Logotipo Afya
Anúncio
Neurologia24 outubro 2025

Preferências de pessoas com ELA em tratamentos e cuidados: Uma revisão sistemática

Revisão sintetizou 44 estudos sobre ELA baseados em preferências de pacientes abrangendo seis categorias de tratamento e intervenção.
Por Danielle Calil

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença neurodegenerativa, sem cura, caracterizada por fraqueza muscular progressiva e incapacitante. Em muitas condições sem cura, o foco do cuidado está na melhora da qualidade de vida e, para tal, o cuidado centrado no paciente permite que as intervenções em saúde considerem as necessidades individuais, promovendo melhorias significativas no viver. 

Na ELA, é particularmente importante mensurar as preferências dos pacientes, já que as opções de tratamento e intervenção são complexas e podem exigir concessões entre qualidade de vida e carga terapêutica. À medida que mais tratamentos e intervenções são desenvolvidos, torna-se cada vez mais essencial garantir que as preferências das pessoas com ELA sejam levadas em consideração. 

Nesse contexto, a revista Muscle & Nerve publicou neste ano uma revisão sistemática que sintetiza as evidências existentes sobre o que é importante para pessoas com ELA em relação aos tratamentos e intervenções, bem como às suas características.  

Métodos 

O protocolo da revisão sistemática foi registrado no PROSPERO. Foram pesquisadas quatro bases de dados (PubMed, Scopus, CINAHL e PsycINFO), complementadas por busca reversa de citações, abrangendo estudos publicados de 2011 em diante. Foram incluídos estudos quantitativos, qualitativos e de métodos mistos que investigaram preferências de pacientes com ELA em relação a tratamentos e intervenções. A síntese integrou análise temática reflexiva de dados qualitativos e resumo narrativo de dados quantitativos, com avaliação metodológica pelo Mixed Methods Appraisal Tool (MMAT) para analisar a qualidade de cada estudo.  

Resultados 

Foram identificados 4240 artigos, dos quais 44 preencheram os critérios de inclusão. Os estudos abrangeram seis categorias de intervenções: (1) tratamentos farmacológicos, (2) suporte nutricional, (3) equipamentos especiais, (4) suporte psicossocial, (5) programas de exercício e (6) ferramentas digitais de saúde. A análise revelou cinco fatores centrais que influenciam as preferências: facilidade de uso, acessibilidade, facilitação da vida diária, autonomia e segurança/confiabilidade.  

Leia também: Esclerose lateral amiotrófica: Subtipos clínicos e variabilidade fenotípica

Tratamento farmacológico

A maioria das pessoas com ELA recrutadas em quatro países europeus, no que abrange à facilidade de uso, relatou dificuldades para engolir riluzol, o que resultou em atrasos ou omissões no tratamento. Esses pacientes demonstraram forte preferência por uma nova formulação de fácil administração, que se dissolvesse rapidamente na língua e tivesse embalagem prática e portátil. De modo semelhante, o dispositivo implantável de liberação de fármacos (IDDD) foi considerado uma alternativa preferível à punção lombar para terapias intratecais em diversos contextos clínicos nos EUA e na Europa, por ser percebido como um método mais simples de administração. 

Apesar da aceitação geral do edaravone, 22 de 331 participantes (6,6%) interromperam voluntariamente o tratamento devido ao ônus da via intravenosa. A facilidade de administração também se mostrou um fator decisivo para pessoas com ELA no manejo dos sintomas. Quase todos relataram satisfação com a eficácia do tetrahidrocanabinol e canabidiol (THC:CBD) no controle da espasticidade, mas um terço mencionou dificuldades com o spray oromucosal, ressaltando limitações práticas em sua utilização. 

Interessante é que quase todos os participantes apontaram o baixo risco de engasgo como o principal critério ao escolher uma formulação farmacológica. No caso da administração intratecal, os pacientes valorizaram tanto o baixo risco associado ao procedimento quanto a menor frequência de aplicação. Houve preferência pelo IDDD em relação à punção lombar, embora a aceitação dependesse de um risco muito baixo de falha do dispositivo para justificar a troca.  

Nutrição 

A perda de controle e do prazer social durante as refeições foi apontada como uma barreira importante para a aceitação da gastrostomia endoscópica percutânea (PEG). Entretanto, quando o preparo dos alimentos e o próprio ato de se alimentar tornaram-se tarefas desafiadoras e menos prazerosas, os indivíduos mostraram-se mais propensos a aceitar a PEG como forma de simplificar a vida e reduzir o impacto negativo da alimentação no dia a dia.  

