O principal objetivo no início de drogas modificadoras de doença (DMT) em indivíduos com esclerose múltipla (EM) é prevenir atividade de doença inflamatória no sistema nervoso central. Aparentemente o perfil risco-benefício de terapias anti-inflamatórias muda com o curso da doença. Com o processo de envelhecimento, evidências apontam que o risco de surtos clínicos e de atividade inflamatória na ressonância de crânio decai, gerando uma menor efetividade relativa dessas drogas e um aumento do risco de eventos adversos pela imunossenescência.
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Estudos observacionais investigaram o risco de descontinuação da DMT e possíveis preditores para recorrência de atividade de doença inflamatória após sua suspensão. Idosos e longo tempo de estabilidade de doença foram associados com menor risco de atividade após suspensão. Ainda assim, há evidências frustras sobre esse questionamento em estudos como ensaios clínicos randomizados. O DOT-MS trial é um ensaio clínico, publicado na JAMA Neurology em 2024, que se propõe a investigar a descontinuação de DMTs em pacientes com EM RR ≥ 18 anos com estabilidade de doença por pelo menos 5 anos.
Métodos
Trata-se de ensaio clínico, multicêntrico, aberto, com avaliação mascarada do desfecho. A continuação de DMT foi comparada à suspensão em participantes portadores de EM RR com longa estabilidade de doença. O plano original do ensaio foi um acompanhamento de 3,5 anos entre março 2020 e janeiro 2024. O estudo foi conduzido em 14 centros da Holanda.
Os critérios de inclusão contemplaram pacientes ≥ 18 anos com esclerose múltipla de início recorrente remitente (podendo ou não ter posteriormente evoluído para secundariamente progressivo), em uso de DMTs de primeira linha, sem atividade de doença clínica e radiológica por pelo menos 5 anos antes da inclusão no estudo. Os participantes foram randomizados e divididos em dois grupos, razão 1:1, para manter ou descontinuar a terapia da doença.
No estudo, foi realizando RM crânio de rastreio um ano antes do recrutamento para comparar com os últimos exames disponíveis. O principal objetivo desse procedimento foi revisar tais imagens para confirmar se houve estabilidade radiológica de doença (≤ 1 nova lesão em RM por pelo menos 5 anos antes da inclusão no estudo ou ≤ 3 novas lesões em T2 sugestivas de desmielinização nos últimos 10 anos). Os participantes eram submetidos a avaliações clínicas e protocolos de RM de crânio com contraste feitos nos baseline, e no 3º, 6º, 12º, 18º e 24º mês do follow-up.
O protocolo de avaliação clínica consistia na aplicação de questionários e aplicação de escalas. Foram realizados os seguintes questionários: 29-item Multiple Sclerosis Impact Scale (MSIS-29), Checklist Individual Strength (CIS20r), 36-item Health Status Questionnaire (SF-36) e responder numericamente em escala de 0 a 7 a pergunta sobre o quão satisfeito os participantes está com a presença ou suspensão da DMT para esclerose múltipla. Já as escalas como Expanded Disability Status Scale (EDSS) e Multiple Sclerosis Functional Composite (MSFC) que, por sua vez, consiste num somatório de três testes: Symbol Digit Modalities Test (SDMT), the Timed 25-Foot Walk (T25-FW), e Nine-Hole Peg Test (9-HPT), foram aplicadas nas visitas pelos investigadores. A avaliação radiológica foi feita a partir de ressonância de crânio, enquanto pedidos de neuroimagem medular foram restritos a contextos de suspeitas de surtos clínicos medulares.
O desfecho primário foi avaliação de atividade inflamatória da doença significativa, considerada por surto clínico por pelo menos 3 novas lesões em T2 ou pelo menos 2 lesões captantes de contraste no exame de ressonância de crânio.
Resultados
Entre julho de 2020 e março de 2023, 44 (49,4%) participantes foram randomizados para o grupo de manutenção de DMT e 45 (50,6%) para suspensão de DMT. A amostra foi composta por 67,4% mulheres, 89,9% EM forma remitente-recorrente (o remanescente eram formas secundariamente progressivas), idade média de 54 anos, com tempo médio do último surto clínico há 9,4 anos antes da inclusão do estudo e 65,1% sob histórico de uso de drogas injetáveis (acetato de glatiramer e interferon-beta).
