Logotipo Afya
Anúncio
Neurologia14 julho 2025

Polineuropatias de fibras finas: dos critérios diagnósticos à investigação 

Polineuropatias de fibras finas são comuns e afetam significativamente os pacientes, devido à dor debilitante e aos sintomas autonômicos.
Por Danielle Calil

As polineuropatias de fibras finas (Small Fibre Neuropathies – SFN) são condições neurológicas relativamente frequentes, caracterizadas pelo comprometimento de fibras nervosas pequenas, incluindo as fibras C não mielinizadas e as fibras A-delta finamente mielinizadas. Tais fibras são responsáveis pela transmissão de estímulos relacionados à dor, temperatura e funções autonômicas.  

Os pacientes com SFN geralmente apresentam dor neuropática intensa, alterações na sensibilidade térmica e sintomas autonômicos, como alterações na sudorese e no controle cardiovascular. O diagnóstico, no entanto, ainda representa um desafio na prática clínica, dada a limitação de métodos acessíveis e específicos para avaliação dessas fibras. 

A revista Practical Neurology publicou, em 2024, revisão sobre o tema, contemplando os critérios diagnósticos dessa condição, potenciais causas, assim como exames complementares disponíveis para melhor elucidação.  

Polineuropatias de fibras finas dos critérios diagnósticos à investigação 

Critérios Diagnósticos de Polineuropatias de Fibras Finas 

Há dois principais critérios propostos para realização diagnóstica de SFN: critérios de Besta e critérios de Neurodiab. 

Critérios de Besta 

Preenchimento de pelo menos 2 achados anormais: 
1. Presença de pelo menos 2 sinais clínicos negativos (perda de sensibilidade dolorosa ou térmica) e/ou sinais clínicos positivos (alodinia ou hiperalgesia) 
2. Anormalidades nos limiares térmicos, avaliados por teste sensorial quantitativo (QST) nos pés 
3. Redução da densidade de fibras nervosas intraepidérmicas em biópsia de pele na perna distal. 

Já os Critérios Neurodiab, classificam os pacientes como diagnósticos “possível”, “provável” ou “definitivo”. As categorias “provável” e “definitivo”, nessa circunstância, possuem critério mandatório para estudos de condução do nervo sural normais. 

Critérios de Neurodiab 

Possível: Presença de sintomas dependentes do comprimento e/ou sinais clínicos de dano às fibras finas. 
Provável: Presença de sintomas dependentes do comprimento, sinais clínicos de dano às fibras finas e estudos de condução nervosa sural (ECN) normais. 
Definitivo: Presença de sintomas dependentes do comprimento, sinais clínicos de dano às fibras finas, ECN sural normal e densidade alterada de fibras nervosas intraepidérmicas no tornozelo e/ou limiares térmicos de testes sensoriais quantitativos anormais no pé. 

Há instrumentos, como o SFN-SIQ e a SFN Screening List são úteis para selecionar pacientes que devem ser submetidos a investigação mais aprofundada. 

Causas 

As causas mais comuns atreladas às polineuropatias de fibras finas são: 

  • Diabetes mellitus 
  • Síndrome metabólica 
  • Abuso de álcool 
  • Amiloidose 
  • Síndrome paraneoplástica 
  • Sarcoidose 
  • Lúpus eritematoso sistêmico 
  • Síndrome de Sjogren 
  • HIV 
  • Quimioterápicos 
  • Paraproteinemia 
  • Neuropatia sensitiva autossômica hereditária 

Ainda assim, causas genéticas também podem ser incluídas como doença de Pompe de início tardio e variantes genéticas de canais de sódio voltagem-dependente (SCN) como genes SCN9A, SCN10A e SCN11A.   

Investigação 

A avaliação de um paciente com suspeita de SFN deve iniciar-se com história clínica detalhada, exame neurológico direcionado, com atenção especial para sintomas sensitivos, como dor em queimação, alteração de sensibilidade térmica e sintomas autonômicos. 

Os exames de condução nervosa (NCS) e a eletromiografia (EMG) são frequentemente normais nas polineuropatias de fibras finas, considerando que são exames que avaliam fibras nervosas de maior calibre. Portanto, não auxiliam tanto na investigação diagnóstica.  

Por outro lado, o método complementar “padrão ouro” é a biópsia de pele que avalia, com sensibilidade entre 70-80%, a densidade de fibras nervosas intraepidérmicas. Embora essa investigação seja interessante por ser procedimento menos invasivo do que a biópsia de nervo periférico, não é um exame de fácil acesso. 

