A doença de Pompe, também chamada de deficiência de alfa-glicosidase ácida (GAA), é uma doença lisossomal de depósito rara, com impacto neuromuscular relevante. Ela faz parte do grupo das glicogenoses (tipo II) e resulta da incapacidade de degradar glicogênio nos lisossomos, levando ao acúmulo progressivo e toxicidade celular.
Para o neurologista, a doença é um diagnóstico diferencial crucial em pacientes com miopatias de cinturas, principalmente quando há envolvimento precoce da musculatura respiratória e níveis elevados de CPK (podem ser normais).
Entendendo a Doença de Pompe
A mutação no gene GAA (17q25.2-q25.3) compromete a produção da enzima alfa-glicosidase ácida, essencial para degradação do glicogênio dentro dos lisossomos. A consequência? Acúmulo de glicogênio em músculos esqueléticos, cardíacos e no sistema nervoso, com destruição tecidual progressiva.
Há duas formas clínicas:
Forma infantil clássica
- Início nos primeiros meses de vida.
- Hipotonia marcada (“floppy infant”).
- Miocardiopatia hipertrófica e insuficiência respiratória precoce.
- Sem tratamento, evolução rápida com óbito no 1º ano de vida.
Forma de início tardio (juvenil/adulto)
- Pode surgir da infância à vida adulta.
- Fraqueza proximal progressiva (padrão cinturo-pélvico).
- Envolvimento precoce do diafragma → apneia do sono e insuficiência respiratória.
- Não há cardiomiopatia.
Quando suspeitar da Doença de Pompe?
- Lactentes: hipotonia + cardiomegalia + dificuldade respiratória.
- Crianças/adultos: fraqueza proximal + dificuldade de subir escadas ou levantar de cadeiras + sonolência diurna (sugestiva de hipoventilação).
- CPK levemente a moderadamente elevado.
Sinais de alerta no exame neurológico
- Fraqueza proximal com preservação de reflexos nos estágios iniciais.
- Padrão miopático na eletromiografia.
- Capacidade vital forçada reduzida em posição supina.
Como diagnosticar?
- Dosagem da atividade da GAA em sangue seco (teste do pezinho) ou leucócitos.
- Confirmação com sequenciamento do gene GAA.
- EMG com padrão miopático + potenciais complexos repetitivos (paravertebrais).
- Em casos duvidosos, biópsia muscular mostrando miofibras vacuoladas com glicogênio PAS-positivo.
Dica prática: considere Pompe no diagnóstico diferencial de miopatias de cinturas com fraqueza respiratória desproporcional e CPK elevado.
Tratamento e avanços
O marco terapêutico foi a introdução da terapia de reposição enzimática (ERT) com alglucosidase alfa:
- Reduziu a mortalidade na forma infantil.
- Retardou a progressão da forma tardia.
Nos últimos anos, novas opções surgiram:
- Avalglucosidase alfa – alternativa com maior eficiência de captação celular.
- Cipaglucosidase alfa + miglustat – aprovado para adultos com resposta insatisfatória à ERT convencional.
- Pesquisas em terapia gênica em andamento com resultados promissores.
- Atenção: a resposta à ERT é melhor quando iniciada precocemente, reforçando a importância do rastreamento neonatal e do diagnóstico rápido.
Papel do neurologista
Identificar precocemente pacientes com miopatias de cinturas atípicas e envolver equipe multidisciplinar (pneumologia, fisioterapia respiratória, genética).
Monitorar:
- Função pulmonar (CVF supina).
- Sinais de hipoventilação noturna.
- Eventos adversos à ERT (reações de hipersensibilidade, anticorpos anti-GAA).
Orientar sobre a evolução da doença e o impacto das novas terapias.
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