciar a escolha terapêutica conforme o perfil do paciente.
Apresentações e posologia
A gabapentina está disponível em comprimidos de 300 e 400 mg. Já a pregabalina possui apresentações de 25, 50, 75 e 150 mg, além da formulação oral em solução (25 mg/mL).
Pode-se utilizar doses de gabapentina até 1.200-1.800 mg (dose máxima de 3.600 mg/dia, entretanto com alto risco de intolerância). Pregabalina dose até 300-600 mg. Destaca-se que doses de gabapentina acima de 1800 mg/dia e pregabalina acima de 600 mg/dia, tendem a não ser bem toleradas, com aumento do risco de efeitos adversos.
Resultados: eficácia comparativa e segurança
A eficácia de pregabalina e gabapentina varia conforme o tipo de dor neuropática.
Na neuropatia diabética dolorosa, há recomendações de uso das duas medicações, com eficácia razoável, superior para pregabalina em comparação com gabapentina (efeito moderado versus efeito pequeno). Doses de gabapentina 1200-3600 mg/dia e de pregabalina 300-600 mg/dia podem ser utilizados (reforçando que doses de gabapentina acima de 1800 mg podem gerar efeitos colaterais e não ser tolerado).
Na neuralgia pós herpética, os resultados são semelhantes aos da neuropatia diabética. As doses se assemelham. Já na dor neuropática central e na fibromialgia, há maior disponibilidade de evidências favoráveis à pregabalina.
Em relação ao perfil de segurança, sabe-se que a incidência de efeitos colaterais dos gabapentinoides é razoável, sendo tontura, visão turva, alteração de equilíbrio. O aumento da dose impacta diretamente nos efeitos colaterais. Pacientes idosos são mais suscetíveis aos efeitos colaterais. Recomenda-se monitorização de eficácia e efeitos colaterais, para adequado manejo dos pacientes.
A pregabalina pode propiciar efeitos colaterais psiquiátricos, como euforia.
Qualidade e consistência da evidência
As evidências que sustentam o uso de gabapentinoides no manejo de dor neuropática são consideradas moderadas a baixas. Melhores evidências estão para neuropatia diabética dolorosa e neuralgia pós herpética. Em outras condições, como lesões de nervo periférico ou radiculopatia, os dados são insuficientes e o uso off-label.
A maioria dos estudos tem número pequeno de participantes e curta duração, com risco de viés.
Implicações clínicas e tomada de decisão
Considerando a qualidade das evidências e o perfil de eficácia dos gabapentinoides, o seu uso deve ser individualizado, com introdução da medicação em dose baixa e progressão gradual, além de monitorização de efeitos colaterais e possibilidade de descontinuar tais fármacos.
A escolha entre pregabalina e gabapentina deve ser guiada pelo perfil clínico, condição de base e tolerabilidade de efeitos adversos. Orientar quanto à expectativa de resposta, sempre avaliando a possibilidade de associação com outros fármacos no manejo da dor, ou substituição por ausência de resposta.
Cenários práticos no consultório
Cenário 1:
Paciente idoso apresenta quadro de dor em queimação em faixa torácica direita respeitando dermátomo de T7. Relata infecção por herpes zóster há algumas semanas, tratado. Mantendo alodinia e área de hiperalgesia. Ainda sem tratamento. Considerar como primeira linha de tratamento pregabalina ou gabapentina. Expectativa de alívio parcial dos sintomas. Introdução de dose gradual e monitorizar efeitos colaterais (paciente idoso).
Cenário 2:
Mulher, 55 anos, diabética há 10 anos, em uso irregular de medicações, último exame de HbA1c (hemoglobina glicosilada) 9,6%. Evoluindo com formigamentos na planta dos pés bilateral, pior a noite, com dor em choque e queimação. Ao exame físico apresenta redução de sensibilidade nos pés. Além de orientar e otimizar o controle de diabetes, pode-se introduzir medicação gabapentinoide, com melhor resposta esperada com pregabalina.
Cenário 3:
Homem, 45 anos, com dor em região lombar irradiando para membro inferior direito, seguindo trajetório de nervo ciático. Propedêutica de imagem evidencia estreitamento foraminal e radiculopatia em território de L5 à direita. Nesse caso de dor relacionada a ciatalgia, a resposta com gabapentinoides é baixa, sendo seu uso off label.
Considerações finais e recomendações
Os gabapentinoides são anticonvulsivantes com potencial de eficácia no manejo da dor neuropática, especialmente em neuralgia pós-herpética, neuropatia diabética dolorosa e dor neuropática central, onde as evidências são mais consistentes.
O uso de doses elevadas tende a aumentar a intolerância por efeitos colaterais e nem sempre resulta em maior benefício clínico. Pacientes idosos e indivíduos com risco de uso inadequado de medicamentos sedativos requerem monitorização estreita.
Autoria

Jesus Ventura
Médico graduado pela AFYA Faculdade de Ciências Médicas de Ipatinga em 2017. Neurologista formado no HCUFMG de 2018 a 2021. Neurologista assistente do IPSEMG. Professor na Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais.
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