Como fazer reversão de anticoagulação?
A anticoagulação é o cerne da profilaxia e tratamento dos eventos tromboembólicos, viabilizando a dissolução de coágulos pelo sistema fibrinolítico endógeno e, por conseguinte, a retomada da permeabilidade vascular. O ato prescricional, entretanto, deve sempre ponderar, de forma individualizada, a relação entre os riscos e benefícios envolvidos.
O advento das drogas anticoagulantes de ação direta (DOACs) representou uma verdadeira revolução farmacêutica, suplantando, na maioria dos cenários, os antagonistas da vitamina K (VKAs), em virtude do pragmatismo de dispensar a análise seriada do RNI, do espectro de interações medicamentosas mais limitado e segurança em relação a sangramentos maiores.
Uma das vantagens costumeiramente ainda atribuída aos VKAs é a maior disponibilidade de métodos de reversão, como a vitamina K, plasma fresco congelado e complexo protrombínico, importantes na vigência de sangramentos graves ou necessidade cirúrgica em caráter de urgência.
As diretrizes publicadas por Grottke e colaboradores em maio de 2024 no European Journal of Anaesthesiology sumarizam as principais evidências sobre as estratégias de reversão da anticoagulação quando se trata de DOACs.
Quais são os testes DOACs-específicos?
Os testes convencionais de coagulação, como o tempo de protrombina (TP) e o tempo de tromboplastina parcial ativado (PTTa), embora recomendados no cenário de overdose, necessidade de cirurgia de urgência ou sangramento entre usuários de DOACs, não são capazes, por si só, de excluir a presença de concentrações séricas relevantes.
Dessa forma, sempre que disponíveis, a preferência é pela utilização de testes específicos para DOACs, norteando a administração subsequente de antídotos e agentes hemostáticos não específicos quando há tempo hábil para aguardar os seus resultados.
Testes de coagulação DOACs-específicos |
Apixabana, rivaroxabana e edoxabana
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Dabigatrana:
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Veja também: Posso usar DOAC em pacientes dialíticos?
Além dos testes gerais e específicos da coagulação, deve-se incluir, rotineiramente, o hemograma, creatinina, fibrinogênio e D-dímero, com a ressalva de que a coleta deve preceder às intervenções hemostáticas. A monitorização viscoelástica da coagulação pode ser considerada, com preferência para os métodos baseados em tempo de coagulação da ecarina ou teste do veneno da víbora Russell.
Quando os testes DOACs-específicos são dispensáveis?
Os indivíduos com indicação de cirurgia de urgência, mas que interromperam o uso de DOACs há mais de 24 horas para procedimentos de baixo risco e 48 a 72 horas para os procedimentos de alto risco, estão dispensados de realizar os testes DOACs-específicos, desde que a função renal e hepática estejam preservadas.
Quais as principais indicações de reversão da anticoagulação?
- Cirurgia urgente, de alto risco de sangramento, com suspeita de concentração residual relevante da droga (menos de 24 a 72 horas da última dose do fármaco, na dependência da função renal e/ou hepática);
- Sangramento grave, como hemorragia cerebral, epidural, intraespinhal, gastrointestinal ou refratária.
Como realizar a reversão da anticoagulação?
DOAC |
Antídoto |
Alternativas |
Posologia |
Dabigatrana (inibidor da trombina – fator II) |
Idarucizumabe |
PCC ou aPCC |
2,5 g em 5 a 10 minutos (duas vezes, com intervalo < 10 min). |
Rivaroxabana e apixabana (inibidores do fator Xa) |
Andexanet alfa |
Dose baixa de DOAC: 400 mg (bolus em 15 min) → 480 mg (infusão em 2 horas).
Dose alta de DOAC: 800 mg (bolus em 15 min) → 960 mg (infusão em 2 horas). | |
Edoxabana (inibidor do fator Xa)
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PCC |
Andexanete alfa não foi aprovado até o momento. |
25-50 UI/kg |
Na indisponibilidade dos agentes específicos, podem ser utilizados:
- Concentrado de complexo protrombínico (PCC);
- Concentrado de complexo protrombínico ativado (aPCC).
É importante destacar que, até o presente momento, não há evidências de superioridade dos antídotos (idarucizumabe e andexanete alfa) em relação aos agentes hemostáticos não específicos (PCC ou aPCC)
Quando o andexanet alfa deve ser evitado?
O andexanete alfa deve ser evitado nos pacientes que irão se submeter à cirurgia cardíaca ou cirurgias vasculares maiores, pois inibe a heparina não fracionada, gerando resistência a um fármaco que desempenha papel fundamental na manutenção da perviedade dos circuitos da circulação extracorpórea.
A melhor estratégia depurativa nesses cenários é a utilização de filtros de hemadsorção por meio de hemodiálise. Caso tenha-se empregado, inadvertidamente, o andexanete alfa, a recomendação é de utilização de anticoagulação alternativa no intraoperatório, a exemplo da inibição direta da trombina com argatroban ou bivalirudina.
A anticoagulação deve ser sempre revertida na overdose de DOACs?
Não. Na ausência de sangramento ativo ou previsão de cirurgia de urgência, a reversão não se faz necessária, embora seja encorajado o estímulo à diurese e/ou hemadsorção por meio de hemodiálise nos casos de overdose de dabigatrana, sendo que o carvão ativado pode ser administrado nas primeiras horas da intoxicação.
Como interpretar os testes DOACs-específicos após a administração dos antídotos?
Após a administração do idarucizumabe pode ocorrer um rebote dos níveis séricos da dabigatrana, de forma que o dTT e TT devem ser seriados nas primeiras 48 horas. Já o andexanete alfa interfere na atividade do anti-FXa, exigindo cautela em sua interpretação.
Conclusão e Mensagens práticas
- As drogas anticoagulantes de ação direita (DOACs) estão difundidas na prática médica cotidiana. A prática prescricional, contudo, sempre deve ponderar os riscos e benefícios. Na vigência de sangramento grave ou previsão de cirurgia de urgência entre os usuários de DOACs, deve-se considerar a reversão da anticoagulação, que conta com antídotos (idarucizumabe e andexanete alfa) e agentes não específicos, como o concentrado de complexo protrombínico (PCC).
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