A trombose venosa cerebral (TVC) é particularmente prevalente em mulheres jovens e com potencial risco de incapacidade de longo prazo em 10-15% dos pacientes. O direcionamento terapêutico é fundamental para um melhor desfecho desses pacientes. A anticoagulação é a terapia de escolha para essa condição. Anteriormente, os antagonistas de vitamina K (VKAs) eram a classe de escolha para o tratamento da TVC. A partir de novas evidências sobre segurança com os anticoagulantes diretos orais (DOACs) no tratamento da TVC por meio de ensaios clínicos e estudos retrospectivos, um posicionamento científico da American Heart Association declarou conduta razoável a transição ou para antagonistas de vitamina K ou para DOACs após anticoagulação parenteral inicial em pacientes acometidos por essa condição.
Ainda assim, há uma lacuna sobre evidências de alta qualidade sobre a segurança e a eficácia de anticoagulantes orais diretos (DOACs) para o tratamento da trombose venosa cerebral (TVC). Até então, o ACTION-CVT era o estudo com tamanho amostral mais robusto sobre uso de DOACs em TVC embora seus dados tenham sido coletados a partir de uma análise retrospectiva. Esse ano, a Lancet Neurology publica o DOAC-CVT, o maior estudo de coorte (com um desenho, desta vez, prospectivo) para avaliar o desfecho do uso de DOACs em pacientes com trombose venosa cerebral.
Métodos
Trata-se de estudo observacional, prospectivo, internacional e multicêntrico (contemplando 65 hospitais de 23 países) entre janeiro de 2021 e janeiro de 2024. Foram incluídos pacientes adultos (≥ 18 anos) com trombose venosa cerebral (TVC) confirmada por neuroimagem, que iniciaram anticoagulação oral com antagonistas da vitamina K (VKAs) ou anticoagulantes orais diretos (DOACs) dentro de 30 dias após o diagnóstico. Os critérios de exclusão incluíram o uso prévio de anticoagulantes ou contraindicações absolutas aos DOACs, como gravidez, lactação ou doença hepática ou renal grave.
Os pacientes foram acompanhados em consultas clínicas ou por telefone aos 3, 6 e 12 meses após o diagnóstico. O desfecho primário foi um composto de tromboembolismo venoso sintomático e eventos hemorrágicos maiores (conforme critério da International Society on Thrombosis and Haemostasis – ISTH). Desfechos secundários como óbito por qualquer etiologia, hemorragia clinicamente relevante não-maior, eventos trombóticos arteriais e recuperação funcional medida pela escala modificada de Rankin foram também avaliados.
Para controle de variáveis de confusão, foi utilizada ponderação inversa da probabilidade de tratamento (IPTW), ajustando variáveis importantes como idade, função renal, neoplasia ativa, infecção de sistema nervoso central (SNC), uso concomitante de antiagregantes, status econômico do país de inclusão, entre outros.
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Resultados
Dos 619 pacientes incluídos, 401 (65%) receberam DOACs e 218 (35%) receberam VKAs. A mediana de idade foi 41 anos (IQR 28–51) e 63% dos pacientes eram mulheres. O seguimento de 6 meses foi concluído por > 99% dos pacientes.
O desfecho primário ocorreu em 12 (3%) pacientes tratados com DOACs e 7 (3%) tratados com VKAs, sem diferença significativa entre os grupos (OR ponderado: 0,99 [IC 95%: 0,37–3,38]). A mortalidade também foi semelhante: 1% em ambos os grupos (OR ponderado: 0,55 [IC 95%: 0,11–2,80]).
Entre os desfechos secundários, tromboembolismo venoso recorrente ocorreu em 1% dos pacientes de ambos os grupos; recuperação funcional mensurado pela escala Rankin foi semelhante entre os grupos, com 5% dos pacientes em DOACs e 7% em VKAs apresentando pior funcionalidade (mRS 3-6) aos 6 meses; e taxa de recanalização venosa completa foi maior no grupo dos VKAs (58%) em comparação ao grupo dos DOACs (38%) (p=0,0002).
Comentários: DOAC na trombose venosa cerebral
Os resultados indicam que DOACs e VKAs apresentam eficácia e segurança semelhantes no tratamento da TVC, sem diferenças significativas na recorrência de trombose, eventos hemorrágicos maiores ou mortalidade. Esses achados reforçam a possibilidade de uso dos DOACs como alternativa viável aos VKAs, especialmente considerando sua praticidade na administração e menor necessidade de monitoramento laboratorial.
Antes desse estudo, a principal fonte de evidências vinha de análises retrospectivas e ensaios clínicos randomizados de pequeno porte, como o ACTION-CVT, que sugeria benefícios dos DOACs em relação aos antagonistas da vitamina K (AVKs), especialmente na redução do risco de sangramentos intracranianos. No entanto, a falta de estudos prospectivos de grande escala limitava a aplicabilidade clínica dessas evidências.
O ponto forte do estudo DOAC-CVT é ser o maior estudo prospectivo já realizado comparando DOACs e AVKs em pacientes com trombose venosa cerebral. Além disso, a adoção de alguns métodos estatísticos (propensity score matching e a ponderação inversa da probabilidade de tratamento) permitiram a redução de viés de indicação, fortalecendo a validade dos achados.
Apesar de suas contribuições, o estudo apresenta limitações. A natureza observacional do estudo é uma delas, podendo gerar um viés de indicação mesmo com a aplicação de ajustes estatísticos para minimizá-lo. Portanto, a formulação de ensaios clínicos randomizados para estabelecer com maior grau de certeza a superioridade ou equivalência dos DOACs em relação aos AVKs na TVC é fundamental.
Mensagem prática
Embora sejam necessários ensaios clínicos randomizados maiores, o estudo DOAC-CVT reforça as evidências sobre a eficácia e a segurança no uso de DOACs no tratamento da trombose venosa cerebral. Sendo assim, a classe de DOACs pode ser considerada, na prática clínica, como uma alternativa aos VKAs.
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