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Neurologia4 outubro 2024

Melhor profilaxia em pacientes oncológicos com AVC criptogênico: AAS ou apixabana?

Análise publicado esse ano na JAMA Neurology comparou a eficácia e a segurança da apixabana versus aspirina em pacientes oncológicos
Por Danielle Calil

Aproximadamente 10-15% dos acidentes cerebrovasculares isquêmicos possuem pacientes com história de câncer, na qual a metade possui neoplasia ativa durante o evento cerebrovascular. O mecanismo subjacente do AVCi permanece indeterminado em aproximadamente 50% dos casos de pacientes com neoplasia ativa, de modo que a causa do evento seja considerada criptogênica. O câncer proporciona estado pró-trombótico através de fatores pró-coagulantes secretados, disfunção endotelial e micropartículas circulantes. Baseado nessas considerações, anticoagulação acaba sendo prescrita em contexto de pacientes oncológicos com AVCi recente. No entanto, o benefício de anticoagulação para pacientes com AVC associado a câncer sem tromboembolismo venoso concomitante é vago. Um outro dado que traz receio a essa conduta é a segurança: pacientes oncológicos apresentam 20% de risco anual para sangramentos em terapias anticoagulantes. Inclusive, nas diretrizes da American Heart Association e American Stroke Association (AHA/ASA) de 2021, o benefício de anticoagulação como profilaxia secundária de AVCi em pacientes oncológicos é incerta.  

Portanto, há uma limitação na literatura para qual estratégia antitrombótica é melhor em termos de eficácia e de segurança em pacientes com AVCi criptogênico e história de câncer. Diante dessa lacuna, foi conduzida uma análise post hoc de um subgrupo do ensaio clínico ARCADIA para comparar a eficácia e a segurança da apixabana versus aspirina nessa população, estudo publicado esse ano na JAMA Neurology. 

Melhor profilaxia em pacientes oncológicos com AVC criptogênico AAS ou apixabana

Imagem de kjpargeter/freepik

Métodos 

O ensaio clínico ARCADIA foi estudo de fase 3, duplo cego, randomizado, conduzido entre 2018 e 2023 em diversos centros norte americanos e canadenses. Esse ensaio clínico contemplou participantes ≥ 45 anos com AVC criptogênico com presença de biomarcador positivo para cardiopatia atrial. Os critérios de exclusão foram: presença de fibrilação atrial, indicação de anticoagulação plena, história de hemorragia intracraniana espontânea, dosagem sérica de creatinina ≥ 2,5 mg/ml, diátese hemorrágica significativa, dosagem de hemoglobina ≤ 9 g/dl, dosagem de plaquetas ≤ 100 mil/L, sangramento gastrointestinal significativo no último ano, escala de Rankin modificada acima de 5. Durante o recrutamento do estudo, história de câncer foi registrada para todos os participantes. 

Os participantes foram divididos em dois grupos, razão 1:1, da seguinte forma: braço ativo com apixabana e placebo com aspirina ou braço ativo com aspirina e placebo com apixabana. A randomização poderia ocorrer em faixa variável, entre 3 e 120 dias após o AVCi. Os participantes cuja intervenção ativa era com apixabana, receberam dose de apixabana 5 mg duas vezes ao dia ─ com exceção dos participantes com menos dois dos seguintes achados: idade ≥ 80 anos, peso ≤ 60 kg ou creatinina ≥ 1,5 g/dL; que, por sua vez, receberam na dose de 2,5 mg duas vezes ao dia. Já os participantes com braço ativo de aspirina receberam a dose de 81 mg/dia.  

Visitas mandatórias eram programadas após 30, 90, 180, 270 e 360 dias após a randomização, assim como a cada semestre posteriormente a essa fase inicial.  

O desfecho primário avaliado foi composto na recorrência de eventos isquêmicos (como AVC, IAM, TVP ou TEP) e hemorrágicos (sangramento significativo com queda de pelo menos 2 g/dL de hemoglobina em 24 horas, transfusão de pelo menos 2 unidades de sangue, ou sangramento em sítios críticos além do cérebro ou hemorragia que leve a óbito). Desfechos secundários foram também avaliados como recorrência de AVCi, recorrência de AVCi ou AVCh, qualquer evento isquêmico arterial maior, tromboembolismo venoso sintomático. Já desfechos secundários de segurança traçados foram óbito, hemorragia intracraniana sintomática e qualquer evento hemorrágico maior. 

