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Neurologia15 outubro 2024

Há benefício de trombectomia em AVC com ASPECTS baixo em janela de 24 horas?

Estudo avaliou a trombectomia endovascular em pacientes com grande infarto cerebral identificado por TC não contrastada dentro de 24 horas após o início do AVC
Por Danielle Calil

Desde 2015, foram publicados ensaios clínicos pivotais que estabeleceram a trombectomia mecânica como opção terapêutica na fase aguda para acidente cerebrovascular isquêmico (AVCi). Ainda assim, esse procedimento não é aplicável para todos os pacientes com AVCi, sendo avaliado a partir de critérios de elegibilidade e de janela terapêutica dos estudos que evidenciaram sua eficácia.

Atualmente, a trombectomia mecânica pode ser avaliada pela realização de tomografia de crânio para pacientes com tempo de início de sintomas até 6 horas, como também pela realização de tomografia com imagens de perfusão cerebral ou ressonância de crânio em casos de tempo de início dos sintomas entre 6 e 24 horas. Em casos de pacientes com AVCi com tempo de janela terapêutica com ictus até 6 horas, um dos critérios de elegibilidade comporta pacientes com neuroimagem cuja escala ASPECTS está entre 6-10, representando infarto cerebral relativamente pequeno.

Um grande movimento científico da área neurovascular é ampliar esses critérios de elegibilidade e de janela terapêutica, possibilitando que a população sob fase aguda de AVCi possa ter mais acesso a essa terapia.

Leia também: Atualização da diretriz de reabilitação para adultos acometidos por AVC 

Recentemente, houve publicação de um ensaio clínico com benefício para trombectomia mecânica em pacientes com ASPECTS entre 3-5 (resultado dessa escala que presume uma área grande de infarto cerebral) em tomografia de crânio não contrastada com tempo de janela até 12 horas. Neste ano, a JAMA Neurology publica o TESLA trial, ensaio clínico com objetivo de avaliar o efeito da trombectomia mecânica em pacientes com AVC por oclusão de grandes vasos da circulação anterior com área de grande infarto cerebral (ASPECTS entre 2-5) a partir do uso de tomografia de crânio sem contraste e dentro de janela terapêutica de 24 horas.

Há benefício de trombectomia em AVC com ASPECTS baixo em janela de 24 horas

Imagem de freepik

Métodos

Trata-se de ensaio clínico randomizado aberto, fase 3, com avaliação cega para o desfecho primário. O ensaio apresentou desenho bayesiano de enriquecimento adaptativo, permitindo a realização de análises interinas e ajustes baseados nos dados acumulados sem comprometer a integridade do estudo. Foi ensaio multicêntrico, contemplando 47 centros norte-americanos.

Os critérios de inclusão contemplaram pacientes entre 18-85 anos, com acidente cerebrovascular isquêmicos dentro de 24 horas de ictus, com NIHSS ≥ 6, com oclusão de grandes vasos (carótida interna intracraniana ou segmento de M1 de artéria cerebral média) comprovada em angiotomografia arterial de crânio, com ótimo status funcional pré-AVC por meio da escala de Rankin nos valores de 0-1. Os pacientes para serem elegíveis no estudo necessitavam apresentar grande área de infarto cerebral, através da escala ASPECTS entre 2-5 na tomografia de crânio sem contraste. Já os critérios de exclusão contemplaram presença de hemorragia intracraniana, área de infarto cerebral com efeito de massa (por desvio de linha média, sinais de herniação, apagamento ventricular).

O ensaio clínico randomizou os participantes em dois grupos: (1) trombectomia mecânica + terapia médica e (2) terapia médica. A randomização foi realizada de modo estratificado para idade, escala NIHSS inicial e tempo do AVC para realização de neuroimagem.

Durante período de acompanhamento após a randomização, os participantes foram submetidos a avaliações neurológicas, escalas funcionais e acesso de qualidade de vida. O desfecho primário do estudo foi avaliar a melhora funcional após 90 dias através da escala modificada de Rankin ponderada por utilidade (UW-mRS).

Resultados

Entre 2019 e 2022, 300 pacientes foram avaliados e randomizados, sendo 152 (50,7%) pertencentes ao grupo intervenção (trombectomia mecânica) e 148 (49,3%) ao grupo controle. As características sociodemográficas entre os grupos foram relativamente similares, exceto uma maior proporção de indivíduos com diabetes mellitus no grupo intervenção.

Não houve diferença significativa nos desfechos funcionais em 90 dias entre os grupos. O escore médio de UW-mRS foi 2,93 no grupo da trombectomia e 2,27 no grupo controle, com uma diferença ajustada de 0,63 (IC 95%, -0,09 a 1,34).

Ao avaliar desfecho de segurança, a mortalidade em 90 dias foi semelhante entre os grupos: 35,3% no grupo da trombectomia e 33,3% no grupo controle. O grupo da trombectomia apresentou maior risco de hemorragias intracranianas sintomáticas e subaracnóideas em comparação com o grupo controle.

Saiba mais: Trombectomia em trombose iliofemoral recente: Experiência de um centro alemão

Discussão

O TESLA trial não demonstrou a trombectomia mecânica como intervenção significativa em resultados funcionais após 90 dias para pacientes com grandes infartos em circulação anterior identificados por TC não contrastada.

Ainda que não tenha sido encontrado benefício com significância estatística para o grupo com trombectomia mecânica, as estimativas pontuais foram direccionalmente favoráveis, sugerindo uma possível tendência de benefício dessa intervenção. Essa tendência, inclusive, foi consistente com recentes estudos que demonstraram benefício de trombectomia mecânica utilizando diferentes abordagens de neuroimagem (ressonância de crânio ou tomografia de crânio com perfusão). Contudo, os efeitos observados no TESLA trial foram menores do que nesses estudos anteriores, na qual a diferença entre os grupos para um ótimo status funcional (escala de Rankin modificada entre 0-2) foi de 5,7%. Uma possível explicação para esses efeitos menores seria o tempo mais longo entre o início do AVC e a randomização dos pacientes no TESLA trial (em torno de 10,9h para o grupo intervenção e 12,6h para controles) ao comparar com esses outros estudos (variando cerca de 3,6-9,1 horas).

O ensaio TESLA apresentou limitações. Entre elas, destaca-se uma amostra com uma parcela pequena de pacientes com tempo de janela terapêutica inicial (entre 0-6 horas), o que pode ter impactado numa avaliação mais robusta do efeito da trombectomia mecânica nesse grupo específico. Outro ponto importante é que foi encontrada variações nos resultados entre os centros que realizaram o tratamento, podendo limitar a generalização dos resultados.

Mensagem final

O estudo TESLA não encontrou benefício claro de trombectomia mecânica para pacientes com AVCi de grande área de infarto identificados por TC não contrastado dentro de 24 horas. Ainda que o estudo possa ter encontrado uma tendência de benefício para essa intervenção, maiores investigações são necessárias para melhor definição nesse cenário clínico.

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Referências bibliográficas

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