Paciente feminina, 33 anos, sem comorbidades e história de complicações anestésico cirúrgicas no passado, internada para a realização de cirurgia de conização de colo uterino. Paciente durante visita pré-anestésica encontrava-se lúcida e orientada, em bom estado geral, sem queixas, acianótica, anictérica, afebril, eupneica e eucardica. Sinais vitais dentro dos limites da normalidade e exames laboratoriais sem alterações significativas. Negava asma, bronquite, pressão alta, diabetes, alergia a medicamentos ou qualquer outra comorbidade, apenas fazendo tratamento com medicações homeopáticas para ansiedade há aproximadamente um mês. Relatava jejum de 10 horas em relação a sua última refeição.
Caso clínico: Perda da consciência pós bloqueio espinhal
Foi encaminhada ao centro cirúrgico com pré-anestésico de 7,5 mg de midazolan sublingual e orientada quanto ao procedimento. Equipe anestésica optou por realizar raquianestesia hiperbárica.
Paciente deu entrada no centro cirúrgico, levemente sedada, respondendo ativamente aos comandos verbais. Sinais vitais de FC 87 bpm, PA 137 X 79 mmHg, SPO2 98% em ar ambiente. Realizado venóclise em MSE com gelco 20G e iniciado hidratação venosa com ringer lactato 500 mL e medicações analgésicas como dipirona 2 g e AINEs e ondansetrona 4 mg.
Realizado raquianestesia hiperbárica L3-L4, paramediana, com Ag 25G e com dificuldade de punção por falta de colaboração da paciente que se mexia a todo tempo. Puncionada com sucesso após terceira tentativa, com saída de liquor claro, normotenso e injeção de 10 mg de lidocaína hiperbárica. Após 10 minutos, sem nenhuma alteração hemodinâmica significativa, foi colocada em posição de litotomia e iniciado o procedimento.
Procedimento realizado em 35 minutos, sem intercorrências. Paciente permaneceu estável a todo momento e sem queixas. Ao final, encaminhada a SRPA, onde permaneceu por aproximadamente 40 minutos e teve alta para o quarto com Aldrete 10.
Na manhã seguinte começou a reclamar de dor em região lombar que evolui de intensidade, tornando-se incapacitante e irradiando para região glútea direita. Havia pouca melhora com o uso de dipirona e AINEs, porém com boa resposta ao tramadol. Exame neurológico sem alteração, com ausência de fraqueza motora ou disfunção esfinceteriana. Realizado exame de imagem sem nenhuma alteração. Alta postergada até uma melhor investigação e análise da evolução do caso.
Hipótese diagnóstica
Paciente feminina, jovem, apresentando dor de forte intensidade em região lombar após raquianestesia com múltiplas punções e posição de litotomia, podemos pensar em Síndrome da Dor Radicular Transitória (SDRT) ou TNS (Transient Neurologic Symptoms).
A SDRT é uma complicação autolimitada da raquianestesia caracterizada por dor intensa na região lombosacral, glútea e membros inferiores, sem apresentar déficits motores ou autonômicos significativos.
A dor normalmente apresenta-se localizada na região lombar, podendo irradiar para glúteo e membros inferiores. Não apresenta fraqueza motora, tampouco disfunção esfincteriana, assim como nenhuma alteração neurológica. O início se dá geralmente entre 12 e 24 horas após o bloqueio e está mais relacionada ao uso de lidocaína hiperbárica com múltiplas tentativas de punções lombares e posição intraoperatória de litotomia em cirurgia ginecológicas ou urológicas. Também pode ser originária por conta de episódios de hipotensão e isquemia medular transitórias.
Como diagnóstico diferencial podemos citar síndrome da cauda equina, porém essa vem acompanhada de alterações motoras e esfincterianas; radiculopatia compressiva por conta de história de hérnia de disco ou estenose do canal vertebral; hematoma ou infecção pós bloqueio, porém nesse caso há o aparecimento de febre e déficits neurológicos progressivos.
A SDRT é benigna e autolimitada, com duração média de 2 a 5 dias e remissão espontânea e sem sequelas neurológicas. O tratamento consiste na administração de analgésicos comuns como AINEs e em alguns casos tramadol, além de fisioterapia leve e mobilização precoce e evitar múltiplas punções e o uso de lidocaína em altas concentrações em pacientes de risco. Lembrando sempre que síndromes dolorosas possuem um componente individual e emocional grande, que irão influenciar o tratamento.
A paciente em questão teve alta na manhã seguinte sem queixas e com orientações quanto a sua condição.
Autoria

Gabriela Queiroz
Pós-Graduação em Anestesiologia pelo Ministério da Educação (MEC) ⦁ Pós-Graduação em Anestesiologia pelo Centro de Especialização e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (CET/SBA) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) ⦁ Membro da American Academy of Pain Medicine ⦁ Ênfase em cirurgias de trauma e emergência, obstetrícia, plástica estética reconstrutiva e reparadora e procedimentos endoscópicos ⦁ Experiência em trauma e cirurgias de emergência de grande porte, como ortopedia, vascular e neurocirurgia ⦁ Experiência em treinamento acadêmico e liderança de grupos em ambiente cirúrgico hospitalar ⦁ Orientadora acadêmica junto à classe de residentes em Anestesiologia ⦁ Orientadora e auxiliar em palestras regionais e internacionais na área de Anestesiologia.
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