Resultados 

A amostra de 1.015 participantes apresentou mediana de idade de 68 anos, sendo 54,3% mulheres e 137 (13,5%) com história de câncer durante o período do acidente cerebrovascular. Entre os 137 participantes com história de câncer, a mediana de idade foi 74 anos, sendo 54,7% mulheres e 86,9% caucasianos, com mediana da escala NIHSS em torno de 1. Para esse estudo, 76 foram randomizados com aspirina e 61 foram randomizados para receber apixabana. O tempo médio de follow-up da amostra foi em torno de 1,5 anos (0,6-2,5). 

A taxa de incidência para o desfecho primário composto foi de 10,6 (IC 95% 7,1-15,8) a cada 100 pessoas-ano em pacientes oncológicos ao comparar com a incidência em participantes sem história de câncer que, por sua vez, foi de 5,9 (IC 95% 4,8-7,3); portanto, o risco do desfecho primário foi maior em pacientes com câncer (HR 1,73; IC 95%, 1,10-2,71).  

Entre a amostra de participantes com câncer, 8/61 (13,1%) do grupo com apixabana e 16/76 (21,1%) do grupo com aspirina desenvolveu eventos isquêmicos ou hemorrágicos. A taxa de incidência do desfecho primário composto foi de 7,8 pessoas-ano (IC 95% 3,9-15,7) para o grupo da apixabana e de 12,8 (IC 95% 7,8-20,9) para o grupo de aspirina. O risco para esse desfecho primário, contudo, não apresentou diferença significativa entre os grupos (HR, 0,61; IC 95% 0,26-1,43). Ainda que o grupo com apixabana tenha demonstrado uma tendência de menor incidência desses eventos maiores, o estudo foi dimensionado para detectar diferenças estatisticamente significativas.  

Comentários: profilaxia em pacientes oncológicos com AVC criptogênico 

Essa publicação foi derivada de um estudo exploratório do ensaio clínico ARCARDIA a partir da análise de subgrupo de participantes com AVC criptogênico com história de câncer. Ainda que o risco de eventos isquêmicos e hemorrágicos tenha sido numericamente menor no grupo de apixabana em relação ao grupo de aspirina (HR 0,61; IC 95% 0,26-1,43), essa diferença não foi significativa do ponto de vista estatístico. Um dado encontrado nesse estudo é de que os participantes com história de câncer apresentaram maior risco para esses eventos isquêmicos e hemorrágicos, o que ressalta a necessidade de um tratamento cauteloso nesse grupo de alto risco. Sendo assim, ainda que a apixabana aparente ser uma estratégia promissora para a prevenção de eventos tromboembólicos em pacientes com câncer e AVC criptogênico, é necessária maiores estudos e evidências para confirmar seus benefícios em comparação com agentes antiplaquetários (ex.: aspirina). 

Esse estudo possui diversas limitações. A principal trata-se do desenho, que foi uma análise exploratória e subdimensionada na qual o tamanho amostral foi insuficiente para detectar diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (apixabana e aspirina) na população estudada; não podendo, portanto, traçar conclusões definitivas e sim apenas hipóteses. Os participantes do ensaio ARCADIA apresentavam evidências de cardiopatia atrial, o que pode ter influenciado os efeitos da apixabana e da aspirina, limitando a generalização dos resultados para àqueles indivíduos que não possuam cardiopatia atrial. Ademais, a história do câncer nesses participantes apresentou escassa coleta de dados quanto ao tipo, estadiamento e data do diagnóstico do câncer, impossibilitando análise de como essas características poderiam afetar o perfil de risco-benefício entre apixabana e aspirina. Outra limitação importante a ser descrita é a ausência de coleta de biomarcador como d-dímero, importante em casos de AVC relacionado ao câncer. 

Mensagem final 

Na amostra dos pacientes oncológicos do ensaio clínico ARCADIA, não houve diferenças significativas entre aspirina e apixabana quanto à avaliação de eficácia (recorrência de eventos isquêmicos e hemorrágicos).

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Referências bibliográficas

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