O ensaio clínico foi interrompido em março de 2023 (e não em 2024 como previsto) porque a taxa de recorrência de atividade inflamatória de doença no grupo de suspensão de DMT ultrapassou os limites pré-definidos para segurança. A análise para não inferioridade planejada não pode ser realizada considerando a interrupção precoce e, portanto, o resultado primário não foi testado para a análise de não inferioridade. Diante disso, uma análise post hoc mostrou que a probabilidade de rejeitar a hipótese nula era inferior a 0,001 nesses resultados preliminares, reforçando assim a decisão de encerrar o estudo mais cedo.
A mediana do tempo do follow-up até o trial ser interrompido foi de 15,3 meses (IQR 11,4-23,9). No grupo com descontinuação do tratamento, 8/45 (17,8%) apresentaram atividade de doença significativa comparada a 0% do grupo controle. Dos 8 participantes do grupo submetido à interrupção do tratamento, 6/45 (13,3%) apresentaram pelo menos 3 novas lesões em T2 ou pelo menos 2 lesões contrastadas em imagem sem surto clínico e 2/45 (4,4%) apresentaram novo surto radiológico. Entre os participantes com atividade de doença significativa, a mediana de tempo para sua ocorrência foi de 12 meses (IQR 6-12).
Os participantes do grupo intervenção tiveram a oportunidade de reiniciar a DMT durante o ensaio clínico. Até o final do estudo, 35/45 (77,8%) permaneceram sem reiniciá-lo.
Em relação a satisfação do tratamento, todos os participantes com atividade significativa de ressonância magnética permaneceram satisfeitos com a descontinuação do DMT pela EoS. Entre aqueles com qualquer atividade de ressonância magnética, 2 participantes ficaram insatisfeitos na ausência de DMT. Um participante com qualquer atividade da ressonância magnética mudou de insatisfação para satisfação pela conclusão do estudo.
Efeitos adversos, graves ou não, foram similares na comparação dos grupos. No grupo que continuou a DMT, foi observado 3 participantes com eventos graves não relacionados ao estudo: 1) apresentou abcesso hepático diante de diverticulite; e 2) apresentaram infarto agudo do miocárdio.
Discussão: descontinuação da terapia de esclerose múltipla
O estudo DOT-MS foi encerrado antecipadamente diante do aumento de atividade de doença (principalmente radiológica) no grupo que descontinuou DMT ter ultrapassado o limite de segurança predefinido. Uma análise de poder condicional post hoc mostrou que a probabilidade de refutar a hipótese nula (que a descontinuação é inferior à continuação) era < 0,001 se o ensaio tivesse continuado reforçando a validade da decisão de encerrá-lo precocemente.
A taxa de recorrência de atividade inflamatória foi significativamente maior no DOT-MS, com 24,4% dos pacientes apresentando reativação após a descontinuação do tratamento, contra 12,2% no DISCOMS, publicado previamente. Considerando dados prévios de que pacientes idosos estão associados a menor atividade após suspensão de DMT, uma possível justificativa para a diferença entre os achados desses estudos pode ter sido o perfil dos participantes: no estudo DOT-MS a faixa etária recrutada dos participantes foi a partir de 18 anos (média de idade de 54 anos), enquanto no DISCOMS foi uma faixa etária mais madura, isto é, participantes a partir dos 55 anos (média de idade de 63 anos).
No DOTS-MS trial, os participantes que tiveram atividade significativa de doença foram geralmente mais jovens com mediana de 46 anos (IQR 43,5-58,5) comparado ao grupo sem atividade de doença que apresentou mediana de 54 anos (IQR 50-59). Ainda assim, 5/45 participantes (11,11%) do grupo que descontinuou o tratamento e apresentou atividade significativa de doença tinham ≥ 45 anos. Esse resultado mostra que, embora menos comum, participantes mais velhos também enfrentaram o risco de reativação.
Mensagem final
A descontinuação de DMT em pacientes com esclerose múltipla remitente recorrente levou à reativação de atividade de doença em proporção significativa de participantes que apresentavam estabilidade de doença por pelo menos 5 anos. Embora tenha sido um número amostral pequeno, essa taxa de recorrência foi significativa, especialmente em jovens. Ainda assim, os autores concluem que é viável a possibilidade de suspensão das terapias modificadoras de doença em pacientes com EM estáveis, embora o monitoramento clínico, radiológico, baseado em biomarcadores seja necessário.
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