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Neurologia25 novembro 2024

Opções terapêuticas para dor neuropática 

Revisão abordou os mecanismos da dor neuropática periférica apresentando uma lista de abordagens de tratamento não intervencionistas.
Por Danielle Calil

Dor, segundo a International Association for the Study of Pain, é um sintoma resultante de lesões/doenças do sistema nervoso somatossensitivo. A dor neuropática, por sua vez, é comum em pacientes com injúria de nervo periférico, com uma prevalência estimada entre 6,9 e 10% da população. 

Os estímulos dolorosos são detectados por nociceptores distribuídos em todo o corpo. Na fisiopatologia da dor, os neurônios nociceptivos são geralmente excitatórios e liberam glutamato como neurotransmissor primário, ainda que outros componentes estejam envolvidos nesse processo de modulação, como a substância P e o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina. Há dois tipos de fibras nociceptivas: fibras Aδ e fibras C. Enquanto as fibras Aδ estão relacionadas com condução inicial do estímulo doloroso, as fibras C estão associadas à transmissão de estímulos mais persistentes. Essa distinção tem implicações clínicas ao apresentar influência na escolha de terapias específicas, como agentes farmacológicos que modulam a atividade das fibras C no caso de terapias para dor crônica. 

O processo de lesão do nervo periférico que gera o sintoma doloroso pode ser resultado de mecanismos locais (ex.: compressão, transecção etc.) ou sistêmicos (ex.: diabetes mellitus, vasculite, doenças autoimunes, induzido por drogas etc.). O sistema de graduação de nervo periférico mais aceito foi o desenvolvido por Seddon e Sunderland, possibilitando formulação prognóstica desse sintoma. 

A revista Muscle & Nerve, nesse ano, publicou interessante revisão sobre o tema de opções terapêuticas para o tratamento de dor neuropática periférica. 

Terapia farmacológica para dor neuropática 

Há diversas classes de medicamentos que já foram utilizados no tratamento de dor neuropática, sendo algumas com maior e outras com menor respaldo científico. Na tabela abaixo, há descrição dessas principais classes, com as respectivas hierarquias terapêuticas segundo as evidências.  

Classe Mecanismo de ação Hierarquia Principais efeitos adversos NNT 
Gabapentinoides Inibição de subunidades alfa-delta-2 dos canais de cálcio voltagem-dependente Primeira linha Tonteira e sedação 7,7 (pregabalina)
6,3 (gabapentina)
8,3 (gabapentina ER) 
Tricíclicos Inibe recaptação de noradrenalina em terminais pré-sinápticos do corno dorsal da medula espinhal Primeira linha Efeitos anticolinérgicos: retenção urinária, boca seca, visão turva, constipação 3,6 
Inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN) Inibe recaptação pré-sináptica de serotonina e noradrenalina Primeira linha Náusea, constipação, fadiga e hipertensão 6,4 
Adesivo de capsaicina 8% 

(alta concentração) 

Dessensibilização do receptor TRPV1, reduzindo substância P nas fibras nervosas Segunda linha Dor, eritema, rash e coceira 10,6 
Adesivo de capsaicina 1% 

(baixa concentração) 

Dessensibilização do receptor TRPV1, reduzindo substância P nas fibras nervosas Inconclusivo Dor, eritema, rash e coceira  
Adesivo de lidocaína Inibe a despolarização através da ligação com canais de sódio nas fibras nervosas Segunda linha Eritema, coceira e rash  
Tramadol Agonista MOP e limita recaptação pré-sináptica de serotonina e noradrenalina Segunda linha Náusea, constipação e fadiga 4,7 
Opioides Agonista MOP Terceira linha Náusea/vômitos, constipação e fadiga 4,3 
Metadona Agonista MOP e antagonista de receptor NMDA Inconclusivo Náusea/vômitos, constipação e fadiga  
Canabioides Modulação dos receptores CB1 e CB2, com redução da liberação de agentes nociceptivos Fraca recomendação contra o uso Inatenção, sonolência, risco de indução de psicose  

Terapias não farmacológicas para dor neuropática 

O tratamento de dor neuropática periférica é considerado incompleto sem o envolvimento desse segmento terapêutico.  

O uso de modalidades terapêuticas permanece relativamente pouco estudado considerando a prevalência da condição e a escassez de terapias definitivas para dor neuropática. Apesar do amplo leque de intervenções não farmacológicas disponíveis para o manejo da dor neuropática, muitas ainda carecem de estudos amplos e definitivos. Assim, cabe ao clínico avaliar cuidadosamente os riscos, benefícios e a aplicabilidade dessas intervenções no plano terapêutico do seu paciente. Um ponto enfatizado no artigo é que tais intervenções não farmacológicas no controle de dor neuropática devem ser consideradas como recursos adjuvantes e não como substitutas ao regime farmacológico. 