A revisão laboratorial, embora não consiga diagnosticar a polineuropatia de fibras finas, é recurso importante durante a sua investigação dada a possibilidade de elucidar suas causas subjacentes. O painel laboratorial deve contemplar investigação de causas metabólicas (HbA1c, glicemia de jejum, ureia, eletrólitos, hepatograma, vitamina B12, hormônios tireoidianos), causas infecciosas (sorologias para HIV e hepatites virais) e causas imunomediadas (VHS, PCR, FAN, anti-DNA, anti-Sm, anti-Ro, anti-La, enzima conversora de angiotensina [ECA], eletroforese de proteínas com imunofixação, anticorpos antitransglutaminase, anti-endomísio e IgA antirreticulina). A investigação laboratorial pode ser expandida, incluindo a dosagem de anticorpos anti-neuronais na suspeita de síndromes paraneoplásicas, a pesquisa de marcadores específicos em doenças genéticas (por exemplo, dosagem de alfa-galactosidase na doença de Fabry) e, quando indicado, a realização de sequenciamento por exoma para diagnóstico de condições genéticas, como canalopatias e amiloidose por transtirretina. 

Outros exames complementares estão presentes na recomendação de investigação de polineuropatias de fibras finas (apesar de dificilmente serem encontrados no Brasil): 

  • Teste sensorial quantitativo (QST): Avalia limiares térmicos e de dor, com sensibilidade em torno de 50%, sendo útil como método complementar. 
  • Resposta cutânea simpática (SSR): Mede a resposta autonômica sudomotora, mas com sensibilidade limitada na detecção de polineuropatias de fibras finas (~40%). 
  • Potenciais evocados relacionados à dor: Os potenciais evocados por laser são considerados o segundo teste mais sensível para o diagnóstico de polineuropatias de fibras finas, após biópsias de pele, e apresentam sensibilidade de 78% e especificidade de 81% para o diagnóstico de NFS. No entanto, este teste não está disponível na maioria dos hospitais. 
  • Testes autonômicos especializados: Como o QSART (Quantitative Sudomotor Axon Reflex) e o teste termorregulatório de suor, com sensibilidades de 70-80%, úteis especialmente em neuropatias de predomínio autonômico. 
  • Microneurografia: Técnica capaz de fornecer informações sobre o disparo de nociceptores e outros aferentes, sendo, portanto, única na investigação de sintomas positivos de fibras finas. Trata-se de exames emergente, ainda restrito a centros de pesquisa, com potencial futuro na prática clínica.      

Comentários: Polineuropatias de fibras fina 

Na prática neurológica geral, no qual o acesso a exames especializados não está amplamente disponível, uma anamnese cuidadosa e o exame neurológico em busca de sinais de comprometimento de fibras finas em pacientes com sintomas sugestivos podem ser extremamente informativos. A aplicação dos critérios diagnósticos de Besta, nesse contexto, pode auxiliar considerando sua simplicidade e fácil aplicação na prática clínica ao comparar com os critérios Neurodiab – embora demandem recursos complementares nem sempre disponíveis. Em casos de profissionais com atuação em centros onde técnicas especializadas são menos acessíveis, o diagnóstico de provável neuropatia de fibras finas (SFN) pode ser feito com base nos critérios Neurodiab, a partir da avaliação clínica e do estudo de condução nervosa (NCS). 

Leia também: História da medicina e da neurologia: da antiguidade às grandes descobertas

Embora historicamente o manejo da neuropatia de fibras finas (SFN) tenha sido predominantemente sintomático, recentemente surgiram terapias específicas para algumas causas. Por exemplo, o inotersen tem sido utilizado no tratamento da neuropatia por amiloidose TTR; a terapia de reposição enzimática e o chaperona oral migalastate são opções para a doença de Fabry; além disso, há estudos em andamento para avaliar a eficácia da imunoglobulina intravenosa em síndromes inflamatórias de SFN. Pacientes que necessitam dessas terapias especializadas devem ter um diagnóstico seguro, mesmo considerando as limitações dos métodos diagnósticos disponíveis atualmente. 

Mensagem Prática 

O diagnóstico da polineuropatia de fibras finas requer uma abordagem clínica cuidadosa e, quando acessível, complementada por exames específicos como a biópsia de pele e outros exames. Embora o acesso a exames de maior complexidade ainda seja restrito em muitos centros, o reconhecimento precoce dos sintomas e a utilização criteriosa dos recursos diagnósticos disponíveis são fundamentais para direcionar o tratamento e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Neurologia