Equipamentos especiais 

A preferência por intervenções minimamente disruptivas também ficou evidente: ao considerar o uso de interfaces cérebro-computador (BCI), 72% (44/61) aceitariam eletrodos implantados em regime ambulatorial, mas essa proporção caiu para 41% (25/61) quando o procedimento exigia internação hospitalar, evidenciando a importância de reduzir ao máximo hospitalizações. Ademais, os pacientes demonstraram forte desejo de que tecnologias como rastreamento ocular e BCIs sejam precisas e confiáveis, de modo a oferecer suporte efetivo à comunicação e ao cotidiano. 

Outro ponto destacado foi a falta de adaptabilidade de muitas tecnologias assistivas às necessidades específicas da ELA, o que se mostrou uma barreira importante: cerca de metade dos participantes (89/179; 49,7%) considerou o processo de solicitação e adaptação domiciliar dessas tecnologias como um grande obstáculo.  

Quanto à ventilação não-invasiva (VNI), vários indivíduos expressaram preferência por baixa dependência da técnica (achado especialmente marcado entre aqueles que já haviam recusado seu uso, possivelmente refletindo uma perspectiva particular sobre autonomia). Ao receber VNI, muitos relataram desconforto, seja na alta pressão de ar insuflado, nas dificuldades com o uso de óculos, nos ajustes das máscaras além das dificuldades na manutenção da proximidade física com parceiros.  

Suporte psicossocial 

O desejo de continuidade nos profissionais de saúde durante os cuidados de alívio esteve presente entre os participantes, ressaltando que as transições frequentes exigiam constantes “readaptações e reaprendizado por parte dos cuidadores” tanto do ponto de vista físico quanto comunicativo. A acessibilidade, inclusive, foi característica destacada como uma preferência essencial no suporte psicossocial, especialmente considerando a inclusão das variadas necessidades associadas à ELA, como as dificuldades de comunicação.  

Programa de exercícios 

Programas de exercícios foram bem valorizados entre as pessoas com ELA, com relatos de benefícios nas atividades de vida diária, sensação de realização, redução da imobilidade e melhoria do bem-estar geral. O alívio de sintomas também foi apontado como altamente relevante, incluindo a redução da rigidez dos membros e da rigidez muscular, além de melhorias na flexibilidade, preservação muscular, qualidade do sono e força física.  

AAN 2025: Acompanhe a cobertura do congresso da American Academy of Neurology

Saúde digital 

Pessoas com ELA demonstraram disposição para utilizar teleconsultas e monitoramento domiciliar, desde que essas ferramentas digitais sejam simples e fáceis de operar. Foi sugerido que o primeiro contato seja realizado na clínica de ELA de forma presencial, para então ser progressivamente substituído por acompanhamento remoto. 

Recursos, como videoconferências e telemonitoramento da ventilação não invasiva (VNI), por exemplo, foram percebidos de forma positiva, pois reduzem a necessidade de consultas presenciais, evitando custos e deslocamentos desnecessários.   

Preferências de pessoas com ELA em tratamentos e cuidados: Uma revisão sistemática

Imagem de freepik

Comentários: Preferências de pessoas com ELA em tratamentos e cuidados 

Os resultados demonstram que pessoas com ELA valorizam intervenções que promovam independência, minimizem a carga do tratamento e garantam segurança. Tais atributos devem ser incorporados tanto ao desenvolvimento de novas terapias quanto à prática clínica cotidiana.  

Esta revisão sistemática, entretanto, apresenta limitações como vieses amostrais (estudos com populações homogêneas ou de um único centro), baixa taxa de resposta em parte dos estudos e heterogeneidade metodológica, que restringem a generalização dos achados. Além disso, o rápido avanço de tratamentos e tecnologias pode tornar algumas preferências contextuais, como ocorreu com mudanças nas formulações de fármacos recentemente aprovados.  

Mensagem prática 

Para otimizar o cuidado em ELA, profissionais de saúde e formuladores de políticas devem priorizar intervenções que sejam fáceis de usar, acessíveis, seguras, preservem autonomia e simplifiquem a vida do paciente. A integração sistemática das preferências dos pacientes nas decisões terapêuticas tem potencial de aumentar a adesão, melhorar a qualidade de vida e alinhar inovações em saúde às necessidades reais de quem vive com ELA.

Autoria

Foto de Danielle Calil

Danielle Calil

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense em 2016. ⦁ Neurologista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2020. ⦁ Fellow em Anormalidades do Movimento e Neurologia Cognitiva pelo Hospital das Clínicas da UFMG em 2021. ⦁ Atualmente, compõe o corpo clínico como neurologista de clínicas e hospitais em Belo Horizonte como o Centro de Especialidades Médicas da Prefeitura de Belo Horizonte, Hospital Materdei Santo Agostinho e Hospital Vila da Serra.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Neurologia