As modalidades terapêuticas não farmacológicas podem ser categorizadas em mecânicas, térmicas, eletromagnéticas e terapias de luz. 

Modalidades mecânicas incluem ultrassom, acupuntura, massagem e exercícios. Entre elas, a acupuntura é recurso, com boa evidência, que reduziu a carga de sintomas dolorosos e melhoria em qualidade de vida para pacientes com dor neuropática, segundo metanálise recente. Já terapias com ultrassom e com massoterapia apresentam estudos com resultados inconsistentes, sendo necessários estudos adicionais para estabelecer sua eficácia. Ademais, estudos com intervenção em exercícios de baixa intensidade e longa duração apresentaram efeito positivo na redução de sintomas dolorosos (um resultado contrário ao de estudos cuja intervenção contemplou exercícios de alta intensidade e de curta duração). 

Modalidades térmicas incluem calor, gelo e hidromassagem. Hidromassagem demonstrou apresentar efeito terapêutico para dor neuropática e nociceptiva em pacientes com osteoartrite de joelho associados a síndrome complexa de dor regional. Embora calor e gelo sejam amplamente utilizados no manejo da dor crônica, as evidências específicas para o tratamento da dor neuropática permanecem limitadas. No entanto, tais intervenções podem ser consideradas como estratégias adjuvantes, oferecendo alívio sintomático. 

Modalidades eletromagnéticas incluem Estimulação Elétrica Transcutânia do Nervo (TENS), estimulação profunda cerebral (DBS), diatermia por micro-ondas. TENS é o recurso mais amplamente estudado dessa modalidade, especialmente para condições como neuropatia diabética, na qual houve resultados promissores quando utilizado em protocolos regulares de curta a longa duração. Estimulação profunda cerebral, por outro lado, apresenta evidências mistas entre as diversas etiologias de dor neuropática. 

Modalidades de luz incluem laser, LED e infravermelho. Nessa modalidade, contudo, estudos com terapia infravermelho não apresentaram diferenças entre a intervenção e o placebo em pacientes com polineuropatia diabética.  

Abordagens psicoterapêuticas 

No final da década de 1960, reconheceu-se a limitação das intervenções biomédicas isoladas no manejo da dor crônica, o que levou à inclusão de abordagens psicológicas como parte integrante do tratamento. Essa integração possibilitou avanços significativos na compreensão dos mecanismos de dor e no suporte aos pacientes.  

Entre essas estratégias, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) destaca-se como a intervenção predominante. Ao utilizar técnicas como reestruturação cognitiva, habilidades de relaxamento e ativação comportamental, o objetivo principal é transformar pensamentos catastróficos e incentivar comportamentos mais adaptativos.  

Outras abordagens, como a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), promovem a aceitação dos sintomas dolorosos, enfatizando a conexão com valores pessoais para aumentar a flexibilidade psicológica diante da dor. Adicionalmente, intervenções baseadas em mindfulness e hipnose têm demonstrado benefícios clínicos adjuvantes na redução da percepção da dor e na melhora da qualidade de vida.  

Tais abordagens buscam, essencialmente, redefinir a relação do indivíduo com a dor, aliviando o sofrimento e permitindo maior funcionalidade no cotidiano. Evidências sugerem que sua eficácia é ampliada quando integradas a planos terapêuticos multidisciplinares que combinem estratégias médicas, psicológicas e de estilo de vida. 

Modificações em estilo de vida 

A medicina de estilo de vida baseia-se em seis pilares fundamentais: alimentação saudável à base de plantas, prática regular de atividade física, manejo adequado do estresse, abstinência de substâncias de risco, sono de qualidade e conexões sociais positivas. Esses princípios têm ganhado destaque em instituições renomadas, como a Association of Academic Physiatrists, a American Academy of Physical Medicine & Rehabilitation e a American Association of Neuromuscular and Electrodiagnostic Medicine, que recentemente incorporaram esses conceitos em suas discussões científicas.  

A adoção dessas práticas pode desempenhar um papel significativo no manejo da dor neuropática, especialmente ao considerar que muitos fatores associados à sua etiologia, como obesidade, diabetes e sedentarismo, estão diretamente ligados aos hábitos de vida. Assim, a implementação de mudanças no estilo de vida não apenas alivia sintomas, mas também promove a saúde geral do paciente, integrando-se como uma estratégia adjuvante essencial nos planos terapêuticos. 

Mensagem final 

A dor neuropática periférica exige um manejo terapêutico multimodal, personalizado e centrado no paciente, contemplando intervenções farmacológicas, não farmacológicas e mudanças no estilo de vida para otimizar os resultados.

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Referências bibliográficas

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